As visitas do outro mundo começaram a se identificar a
partir de 1931. Uma tarde, Chico Xavier regava os
canteiros de alho na horta de José Felizardo, quando uma
voz lhe pediu que ouvisse com atenção um poema inédito:
"Vozes de uma Sombra". O dono da voz e dos versos se
anunciou como Augusto dos Anjos. E começou a lançar no
ar palavras insólitas.
"Donde venho?
Das eras remotíssimas
Das substâncias elementaríssimas
Emergindo das cósmicas matérias".
Chico ouvia, regava o alho e perdia o fio da meada.
"Venho dos invisíveis protozoários
Da confusão dos seres embrionários
Das células primevas, das bactérias..."
A voz pedia toda a atenção. Precisava recitar os versos naquele
momento, durante o entardecer, e naquele cenário. Tudo o
inspirava. Chico deveria ouvir as palavras, familiarizar-se com
elas e decifrá-las para mais tarde colocar as rimas no papel sem
dificuldade.
Corpos multiformes, vultoso abdômen, intensas torpitudes, larvas
rudes, animáculo medonho, fótons, galáxias. O rapaz tropeçava
nas sílabas e nos significados daquele palavrório. E, com o
regador a tiracolo, parecia um imenso ponto de interrogação. O
poeta invisível perdeu a paciência com a dificuldade do matuto
de Pedro Leopoldo em entender os versos e entregou-se a Deus:
- Quer saber de uma coisa? Vou escrever o que puder, pois sua
cabeça não aguenta mesmo.
O poema foi destaque do primeiro livro publicado por Chico
Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, ao lado de outros 56
atribuídos a catorze poetas, todos enterrados.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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