Infância e experiências afetivas
Helena Kolody me avisa: Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem vê-la.
Considerei, faz muitos anos, que, no lugar da escola,
alunos deveriam passar primeiro por uma cozinha e uma
horta ou um pomar. Os cozinheiros e suas hortas e seus
pomares podem dar lições importantes às crianças.
Na minha infância, vez por outra, minha família e eu
visitávamos uma parente distante do meu pai. Embora de
poucas palavras, vestidos discretos, voz das velhas
damas, suas atitudes eram divertidas e criativas (e seu
cachorro marrom, adorável).
Não admitia, por exemplo, que uma criança comesse uma
comida que não fosse feita na hora. Mas antes de mexer
com as panelas, pegava na mão da criança mais nova e nos
conduzia em fila para a horta, aquele mundo vivo de
agrião, rúcula, azedinha, cenoura, tomate, alface,
abóbora, tomilho, capim-limão…, convidando-nos, com
atenção, a colher apenas as hortaliças que seriam
consumidas no instante da refeição. Eu e meus irmãos,
movidos pelo desejo e o entusiasmo, corríamos em direção
aos canteiros e o momento da colheita era uma
experiência muito feliz. E eu me lembro que, voltando
para casa, essa parente ia nos explicando com paciência
o nome e as propriedades de cada coisa, provocando
informação e fome em nossos corpos infantis.
Eu era menina. Na fazenda do meu avô havia um pomar
enorme. Pois acontecia uma árvore cobrir-se de amoras
brilhantes. A simples visão daquelas frutinhas incitava
minha fome e, de um jeito ou de outro, eu convencia meus
irmãos a passarmos um longo pedaço da tarde pertinho
daquela árvore, brincando e comendo. Suspeito, hoje, que
meu amor pela botânica foi despertado por essas
primeiras amoras. Da vivência lúdica na horta e no pomar
incorporei meu respeito pela natureza, meu conhecimento
sobre estações e consciência ecológica, sem esquecer as
lições importantes sobre cooperação e desapego…
De todos os modos, na infância, toda experiência de
aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva.
Porque aprender está implicado com afeto, que motiva o
desejo, a atenção, e permite cada ser humano aflorar
qualidades e talentos. Por isso afeto, do latim affetare,
significa ir atrás, pondo corpo e mente guiados pela
atenção curiosa e, com isso, a criança desenvolver-se
com (mais) plenitude para, no tempo devido, saber fazer
alegremente e servir bem à sociedade.
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