Aparecimento da União
Espírita Francesa
Oportuna publicação digital
foi editada por Autores Espíritas Clássicos reunindo os discursos e decisões
registradas nas Atas das reuniões ocorridas entre 24 de dezembro de 1882 e 15 de
janeiro de 1883, relacionadas com a fundação da Union Spirite Française.(1)
A apresentação é de Alexandre Delanne, o grande amigo de Allan Kardec, que
comentou: “Os princípios de nossa filosofia foram reunidos, como vós o sabeis,
em corpo de doutrina por nosso mestre que nos faz muita falta, Allan Kardec: foi
preciso seu gênio e a cooperação do mundo invisível para espalhar-se tanto e tão
rápido, nas massas, nossas ideias tão justas, tão consoladoras e tão grandes.
Sua partida da terra foi uma perda bem sensível para seus adeptos e um grande
prejuízo no desenvolvimento de nossa doutrina. Desde sua morte, com efeito, o
espiritismo, nós o constatamos, diminuiu sua marcha.” E cita como causa a guerra
franco-prussiana e a dispersão dos espíritas, perdendo a “unidade no estudo”.(1)Marcantes
discursos foram feitos por Gabriel Delanne e por Léon Denis, este com apelo
caloroso à união e à concórdia.
O Estatuto da União Espírita Francesa define em seu Artigo 1.o:
“A união tem por objetivo o agrupamento de espíritas franceses, o estudo de
todos os fenômenos espíritas, e a propagação da filosofia e da moral do
espiritismo por todos os meios que as leis autorizam, e principalmente pela
publicação de um jornal bimensal tendo por título: Le Spiritisme órgão da
União Espírita Francesa.” A nova revista objetiva o ensino “conforme às ideias
enunciadas por Allan Kardec, isto é simples, claro, e principalmente ao alcance
dos novos adeptos, que não demandam senão a conhecer os costumes do mundo dos
espíritos, a grande pátria a que nós devemos rever.”(1)
Treze anos após a desencarnação do Codificador, a publicação sobre a União
Espírita Francesa registra momentos históricos sobre um ambiente de dissenção e
de preocupações com a situação do Espiritismo. A fundação desta União foi reação
às deturpações influenciadas por Leymarie junto à Sociedade Anônima para a
Continuação das Obras Espíritas de Allan Kardec e à Revista espírita.
Da relação de 18 fundadores destacamos: Alexandre Delanne, Gabriel Delanne, Léon
Denis, Berthé Froppo. Há grande número de assinaturas como membros da União e
assinantes da nova revista. O apoio de Amélie Boudet, já nos últimos momentos de
sua existência física, e o comprometimento dos fundadores da União Espírita
Francesa, evidenciam que os genuínos amigos e seguidores de Allan Kardec eram
idealistas e fiéis à sua obra.
Como uma síntese das últimas e complexas décadas do século XIX, foram reunidos
artigos da época, da Revue Spirite e de Le Spiritisme, na
publicação intitulada “Influenciações no espiritismo pós-Allan Kardec”, com
tradução de Rogério Miguez (2018) (7).
Destacam-se textos de Henri Sausse, Berthe Fropo, Amélie Boudet, Gabriel Delanne,
Léon Denis, Anna Blackwell, que tomaram a frente na defesa da Doutrina dos
Espíritos. O tradutor ressalta “os informes de Henri Sausse e Berthe Fropo,
quando desafiaram Pierre Leymarie a buscar a verdade sob a chancela de um Júri
de Honra, que, ao que tudo indica, não foi aceito. Pois, quem está seguro do que
diz, não teme ir à justiça do homem para esclarecer os fatos, se preciso for,
porquanto, a de Deus se fará inexoravelmente, mas com brandura e misericórdia.”(2)
O tradutor Miguez pondera que “de modo algum pretendemos julgar Pierre Leymarie,
pois este julgamento pertence a Deus, nada obstante: informar o movimento sobre
discussões antigas que interessam a todos; demonstrar como há uma dúvida
consistente sobre quem fez alterações em A gênese; construir uma parte da
História do Espiritismo, destacando personagens antigas que permaneciam na
obscuridade e que tiveram capital importância no desenvolvimento e divulgação da
Doutrina; e mais, despertar a curiosidade dos espíritas em saber quantas
dificuldades surgiram após o desencarne de Allan Kardec, será sempre oportuno,
saudável e recomendado àqueles procurando apenas a verdade e nada mais.”(2)
Em 1889 Paris sedia o 2º.
