Deus nos livra do mal?
Podemos esperar o afastamento total do mal em nossas
vidas? Faz sentido exigir tal coisa da parte do Criador?
Já conseguimos entender o mal na sua exata medida? Tais
indagações ensejam muitas cogitações. No entanto, vamos
analisar alguns fatos para ajudar no entendimento da
questão. Em primeiro lugar, ao que se sabe, “o mal”
sempre permeou este planeta desde o momento em que ele
passou a abrigar seres inteligentes. Em segundo, guerras,
doenças, morticínios e penúria sempre estiveram ao lado
dos humanos em sua luta diária pela sobrevivência. Em
síntese, as sombras do mal – entendido aqui como
experiências pungentes – sempre existiram neste orbe
simplesmente porque materializá-las tem sido a opção de
bilhões de almas.
Explicando melhor o raciocínio, esperar que Deus nos
livre do mal, especialmente quando o vemos ainda
presente em tantos setores, soa como algo utópico.
Portanto, talvez seja melhor concluir que há certa
fatalidade em enfrentarmos o mal em nossos caminhos
ascensionais. Afinal de contas, na sua acepção mais
estreita, ao causamos mal a outrem, é certo que
haveremos de senti-lo igualmente em algum momento mais
adiante.
Dito de outra forma, sentir o mal é inerente à
experiência humana. Criamos sociedades imperfeitas
porque assim também nós somos. Desse modo, é lógico,
portanto, ser atingido por coisas desagradáveis,
frustrantes ou até mesmo fatais. Por outro lado, temos
de reconhecer: “o mal” serve de acicate ao
desenvolvimento espiritual humano. Analisando essa
problemática, o Espírito Emmanuel, no livro Vinha de
Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier),
lembra, com precisão, que “A superfície do mundo é,
indiscutivelmente, a grande escola dos Espíritos
encarnados”.
Em sendo um educandário para as almas, não se pode,
destarte, esperar facilidades imerecidas. Diante dessa
realidade, ocorre que muitos se aproximam das religiões
imaginando obter privilégios indevidos, suavidades no
caminho redentor, soluções para problemas complexos
gerados pelo próprio Espírito infrator etc. Não
conseguem entender que é “Impossível recolher o
ensinamento, fugindo à lição”, como observa Emmanuel. O
nobre mentor ainda pontua que “Ninguém sabe, sem
aprender”. Então resta-nos concluir que – gostemos ou
não – a experiência dolorosa é decisiva para o
aperfeiçoamento humano.
Seria ingenuidade aguardar que o avanço da alma aconteça
sem esforço, disciplina e resignação diante das provas
acerbas (às vezes, consideradas apenas como expressão do
mal sem qualquer cogitação quanto ao seu lado
transcendental). Nesse sentido, o benfeitor recorda que
Jesus, embora tenha rogado ao Pai Celestial a libertação
do mal, não lhe “pediu o afastamento da luta”, ou seja,
“Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta
hora” (João, 12: 27), reconhecendo, assim, que ali se
encontrava para cumprir uma sagrada missão. Ademais, a
história da evolução humana mostra, com muita clareza,
que o avanço do homem tem se dado através de muita luta
e esforço. Em outras palavras, cada um haverá de
enfrentar a sua “hora” de sacrifícios e lutas próprias
do caminho.
Reforçando esse entendimento, cabe lembrar a recente
desencarnação de uma garota de 12 anos, ocorrida aqui no
Estado de São Paulo. A última imagem dela viva,
detectada por câmeras de ruas, registrava o seu
despreocupado passeio sobre patins. Dias depois do seu
desaparecimento, o seu corpo inerme foi encontrado. A
causa da morte, segundo os peritos forenses, fora
estrangulamento. O mal praticado por outrem a abatera de
forma fulminante. Mas consideremos que, se o “mal” não
havia sido afastado daquela criança indefesa, é porque o
seu curto plano de vida corpórea assim previa. Habitando
aquele corpinho, cumpre observar, havia um Espírito
milenar certamente com males a expurgar para o seu
completo restabelecimento diante das leis universais. O
autor da tragédia agiu, se é que outros não
participaram, na sua impiedade e falta de compaixão,
como infeliz instrumento de reparação àquela alma.
Recordemos ainda os relatos de inúmeras e consagradas
obras espíritas a respeito dos mártires cristãos
sacrificados nos círculos da Roma antiga. Não estavam
eles ali para dar testemunho do aprendizado de fé e
confiança na providência divina? Foram eles poupados?
Não. Na verdade, nem poderiam, pois a imolação daquelas
criaturas era vital para dar força ao movimento
espiritual nascente.
De modo geral, tais acontecimentos podem ser vistos como
supostamente maléficos, pois é pouco provável que tragam
alegrias e felicidade imediata aos seus protagonistas.
Todavia, se conseguirmos enxergá-los com um olhar mais
ameno, haveremos de entendê-los como testes pontuais e
indispensáveis aos Espíritos. Além disso, devemos também
considerar a advertência de Jesus: “E quem não toma a
sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim”
(Mateus, 10: 38).
Explica Emmanuel que se aspiramos servir sob a direção
de Jesus, devemos rogar-lhe a libertação do mal – que
não raro reside em nós mesmos através de marcas obscuras
que trazemos imantadas ao nosso ser devido à nossa
imprudência –, mas, em hipótese nenhuma, nos afaste dos
lugares de luta – onde há geralmente muitas amarguras e
dor –, de modo a aprendermos, em sua sublime companhia,
“a cooperar na execução da Vontade Celestial, quando,
como e onde for necessário”. Assim considerado, a “cruz”
não será um mal, mas um meio de libertação, de alforria
da alma endividada perante a espiritualidade maior ou
para servir de exemplo a outros que ainda titubeiam no
enfrentamento dos embates.
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