Especial

por Rogério Coelho

Da extemporaneidade dos ensinos (Parte 1)

 

Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas presentemente não as podeis suportar


“(...) Ouvireis com os vossos ouvidos e nada entendereis; olhareis com os vossos olhos e nada vereis." 
Jesus.  (Mt., 13:13).


Em certas ocasiões, até mesmo o Colégio Apostólico ficava desnorteado com as palavras de Jesus; haja vista, por exemplo, quando Ele fez referências aos acontecimentos que  se  dariam em Jerusalém por ocasião do encerramento  de  Sua missão.

Eis o registro da  perplexidade[1]"mas  eles  nada compreenderam  de tudo isso; aquela linguagem lhes era  oculta  e não entenderam o que Ele lhes dizia”.

Só mais tarde, após a concretização dos fatos é que se lhes aclarou o entendimento.  Seria extemporânea a compreensão antes deles. Assim, tudo obedece a uma determinação lógica, sequencial, coerente, ordeira,  para  que etapas não sejam queimadas. Daí o esclarecimento das coisas, que ainda ignoramos ser  ministrado em  suaves  e  oportunas  doses homeopáticas. A luz em demasia cega. Dá-se o mesmo com as revelações dos Espíritos. Elas obedecem a um regime  de oportunidade,  segundo nossa capacidade de  assimilação.  Jesus que sabia das coisas, anunciou[2]:"tenho ainda muitas coisas a dizer-vos,  mas, presentemente não as podeis suportar”.

Por outro lado, esclarece o mestre lionês[3]: "este enunciado - não há contestar - é um dos mais importantes, do ponto  de vista  religioso,   porquanto comprova,  sem a possibilidade do menor equívoco, que  Jesus  não disse  tudo o que tinha a dizer, pela razão de que não O teriam compreendido  nem mesmo Seus apóstolos, visto que a eles é que  o Mestre  Se dirigia. Se lhes houvesse dado instruções  secretas, os Evangelhos fariam referências a tais instruções. Ora,  desde que Ele não disse tudo a Seus apóstolos, os sucessores destes não terão podido saber mais do que eles, com relação ao que foi dito; ter-se-ão possivelmente enganado, quanto ao sentido das  palavras do  Senhor  ou  dado interpretação falsa  aos  Seus  pensamentos, muitas  vezes velados sob a forma de parábolas. As religiões que se fundaram  com base no  Evangelho  não  podem,   pois,   dizer-se possuidoras  de  toda a verdade, porquanto Ele,  (Jesus),  reservou para Si a complementação ulterior de Seus pensamentos. O princípio da imutabilidade, em que elas se firmam, constitui um  desmentido às próprias palavras de Jesus.

Sob o nome de Consolador e de Espírito de Verdade, Jesus anunciou a vinda daquele que  havia  de  ensinar todas  as  coisas  e de lembrar o que Ele  dissera. Logo, não estava completo o Seu ensino. E, ao demais, prevê não só que ficaria esquecido, como também que seria desvirtuado o  que  por Ele fora dito, visto que o Espírito de Verdade viria tudo lembrar e, de combinação com Elias, restabelecer todas as coisas, isto é, pô-las de acordo com o verdadeiro pensamento de Seus ensinos.

Quando terá de vir esse novo revelador?  É evidente que se, na época em que Jesus falava os homens não se achavam em estado de compreender as coisas  que  lhes restavam dizer,  não seria em alguns anos apenas que poderiam adquirir  as luzes necessárias a entendê-las. Para a inteligência de certas partes do Evangelho, excluídos os preceitos  morais,  faziam-se mister conhecimentos que só o progresso das ciências facultaria e que  tinham  de  ser obra do tempo e de  muitas  gerações. Se, portanto, o novo Messias tivesse vindo pouco depois do Cristo, houvera  encontrado  o terreno ainda nas mesmas condições  e  não teria feito mais do que o mesmo Cristo.  Ora, desde aquela época até os nossos dias, nenhuma grande revelação se produziu que haja completado o Evangelho e elucidado suas partes obscuras, indício seguro de que o Enviado ainda não aparecera.

Qual deverá ser esse Enviado? Dizendo: "pedirei  a  meu Pai e Ele vos enviará outro  Consolador",  Jesus claramente  indica  que esse Consolador não seria Ele,  pois,  do contrário,   diria: "voltarei  a  completar  o  que  vos   tenho ensinado”. Não só tal não disse como acrescentou: a fim  de que  fique  eternamente  convosco e ele  estará  em  vós.  Esta proposição   não poderia referir-se a  uma  individualidade encarnada, visto que não poderia ficar eternamente conosco,  nem, ainda  menos,  estar  em  nós.  Compreendemo-la,  porém,   como referência a uma doutrina, a qual, com efeito, quando a  tenhamos assimilado,  poderá estar eternamente conosco, como patrimônio intelectual inalienável.  O Consolador é, pois, segundo o pensamento de Jesus, o advento de  uma  doutrina soberanamente  consoladora, cujo inspirador há de ser o  Espírito de Verdade.               

