É causado ou despontado?!
Choco de frente com o meu colega de trabalho, temos
opiniões diferentes sobre uma tarefa e ele impõe seu
ponto de vista com toda a arrogância de quem é detentor
da verdade. Rapidamente nasce em mim a raiva,
demonstra-se fisicamente através da sensação que me
envolve o tórax, faz o estômago rodar, o maxilar cerra e
o impulso mental crescente de o atacar verbalmente fica
cada vez mais forte e difícil de suster.
Minha boca mal
se contém, é tão profundo este impulso que parece que
nasce da zona estomacal, deixando sensações de uma
energia em turbilhão que me envolve toda aquela área.
Minha paz desaparece completamente.
Esta é uma situação típica onde nos sentimos atacados e
desperta em nós um impulso de defesa. Neste caso, a
defesa de minha personalidade como bom trabalhador. O
que serve de estímulo para despertar esta situação em
mim é a arrogância do colega, mas poderiam ser muitas
outras situações, o carro que se coloca à minha frente
no trânsito, a pessoa que me atende e está maldisposta,
resumindo, todas as situações que me possam fazer sentir
atacado ou impedido do usufruto, do que penso ser os
meus direitos.
Nós temos uma tendência enorme em ver a situação como
uma só, mas na verdade é composta como uma sucessão de
atos, tal como o teatro é composto por várias cenas e
elas são diferentes umas das outras, embora os
personagens sejam os mesmos.
Vamos dividir em “cenas” o “teatro” acima apresentado no
local de trabalho.
Meu colega, que chamarei de Paulo, tem uma ideia
diferente da minha. Quando se dá conta que não estou de
acordo, permite que seu Ego cresça em orgulho, achando
que é detentor da melhor ideia, faltando-lhe a paciência
indispensável a uma serena discussão. A ideia que é
medida ou julgada pela forma de raciocínio lógico que a
criou, neste caso ele, não poderá parecer errada, quem
analisa foi quem a construiu. É um jogo viciado. Seu
orgulho, que comprova a qualidade da ideia, é o primeiro
inimigo da paciência e ataca-me por ser de uma opinião
diferente.
Na verdade, não me ataca a mim pessoalmente mas por ser
eu a figura que se detém à sua frente nesta situação,
sendo de opinião contrária à dele. Se em vez de mim
fosse outra pessoa, seria de forma diferente?
Esta demonstração de falta de paciência e orgulho dá-se
pela forma mental que ele construiu, ou seja, tem a ver
unicamente com ele, por isso despontar seja com quem for
e nas mais diversas situações onde se sinta atacado.
Os seres calmos como Gandhi, um grande exemplo de amor,
iriam se perder em sentimentos negativos por se sentirem
atacados? Ou será que estes irmãos nem se sentiriam
atacados? Através destes exemplos percebemos claramente
que a resposta que damos às diversas situações é um
culminar de nosso estado mental.
Nesta cena é o Paulo o principal e único Ator, os outros
são aleatórios, e assim podemos concluir a 1ª. Cena.
Na 2ª. Cena, a minha reação.
A minha reação acontece porque meu orgulho desperta em
força pelo ataque que me foi investido. Meu Ego, que
defende a sua imagem a todo o custo, grita pela
sobrevivência desse orgulho “por que que a tua ideia é
melhor que a minha? É fácil ver que a minha é melhor”.
“Quem és tu para me falares arrogantemente”, estas são
apenas algumas das expressões que nos podem nascer na
mente.
Neste ato mudo de mente, passo a ser eu, como tal o
raciocínio lógico é feito com base em um conhecimento
diferente do Paulo, o resultado é a minha ideia, que
logicamente estará certa. Como poderia estar errada?
Quem a analisa foi quem a construiu. Meu orgulho não
permite a análise de mais ninguém que seja de ideia
diferente e une-se hipocritamente a quem a aceita. As
famosas palmadinhas nas costas levando-nos a cair nas
obsessões do orgulho.
Também nesta cena existe um único Ator, Eu, os outros
são aleatórios. Neste caso foi o Paulo e sua arrogância
que serviram de estímulo externo ao despontar do que sou
e da forma que me defendo, mas se fosse outra pessoa a
reação certamente seria a mesma. Defendo-me de tudo e
todos que atacam a imagem que tive tanto trabalho a
construir, apego-me a ela de forma intensa.
Por vezes necessitamos de estímulos externos, como o
Paulo teve o desacordo de minha parte, e eu, a
arrogância do Paulo, mas o que nasce em nós, como a
indignação em ambos os casos, dando origem à impaciência
e ao orgulho, é muito nosso. A nós parece-nos a mesma
coisa, ou uma situação única, mas na verdade é como o
comboio e as carruagens. O comboio arranca e as
carruagens vão atrás, parecendo ser o mesmo veículo,
mas, se olharmos bem, existe uma ligação entre as duas
coisas que pode ser retirada e nos mostra que são
veículos independentes. Amanhã aquela carruagem pode ser
puxada por outro comboio.
Os estímulos externos são o comboio que puxa as nossas
reações como carruagens. Normalmente a indignação nas
experiências negativas que geram todo um conjunto
desagradável de emoções em nós, mas estas são nossas,
embora o orgulho nos faça culpar o outro.
Será possível desatracarmos o comboio da carruagem?
“…Felizes os puros de coração…” porque não serão
“puxados” pela ofensa.
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