Sejamos felizes, afinal viver é um
presente de Deus
O pesquisador inglês Richard Layard (1) escreve sobre a
dificuldade que a ciência atual encontra para pronunciar-se
a propósito da felicidade e de como obtê-la. Para ele,
“a ciência acadêmica é muito eficiente em lidar com as
coisas físicas e com o controle da natureza. Mas o que
se relaciona à alma humana, ou ao espírito humano, é
muito diverso, pois, para a ciência cartesiana, pessoas
são resultados de processos ainda não completamente
entendidos do cérebro, com corpos e comportamentos
ditados por suas disposições genéticas, e tudo o que são,
ou expressam, resulta de suas interações com o ambiente
e de seus próprios arranjos ou desarranjos biológicos”.
(2)
Desde a década de 80 do século XX há uma chamada
"ciência da felicidade", e alguns pesquisadores, ainda
no universo do paradigma oficial utilitarista, estão
tentando criar um índice econométrico, a tal “Felicidade
Interna Bruta”, capaz de medir o nível de felicidade dos
cidadãos de um país. Os estudos apontam, por exemplo,
que a riqueza não consolida a felicidade das pessoas no
mundo desenvolvido. “Defender um crescimento econômico
contínuo não é o mesmo que ter como objetivo uma
sociedade mais feliz.” (3)
Alguns acadêmicos "descobriram" que a felicidade é uma
obra coletiva e, como tal, ela se fundamenta muito mais
nas relações que temos com as outras pessoas do que nas
relações que temos com os bens e utensílios que
utilizamos no nosso dia a dia. Para Layard: "há um lado
profundamente egoísta na nossa natureza, mas é o
trabalho de cultura apoiar o nosso altruísmo natural
contra o nosso egoísmo natural”. (4) Um dos conceitos
básicos da Revolução Francesa, marco da moderna
sociedade ocidental, é que o objetivo da sociedade
deveria ser a felicidade geral. Na Constituição
americana, já na segunda linha está escrito que todo
homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à
busca da felicidade.
Historicamente, a felicidade - expressão por excelência
do espírito humano - foi o objeto de discussão das
propostas filosóficas. Na Grécia, por exemplo, Epicuro
procurou demonstrar que a sabedoria era a chave da
felicidade. Antes dele, Diógenes, "O Cínico",
estabelecia que o homem deveria desdenhar todas as leis,
exceto as da Natureza, vivendo de acordo com a própria
consciência e com total desprezo pelas convenções
humanas e sociais. Há 2.400 anos, Sócrates, considerado
o pai da ciência moral, em sua dialética, a expressar-se
não raro de forma irônica, combatia os males que os
homens fomentam para gozarem de benefícios imediatos,
objetivando, com essa atitude de reta conduta, o bem
geral, a felicidade comunitária. A ideia socrática expõe
um debate que permanece até hoje: o que é felicidade?
Como atingi-la? Até então, os gregos acreditavam que
dependia basicamente dos desígnios dos deuses.
Outro problema no estudo da felicidade é que o termo não
comporta definições precisas. É bem-estar? É satisfação?
É êxtase? É a serenidade da contemplação? O conceito de
felicidade é incerto. Modifica-se de acordo com a
ocasião e a concepção social, econômica e espiritual de
cada um. Pode se expressar, momentaneamente, em uma
viagem, na saúde, numa festa de aniversário, na
companhia de um amigo e noutras situações. Mas, será que
"pode o homem gozar de completa felicidade na Terra? Os
Espíritos afirmam que não!” Por isso que a vida nos foi
dada como prova ou expiação. “Depende de cada um a
suavização de seus males e o ser tão feliz quanto
possível na Terra.” (5) Não podemos esquecer que a Terra
é um mundo atrasado sob o ponto de vista moral. Por
isso, a felicidade total não se encontra aqui no orbe,
todavia, em mundos mais evoluídos. Em nosso planeta, a
felicidade é relativa, conforme encontramos descrito no
item 20 do capítulo V de "O Evangelho segundo o
Espiritismo”. (6)
Confundir felicidade com cobiça e bel-prazer é uma
distorção proposta inicialmente pelo epicurismo, pelo
cinismo, pelo estoicismo. (7) Ainda hoje acredita-se que
a felicidade está na satisfação da vaidade e dos
desejos. Por isso, são tão valorizados e idolatrados o
silicone, o botox, a roupa de grife, a plástica estética
e o carrão zerado. O mundo exige que as pessoas estejam
permanentemente “bonitas”, “alegres” e, por isso, ele se
tornou o paraíso das drogas e do Prozac. Muitas mulheres
fazem análise justamente porque são muito bonitas e têm
dificuldade de lidar com a beleza.
Em uma sociedade feliz, onde o homem fosse consciente da
vontade de Deus, isto é, da prática do bem, não haveria
violência, drogas, sequestros, prostituição, poligamia,
traição, inveja, racismo, inimizades, tristeza, fome,
ganância e guerras; e mais, não encontraríamos pessoas
perambulando pelas ruas, embriagadas, sujas, cabelos
desgrenhados, roupas ensebadas, catando coisas no lixo
ou esmolando, em razão de quedas morais. As teorias
atuais sobre o bem-estar em Psicologia e Economia deixam
ainda a desejar. Urge que novas propostas teóricas
interpretem a felicidade em termos de valores mais
duradouros. Astrólogos, quiromantes, místicos e
embusteiros de toda sorte também enriquecem às custas da
ingenuidade alheia, fomentando a ilusão de uma fórmula
mágica para a prosperidade. A felicidade não é
resultante de privilégios biogenéticos (cerebrais) e de
personalidade, nem mesmo pode ser adquirida pela
obtenção de um bem de consumo.
Cremos que a felicidade depende, exclusivamente, de cada
criatura. Esguicha da sua intimidade, depende de seu
interior, como instruiu o Mestre dos Mestres: "o reino
dos céus está dentro de vós”. (8) A legítima felicidade
reside na conquista dos tesouros imperecíveis da alma.
Estabelecendo, conforme o Eclesiastes, que a verdadeira
"felicidade não é deste mundo”, (9) Jesus preconizou que
o homem deve viver no mundo sem pertencer ao mundo,
facultando-lhe o autodescobrimento para superar o
instinto e sublimá-lo com as conquistas da razão, a fim
de planar nas asas da angelitude.
A felicidade se expressa no bem que se faz ao próximo.
Quando o "eu" egoísta de cada ser tiver cedido lugar ao
amor pelo seu semelhante, iremos presenciar uma
comunidade equilibrada, harmônica e feliz. O Espiritismo
nos dá suporte moral e outras diversas motivações,
revelando-nos a imortalidade, a reencarnação e o
movimento de causa e efeito. Explica-nos que a
felicidade é possível e que se constrói no dia a dia
pelo esforço continuado, fortalecendo-nos para a luta
contra as nossas tendências inferiores.
Aprendamos a notar o mundo pelo prisma do Espírito e
sejamos felizes, compreendendo a vida como um dom de
Deus.
Referências bibliográficas:
(1) RICHARD Layard, renomado economista britânico e que
integra a Câmara dos Lordes; é diretor do Centre of
Economic Performance da London School of Economics.
(2) Disponível em <diário
da saúde> acesso
em 25/07/11
(3) idem
(4) idem
(5) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed
FEB, 2000, perg. 920
(6) Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo,
RJ: Ed FEB, 2003, item 20, Cap. V
(7) Primeiras escolas de filosofia gregas a pensar a
moral de forma individual
(8) [6] (Lucas 17: 20-21).
(9) (Eclesiastes 6: 1-5)