O exercício da paciência
Chama-nos a atenção, nas passagens evangélicas, o
momento em que Jesus literalmente perde a paciência.
Refiro-me ao relato de João: “E achou no templo os
que vendiam bois, e ovelhas, e pombos, e os cambiadores
assentados. E tendo feito um azorrague de cordéis,
lançou todos fora do templo, também os bois e ovelhas; e
espalhou o dinheiro dos cambiadores, e derribou as mesas”
(2: 14-15).
Tal fato é inusitado na sublime figura de Jesus, pois
foge completamente à descrição comportamental que temos
dele. Ou seja, o Mestre é sempre retratado como um
personagem dotado de inigualável paciência e
compreensão, assim como exemplo máximo de perfeição
(ver, a propósito, a questão nº 625 de O Livro
dos Espíritos), de candura e entendimento das
fraquezas humanas. Todavia, naquela passagem até
ele chegou, aparentemente, a perder as estribeiras
diante da incomensurável hipocrisia humana.
Ao que parece também ele teve um instante de “fúria e
indignação”. Em razão disso, sou levado a inferir que
talvez não haja virtude mais exigida de nós do que a
paciência. Vivendo num orbe profundamente atrasado no
aspecto moral, somos convocados a exercê-la todos os
dias das nossas vidas. Não é de surpreender tal
imperativo, dada a excessiva imperfeição que permeia
todos os ambientes. No entanto, mais grave do que as
estruturas e sistemas altamente deficientes, é o caráter
humano. Nesse sentido, a hipocrisia tem posição de
destaque no rol das falhas e fraquezas dos indivíduos.
Imagino que advenha daí o considerável desafio para
termos uma vida menos complicada sob todos os aspectos e
sentidos. Afinal de contas, os hipócritas estão por toda
parte buscando – intensamente – prejudicar e/ou
atrapalhar a trajetória dos seus semelhantes; são
mestres em criar obstáculos, dissabores e aflições
desnecessárias pelo caminho, e parece que sentem muito
prazer nessa nefanda tarefa.
Lidar com eles requer, obviamente, substancial
paciência, ou seja, algo que, às vezes, não dispomos na
medida exata por vários motivos. Em determinadas
ocasiões, lá estão eles tirando vantagem da boa-fé
humana, “criando problemas” de toda ordem “para vender
facilidades”, e, por extensão, tornando a nossa jornada
mais áspera. Tais criaturas assemelham-se, em sua
conduta desequilibrada, às aves de rapina. Com efeito,
elas tentam, de todas as maneiras possíveis, sugar as
energias das suas pobres vítimas.
Em outras, postam-se como arautos da verdade e do
conhecimento absoluto. Circunstancialmente, Deus os
coloca em posições estratégicas para melhor avaliá-los.
No meio acadêmico, por exemplo, há muitos pseudossábios
fortemente engajados no mister de achar defeitos onde
eles não existem. São indivíduos, via de regra, muito
orgulhosos, geralmente portadores de títulos
espaventosos, atuando como editores ou revisores de
publicações científicas, ávidos por mostrar “serviço” às
hostes do conhecimento humano. Mas devido à sua
intransigência e estreita visão obstam o passo do
progresso, impedindo que certas ideias ou temas venham à
tona e prejudiquem o seu particular reduto de saber.
Mas há outros que exercem o seu mando com mão de ferro.
Temem, na sua imensa pobreza de espírito, serem alijados
do poder, e, assim, se apegam à “letra morta” e não “ao
espírito da letra”. São muito conhecidos pelo seu
intenso labor a favor da burocracia e da ineficiência,
especialmente nas repartições públicas. Sem ter a
pretensão de esgotar todas as particularidades do
assunto, pode-se afirmar que o hipócrita, de modo geral,
tem uma conduta repulsiva.
Por isso, às vezes perdemos a paciência com eles. O
único aspecto positivo em nossa relação/contato com eles
é a nossa necessidade de exercitar a virtude da
paciência. Eles estão basicamente em nosso caminho para
essa finalidade – nada mais, nada menos.
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