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por Vladimir Polízio

 
O topo da escada


Ano Novo, vida nova.

Esse marco representa no calendário terreno mais uma alvorada em nossa turbulenta e penosa existência.

Se é aguardado por muitos, com preparativos sonhados durante o ano todo e promessas infindas a começar na nova etapa, nem tanto o é por outros, cujos corações amargurados pela saudade esperam com intensa expectativa a acomodação da efervescência social, porquanto o final é só uma questão de dias. Depois, tudo estará terminado...

Se por um lado destaca-se a alegria das comemorações, com explícita manifestação estampada no rosto, aqueles outros que estão envolvidos no manto da tristeza afastam-se do burburinho e recolhem-se em silêncio.

E foi num desses instantes, em que o mundo todo vibrava com a chegada do novo ano, que conversei sobre o assunto em certa reunião familiar, e alguém com longa estrada percorrida, cabelos embranquecidos e voz cansada, lembrou: − “Veja” − disse – “comecei fazendo uma relação e já está deste tamanho! Quantos já partiram, meu Deus, e quantos chegaram!” – e mostrou-me com mão trêmula, extensa relação de nomes.

Foi então que vi, nessa listagem, o registro de pessoas conhecidas, amigas, parentes e, inclusive, consanguíneos íntimos do meu interlocutor.

Por alguns instantes, o silêncio se fez presente.

Enquanto meus olhos percorriam aquele pedaço de papel escrito a lápis, os pensamentos divagavam, buscando no infinito também reunir a minha relação nominal. Certamente, desliguei-me daquele fraterno ambiente, reunindo os fragmentos de saudade que estavam adormecidos em meu subconsciente..., e fui longe.                                     

De fato, quantos já não me antecederam de retorno à morada eterna!...

Quanto aos mais velhos, por uma questão biológica, teriam mesmo que partir primeiro. Na medida que fôssemos avançando no tempo, os que estavam à nossa frente cederiam seus lugares e nós iríamos, aos poucos, assumindo os postos que lhes pertenciam. Em poucos anos, os mais velhos não seriam mais os nossos avós a ocupar o topo da escada, mas, sim, nós próprios. Um dia estivemos entre os mais jovens. Hoje... é a vida. Essa escada teria um dia que chegar ao fim.

Mas, quando são os mais novos que se despedem para uma viagem sem retorno, como era o caso daquele lar em que eu me encontrava, não me pareceu razoável pensar em alegria com o coração ainda sangrando.

Ao terminar a leitura, erguer a cabeça e voltar o olhar para o lado, sem, contudo, fixar em ponto algum em razão do turbilhão que se instalara, fui percebido nesse gesto e a voz do anfitrião, em volume suave e entrecortada, disse-me: − “Não é fácil para ninguém perder alguém da família; da família íntima onde o amor impera! Sei que devo cumprir minha tarefa, percorrer minha estrada e carregar o meu fardo, em que pese a ausência e a falta que me faz o apoio que eu tinha do meu amado e único filho!”.

Com um longo suspiro, compreendi a exposição que me fora feita; a atmosfera de tristeza que eu ali conhecera não era sem razão.

Levantei-me, abracei-o comovido e beijei-lhe o rosto.

Não pude lhe dizer nada, porque a voz enroscou-se em minha garganta e não consegui pronunciar uma palavra sequer.

Eu também, na condição de pai, encontrava-me envolvido nas mesmas circunstâncias e com os mesmos sentimentos de dor a pesar-me no coração.
 


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita