Uma possível aparência de Bezerra de
Menezes
Ramiro Gama foi um importante nome da cultura espírita
brasileira no último século. Poeta e professor, Gama foi
um autor profícuo, que escreveu diversos livros que têm
na doutrina kardequiana a sua fonte de inspiração direta.
De sua produção é o já clássico Lindos casos de Chico
Xavier, em que apresenta pitorescos e instrutivos
acontecimentos envolvendo o médium mineiro e sua missão
no campo da mediunidade.
Nessa mesma linha doutrinária de narrativas casuísticas
e biográficas, ele produziu também a obra congênere
intitulada de Lindos casos de Bezerra de Menezes,
que apresenta um perfil da vida do célebre médico
espírita, além de casos extraordinários envolvendo o
nobre missionário cearense da doutrina sistematizada por
Kardec. Um capítulo específico desse trabalho chama a
atenção por uma nota curiosa em torno de Bezerra de
Menezes e sua aparência.
Em suas manifestações espirituais através da
mediunidade, o médico dos pobres – alcunha com que ficou
conhecido no Rio de Janeiro do século 19 – se apresenta
geralmente com uma aparência que se pode inferir como
sendo idosa, seja pela entonação de voz, seja pela
postura que imprime ao médium de que se serve, seja
ainda pelas expressões paternais com que se dirige aos
circunstantes e ao público em geral. No universo virtual
da internet é possível visualizar algumas dessas
manifestações pela psicofonia de Divaldo Franco.
Há, naturalmente, quem questione a forma com que a
veneranda entidade espiritual se apresenta,
imaginando-lhe alquebrado no mundo espiritual, o que
obviamente não pode corresponder à verdade. Que as almas
evoluídas assumem a aparência que lhes apraz e que seja
útil no processo semiótico de comunicação mediúnica é
uma inferência que emerge naturalmente do contexto das
obras kardequianas, além de fontes subsidiárias de
confiança, como é o caso da produção mediúnica de Yvonne
Pereira.
Em Memórias de um suicida, o autor espiritual
descreve a bela aparência clássica de uma entidade
espiritual que não parecia contar trinta anos de idade,
mas que, no entanto, respondia por encargos de
elevadíssima responsabilidade junto à comunidade
espiritual que abrigava fraternalmente as almas que
fugiram da vida física pelas portas do suicídio. Afirma
o autor espiritual que: “[...] o Espírito é independente
de idades, podendo apresentar-se sob o aspecto
fisionômico que lhe for mais grato ao coração como às
recordações”.
No capítulo 101 de Lindos casos de Bezerra de Menezes,
Ramiro Gama traz a informação de que um confrade que
muito admirava Bezerra de Menezes desejava obter a graça
de encontrá-lo em espírito. Assim, viu-se presente em
uma assembleia na Federação Espírita Brasileira em um
processo de desdobramento espiritual. Nas palavras de
Gama:
Em dado momento uma entidade luminosa lhe afaga a cabeça
e o inunda todo de luz suave e tocante. Volta-se e vê à
sua frente um jovem de rara beleza espiritual, com os
cabelos longos e louros, vestidos de luz, “que me sorri
e passa”. E outra entidade, mais atrás, comenta: “Este é
Bezerra de Menezes. Na Terra, o veem de barbas brancas e
avelhantado. Aqui, é diferente, a sua fisionomia
verdadeira é esta, revelando-lhe permanente juventude”.
Ainda em Memórias de um suicida é apresentada uma
instigante descrição de um ambiente de estudos avançados
em que os instrutores espirituais presentes fazem uso da
atribuição de evocarem em seus corpos espirituais as
aparências que mais lhes agradam. Duas das entidades
descritas pelo autor espiritual do livro psicografado
por Yvonne Pereira apresentam fisionomias que remetem à
dupla aparência de Bezerra de Menezes, se levada em
consideração a informação de Ramiro Gama.
Diz o texto do clássico espírita obtido pela mediunidade
iluminada da famosa médium em seu primeiro capítulo da
terceira parte, sob o título de “Mansão da esperança”:
Iniciando-a [a reunião de estudos], exortou-nos à
homenagem mental ao Criador, o que fizemos orando
intimamente, tal como nos fora possível, impelidos,
todavia, por sincero respeito. À sua direita postava-se
um ancião, cujas barbas níveas, descendo até à cintura,
para terminarem em sentido agudo, imprimiam tal aspecto
de venerabilidade à sua personalidade que, emocionados,
julgamo-nos em presença de um daqueles patriarcas que os
livros sagrados nos retratam ou de um faquir indiano
experimentado em virtudes e ciências através das mais
austeras disciplinas. [...] Mais além, um jovem quase
adolescente despertou-nos maior atenção, uma vez que
ocupava outra cátedra de mestre, e não o local reservado
aos adjuntos. Formosíssimo de semblante, de uma feitura
por assim dizer angelical, seu perfil hebreu irradiava
tão impressionante doçura que suporíamos tratar-se antes
de uma aparição de que os livros orientais eram férteis
em mencionar, não fora a realidade insofismável de tudo
quanto nos cercava (PEREIRA, 2018, p. 253.)
Se o espírito sopra onde quer, conforme o texto
evangélico, no mundo espiritual ele o faz, enquanto
individuação, com a aparência que melhor lhe apraz.
Infere-se, naturalmente, que adote aquela que melhor lhe
sintetiza a evolução espiritual, podendo, portanto,
apresentar-se aos irmãos em humanidade encarnada com
aquela aparência que possa identificar-lhe junto ao
imaginário do homem preso ao mundo das formas.
Parece ser essa, sem dúvida, a condição do venerando
apóstolo espírita Adolfo Bezerra de Menezes, cuja vida
de dedicação ao próximo evoca as palavras dos Espíritos
a Kardec de que mais de um dos antigos apóstolos
reviveriam para através do exemplo trazer de volta a
mensagem do evangelho crístico.
|