A ideia de Deus
Parte 1 - Impossível não acreditar
Deus existe, afinal? Começo este meu artigo com uma
pergunta que pode parecer de simples retórica, já que a
intenção é desenvolver um raciocínio, à luz da Doutrina
Espírita, que não teria qualquer validade ou importância
se partíssemos do pressuposto de que Deus não existe.
No entanto, poderemos, simplesmente, partir de um
princípio e aceitar dogmaticamente toda e qualquer
conclusão? Ensinam-nos os Espíritos que só é verdadeira
uma Fé raciocinada, a que passa sem defeitos pelo crivo
da razão. Só essa é consistente e duradoira. De outro
modo, qualquer sopro do vento das marés e das modas a
destrói, como poeira que se dispersa com a mais leve
brisa.
Tudo está bem enquanto o Deus em que julgamos acreditar
“joga” a nosso favor. Quando a tempestade desaba nas
nossas vidas, tudo desmorona e Deus passa a não existir,
já que deixa de servir os nossos interesses.
Lamentavelmente, as sociedades atuais têm descambado
cada vez mais para um aparente ateísmo, a par de um
agnosticismo, que parece alastrar-se sem limites. Não
podemos estranhar que assim seja. Precisamente, porque
durante séculos foi imposta a tal fé dogmática, que não
admitia dúvidas, e muito menos, discussões, à medida que
a inteligência humana se foi desenvolvendo, e habituando
à reflexão, o Homem deixou de aceitar cegamente um Deus
que não entendia e dogmas que lhe começaram a parecer
contraditórios, absurdos e incongruentes.
O Deus que nos foi imposto durante tanto tempo deixou de
nos interessar porque deixou de ter relação com o Ser
Bom, Justo, Misericordioso, Sábio, Perfeito, que nos
diziam ser, quando, por outro lado, tinha reações e
atitudes injustas (segundo a nossa visão imediata),
prepotentes, discriminatórias, vingativas, até mesmo
cruéis.
Pena foi que, em vez de fazermos apelo a essa capacidade
de reflexão que a inteligência cada vez mais
desenvolvida nos oferece como recurso, em vez de
empreendermos a busca por esse Deus de Amor e Sabedoria,
desistimos de procurar e afastamo-nos do caminho que nos
poderia levar até Ele.
Esse afastamento do verdadeiro Deus tem dificultado
enormemente o avanço da Humanidade, fez a Terra perder
imenso tempo, que só não é irremediável porque, na Sua
Infinita Sabedoria e Misericórdia, Ele, esse Deus que
desistimos de procurar, dá-nos sempre novas
oportunidades de levantar e retomar o caminho. Porque
Ele criou-nos para a felicidade. Nós desistimos Dele mas
Ele não desiste de nós. No entanto, o que poderíamos
alcançar através do Amor, que se consegue pelo
entendimento e ajuste às suas Leis, acabaremos por obter
apenas à custa da dor, de sacrifícios, do sofrimento.
Mas, afinal, onde procurar esse Deus de Amor e Sabedoria
Infinita? Tal como disse Jesus, “O maior cego é aquele
que se recusa a ver”. Allan Kardec e os Espíritos que o
assistiram na construção de O Livro dos Espíritos,
sublime obra que deu início à Codificação da Doutrina,
esclarecem-nos: “Não há efeito sem causa. Procurai a
causa de tudo o que não é obra do homem, e vossa razão
vos responderá”. E acrescentam: “Para crer em
Deus é suficiente lançar os olhos às obras da Criação. O
Universo existe; ele tem, portanto, uma causa. Duvidar
da existência de Deus seria negar que todo o efeito tem
uma causa, e avançar que o nada pode fazer alguma
coisa” (O Livro dos Espíritos, As Causas Primárias,
Provas da Existência de Deus, questão 4.)
Não havendo efeito sem causa, conhecemos Deus através
das Suas obras. Olhar em redor e refletir é o que tanto
nos temos esquecido de fazer. Do alto do nosso orgulho,
julgamo-nos senhores e donos do Universo, e rejeitamos a
ideia de que algo ou alguém terá forçosamente de estar
acima de nós, seres pequeninos e frágeis, incapazes de
ter criado, apesar de toda a inteligência de que nos
orgulhamos, a grande maioria das grandes como das
pequenas coisas que os nossos olhos veem, os nossos
ouvidos ouvem, os nossos instrumentos científicos
captam, a nossa intuição antevê. Nada controlamos, mas
achamos que sim, e daí ao descontrole que a sociedade
hoje apresenta, foi preciso muito pouco.
As religiões falharam. Com isto não quero acusar nem
ferir seja quem for. Muito pelo contrário. Sabendo, como
sei, que sou o produto de uma longa caminhada pelos
séculos e milênios, a minha razão diz-me que compactuei,
saberá Deus quantas vezes, com os erros que levaram a
Humanidade terrena à situação de descrédito num Deus que
não entende e rejeita. Tenho, forçosamente, de dar a mão
à palmatória. Se estivesse isenta de culpas, estaria
noutro nível existencial, em mundos felizes e mais
avançados. Não é o caso. Quando digo, com todo o
respeito, que as religiões falharam com os seus dogmas
absurdos, encobrimentos, deturpações e recriminações,
não favorecendo o esclarecimento e a fé raciocinada,
quero dizer que nós falhámos; eu falhei.
