Em março de 1933 Chico Xavier se despediu de José Álvaro
Santos e, sozinho, tomou o rumo da Central do Brasil.
Enquanto esperava o trem para Pedro Leopoldo, foi
surpreendido por dois amigos de seu ex-anfitrião.
Traziam uma ótima notícia: ele estava empregado. O rapaz
se lembrou do pai, da pobreza, dos irmãos e sentiu
vontade de abraçar os dois. Quase chegou à euforia
quando ouviu as outras boas novas: teria os estudos
pagos no melhor colégio da cidade e ainda receberia
dinheiro extra para ajudar em casa. Havia apenas uma
condição: Chico deveria assumir a autoria de Parnaso
de Além-Túmuloe negar a existência dos espíritos
durante duas palestras, uma no auditório da Escola
Normal e outra no Teatro Municipal.
O rapaz murchou. Mas ainda teve fôlego para reagir:
- Não posso mentir para mim mesmo. Ouço a voz de minha mãe,
escrevo poemas que não são meus. Como posso renegar a verdade?
- Chico, você conhece um passarinho chamado sofrê? Não? O sofrê
é um pássaro que imita os outros. Você nasceu com a vocação
desse passarinho entre os poetas. Não acredite em espíritos.
Esses poemas que você julga psicografar são seus, somente seus.
Nesse momento, Emmanuel apareceu com um de seus trocadilhos: -
Sim, volte a Pedro Leopoldo e procuremos trabalhar. Você não é
um sofrê, mas precisa sofrer para aprender.
O rapaz voltou para casa e foi recebido por um pai inconformado.
João Cândido encheu a boca para chamar o filho de ingrato. Chico
já esperava aquela reação. Correu para o armazém de José
Felizardo Sobrinho, refugiou-se atrás do balcão e sentiu até
certo entusiasmo em cortar toucinho para os fregueses e varrer o
chão. Estava se sentindo tão à vontade na cidade natal que no
dia 23 de setembro daquele ano, às 21h, assinou, como
Primeiro-Secretário, a ata de posse da primeira diretoria do
Pedro Leopoldo Futebol Clube.
Parecia até um jovem comum. Quem sabe um dia entrasse em campo e
marcasse um gol? Quem sabe chegasse a um bar e pedisse uma
cerveja bem gelada ou convidasse uma moça para o cinema?
Não. Chico tinha mais o que fazer. Nas noites de segunda e
sexta-feira, ele colocava O Evangelho segundo o Espiritismo,
de Allan Kardec, embaixo do braço e ia para o Centro Luiz
Gonzaga. Seguia à risca uma instrução ditada por Emmanuel:
fidelidade irrestrita a Jesus Cristo e a Kardec, o codificador
da doutrina espírita.
O guia do outro mundo levava tão a sério este mandamento que um
dia chegou a determinar a Chico: - Se alguma vez eu lhe der
algum conselho que não esteja de acordo com Jesus e Kardec,
fique do lado deles e procure me esquecer.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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