Congresso Espírita e Espiritualista (3),
no ano seguinte ao do pioneiro evento realizado em Barcelona. A publicação das
Atas do Congresso de Paris registra que este reuniu “as principais escolas
espiritualistas: os Kardecistas, os adeptos de Swedenborg, os Teosofistas, os
Cabalistas e os Rosacruzes.” Houve a presença de muitas celebridades. A sessão
inaugural foi presidida por J. Lermina, assistido pelo filósofo Charles Fauvety,
pela duquesa de Pomar, Marcus de Veze e Eugène Nus. O relator dos trabalhos era
Dr. Encausse (Papus), um ocultista, dirigente da revista hermética A
iniciação. Havia Comissões sobre o espiritualismo em geral, filosofia e
questões sociais, ocultismo, propaganda. Esta última era presidida por Léon
Denis, que logo despertou a atenção dos congressistas e seu primeiro discurso
foi entrecortado de aplausos e já se revelava como um líder.(3)(4)
Nesse Congresso ocorreram fortes desentendimentos sobre certos pontos da
Doutrina Espírita, inclusive com interferências de Leymarie. Durante as
discussões Denis apareceu como o mais seguro defensor da tese kardecista. O
presidente do Congresso havia aceitado essa tese com restrição, pois a
considerava apenas uma hipótese de transição entre o conceito cristão e o do
futuro. Contrapondo-se ao presidente, referindo-se às pequenas escolas
dissidentes, que já criticavam a obra de Allan Kardec, Denis afirmou: “Tem-se
esforçado, dizia ele, por divulgar, na França, um Espiritismo chamado
positivista, uma doutrina seca e fria nada tendo de comum com o Kardecismo.
[...] Allan Kardec tem sido, dizem, muito cauteloso e deu motivo em sua obra
para as ideias místicas e católicas. Não é exato. O Mestre defendeu o
Cristianismo e não o Catolicismo. Allan Kardec manteve a moral evangélica porque
ela não é somente a moral de uma religião, de um povo, de uma raça, mas porque é
uma moral superior, eterna, que ela reconstruiu e haverá de reconstruir tanto as
sociedades terrenas como as sociedades do Espaço.”(4)
A Revue Spirite informa o lançamento de A gênese, em 2018,
conforme a 1.a edição de 1868, e comenta: “Nesta ocasião, vários pesquisadores
espíritas de todo o mundo (Uruguai, Argentina, Colômbia, Brasil, Estados Unidos
e França) realizaram pesquisas sobre o assunto, às vezes independentemente uns
dos outros, e todos eles estabeleceram que há uma dúvida legítima sobre a
presente edição de A gênese, que está em conformidade com a 5.a edição
publicada em 1872, que é depois da desencarnação de Allan Kardec”(5)(tradução
livre do autor). E divulga: “A gênese, elaborada por Le Mouvement
Spirite Francophone, feita conforme os textos das quatro primeiras edições,
publicadas durante a vida do autor”; ou seja as edições feitas por Allan Kardec
em 1868. Esta revista francofônica transcreve um capítulo do livro de Simoni
Privato Goidanich(6)vertido
para o francês. A Revue Spirite é uma continuação da Revista fundada
por Allan Kardec em 1858, sendo órgão oficial do Conselho Espírita Internacional
editada por Le Mouvement Spirite Francophone.
Na “Nota do Editor” da nova edição francesa de A gênese, comenta-se que
“a análise das modificações mostram que numerosas passagens foram suprimidas na
5.a edição, outras modificadas...”(7)
Alguns fatos referentes aos 20 anos subsequentes à desencarnação de Allan Kardec
já apontam momentos complexos vividos pelo Espiritismo na França e suas
repercussões em vários países, e, que devem merecer reflexões em nossos dias.
Referências:
1) Fundação
da União Espírita Francesa.
Trad. Ferreira Filho, Abílio. Ed. digital Autores Espíritas Clássicos, 2018: clique
aqui
2) Influenciações
no espiritismo pós-Allan Kardec – Artigos de Revue Spirite e Le
spiritisme. Trad. Miguez, Rogério. Ed. digital Autores Espíritas Clássicos,
2018: clique
neste link
3) Compte
rendu du Congres Spirite et Spiritualiste Internacional. Paris:
Librairie Spirite. 1890. 454p: veja
aqui
4) Luce,
Gaston. Trad. Maillet, Miguel. Vida e obra de Léon Denis. São Paulo:
Edicel. 1968. 240p.
5) Nouvelle
édition de la Genèse selon le spiritisme. Revue
Spirite. 161e année. 1èmetrimestre 2018. P. 36-42.
6) Goidanich,
Simoni Privato. O
legado de Allan Kardec. 1.ed.
São Paulo: USE. 2018. 446p.
7) Kardec,
Allan. La Genèse, les miracles et les prédictions selon le spiritisme. 1.ed. Le
Mouvement Spirite Francophone. 2018. 368p.
Antonio Cesar Perri de Carvalho foi presidente da FEB e membro da Comissão
Executiva do Conselho Espírita Internacional.