A ciência, fruto da evolução do conhecimento e da
intelectualidade, que poderia ser uma grande mais-valia,
também está em falha. Os estudiosos e investigadores,
com todas as maravilhosas descobertas que se vão fazendo
nos dias que correm, deveriam ser os primeiros a
reconhecer a grandeza da Criação e a Infinitude dessa Causa
Primáriaque, forçosamente, terá de estar na origem
do Universo. Tomando a obra pelo Criador, vão,
erroneamente, concluindo que o Universo é fruto de leis
que (vá-se lá saber de que forma!) se criaram sozinhas.
Tentam explicar o inexplicável e não avançam nas
respostas que procuram.
Um destes dias, concluí a leitura de uma interessante
obra literária (não espírita) de um escritor
norte-americano, em que ele apresenta uma personagem, um
cientista, que dedica toda a sua vida à difícil e
dolorosa missão de provar a inexistência de Deus e a não
necessidade Dele para explicar o Universo e a Vida.
Tarefa árdua e infrutífera, a dessa personagem que,
sendo fictícia, pode bem representar um sem-número de
cientistas de todos os tempos. Vai, ao longo do livro,
apresentando os seus estudos e argumentos, concluindo
com a “brilhante” conclusão de que não necessitamos de
qualquer tipo de divindade, já que o Universo se rege
por leis e códigos (o genético, por exemplo) que tudo
criam e tudo explicam. Julga ele, então, que deu o golpe
de machado na ideia de Deus e nas religiões,
sentindo-se, orgulhosamente, com a suprema capacidade de
alterar o mundo e a ordem estabelecida, prestes a lançar
o caos com a sua descoberta. A minha pergunta, ao longo
de todo o desenrolar das cenas do livro, acaba o autor
por fazê-la também: Se tudo se explica através de leis e
códigos, quem ou o que está por trás dessas leis
e códigos, que são, na realidade, prova irrefutável de
intencionalidade e inteligência?
Concluí a leitura do referido livro com um sorriso. Por
mais que os cientistas andem e lutem, não conseguem
contradizer um fato: todo o efeito inteligente tem de
ter uma causa ainda mais inteligente. É assim em toda a
Natureza. É assim em todo o Universo. Onde pensam
encontrar argumentos para destruir a ideia de Deus, e
por mais que seja essa a sua intenção, acabam por ainda
acrescentar mais provas de que Deus tem de existir. Não
há como descrer.
Temos, aliás, a intuição da sua existência, desde os
tempos mais remotos, desde os primórdios da evolução
humana na Terra. É natural que assim seja, uma vez que
somos emanações do Seu Amor e da Sua Vontade. Só o
orgulho e a vaidade humana nos afastam daquilo que a
razão dita e o coração sente.
Basta apreciar as maravilhas do Universo, as conhecidas
da ciência terrena, já que não abarcamos a totalidade de
toda a grandeza e infinitude, muito para além do planeta
que habitamos. Basta lançar um olhar atento pelo
esplendor da Natureza deste cantinho que é a Terra.
Desde as maiores, às mais pequenas, na sua grandeza ou
na sua singeleza e humildade, percebemos um equilíbrio,
uma harmonia, uma beleza, que patenteia bem um ato de
louvor a Deus como Causa Primária de todas as coisas, de
Inteligência e Sabedoria Infinitas.
Sem esquecer as obras da Codificação, que qualquer
espírita deve ler e estudar, porque são a base
doutrinária segura para o esclarecimento, temos ao nosso
dispor uma vasta panóplia de obras subsidiárias, que nos
ensinam a ver e louvar Deus na Vida e na Natureza. De
entre os grandes autores, gostaria de destacar Léon
Denis, conterrâneo de Allan Kardec, cuja obra aconselho
vivamente. O Grande Enigma, em especial, faz uma
incursão pelo modo como vemos Deus na harmonia do
Universo e da Natureza terrena. Quando atento na maneira
tão bela como Léon Denis diz perceber Deus no mar e nas
montanhas de França, seu país natal, no som dos
pássaros, na simplicidade das flores, na grandiosidade
das florestas, sinto-me identificada com a minha visão
de Deus no mar e nas montanhas de Portugal, nos seus
campos e florestas, como qualquer brasileiro, ou cidadão
de qualquer outro país, também poderá sentir-se
identificado com as mais belas paisagens da sua terra
natal, e aí perceber os sinais de Deus.
Sem dogmas. Sem imposições. Sem fé cega. Apenas com
olhos de ver e apreciar o que é belo, harmonioso,
equilibrado. Com olhos de ver, coração capaz de sentir (ideia
intuitiva de Deus) e inteligência capaz de discernir (Fé
raciocinada).
Se Deus existe, afinal? De quantas mais provas
precisaremos? Impossível não acreditar.
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