O Espiritismo realiza, como ficou demonstrado no livro básico "A  Gênese",  cap.  I, nº.  30, todas as  condições  do Consolador  que Jesus prometeu.  Não é uma doutrina  individual, nem  de concepção humana; ninguém pode dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que preside  o Espírito  de  Verdade. Nada  suprime  do  Evangelho:  antes  o completa  e elucida. Com o auxílio das novas leis que revela, conjugadas  essas  leis às que a Ciência já  descobrira,  faz  se compreenda  o que era ininteligível e se admita  a  possibilidade daquilo  que  a incredulidade  considerava  inadmissível.  Teve precursores e profetas, que lhe pressentiram a vinda.  Pela sua força moralizadora, ele prepara o reinado do bem na Terra.

A doutrina de Moisés, incompleta, ficou circunscrita  ao  povo  judeu;  a de  Jesus,  mais  completa,  se espalhou  por  toda  a Terra, mediante o  Cristianismo,  mas  não converteu a todos; o Espiritismo, ainda mais completo, com raízes em todas as crenças, converterá a humanidade.   Dizendo  a Seus apóstolos: "outro  virá  mais tarde,  que  vos  ensinará  o  que  agora  não  posso   ensinar",  proclamava  Jesus a indispensávelnecessidade da reencarnação. Como poderiam aqueles   homens   aproveitar  do  ensino   mais   completo   que ulteriormente   seria   ministrado;   como   estariam   aptos   a compreendê-lo,  se  não  tivessem  de  viver  novamente?   Jesus houvera  proferido  uma coisa inconsequente se, de acordo  com  a doutrina vulgar, os homens futuros houvessem de ser homens novos, almas  saídas do nada por ocasião do nascimento. Admita-se,  ao contrário,  que  os Apóstolos e os homens do tempo  deles  tenham vivido  depois; que ainda hoje revivem, e plenamente  justificada estará a promessa de Jesus. Tendo-se desenvolvido ao contato do progresso   social,  a  inteligência  deles  pode   presentemente comportar o que então não podia.  Sem a reencarnação a promessa de Jesus fora ilusória”.

Continua mais adiante o insuperável Mestre Lionês[4]: "a grande e importante lei da  reencarnação foi um dos pontos capitais que Jesus não pôde desenvolver, porque os homens do Seu tempo não se achavam suficientemente preparados para ideias dessa ordem e para as suas consequências.  Contudo, assentou o princípio da referida lei como o fez relativamente  a tudo  mais.   Estudada e posta em evidência nos dias atuais  pelo Espiritismo,  a  Lei  da Reencarnação constitui a  chave  para  o entendimento  de  muitas  passagens do Evangelho  que,  sem  ela, parecem verdadeiros contrassensos.

É por meio dessa Lei que se encontra  a explicação das palavras acima, admitidas que sejam como textuais.  Uma vez que elas  não  podem  ser  aplicadas  às  pessoas  dos Apóstolos, é evidente que se referem ao futuro reinado do Cristo, isto  é, ao tempo em que a Sua doutrina, mais  bem  compreendida, for lei universal.  

Dizendo que  alguns  dos  ali  presentes  na ocasião veriam o seu advento, Ele forçosamente Se referia aos que estarão reencarnados de novo nessa época.  Os judeus, porém, imaginavam que  lhes seria dado ver tudo o que Jesus anunciava e tomavam  ao pé da letra Suas frases alegóricas.

Aliás,  algumas   de   Suas   predições   se realizaram  ao devido tempo, tais como a ruína de  Jerusalém,  as desgraças  que  se lhe seguiram e a dispersão dos  judeus. Sua visão, porém, se projetava muito mais longe, de sorte que, quando falava do presente sempre aludia ao futuro”.

A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pois não há outra melhor”.

“(...) Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos. Mas presentemente não as podeis suportar Jesus. (Jo., 16:12).

Aprendemos com Allan Kardec[5] ser "o Espiritismo uma ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência e  a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele   no-lo  mostra,  não  mais   como   uma   coisa sobrenatural,  porém, ao contrário, como uma das forças  vivas  e sem  cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma  imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o  domínio do fantástico e do maravilhoso. É a  essas  relações que  o Cristo alude em muitas circunstâncias e daí vem que  muito do  que  Ele  disse  permaneceu  ininteligível   ou   falsamente interpretado...  

O Espiritismo é a chave com o auxílio da qual tudo se explica de modo fácil.

O mestre lionês ensina[6]: o Espiritismo, dando-nos a conhecer o  mundo invisível  que  nos  cerca  e no meio  do  qual  vivíamos  sem  o suspeitarmos, assim como as leis que o regem, suas relações com o mundo  visível, a natureza e o estado dos seres que o habitam  e, por  conseguinte  o  destino  do homem depois  da  morte,  é  uma verdadeira revelação na acepção científica da palavra.

Por sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica.  Participa da primeira,  porque   foi providencial o seu aparecimento e não o resultado da  iniciativa, nem   do  desígnio  premeditado  do  homem;  porque   os   pontos fundamentais da doutrina provêm do ensino que deram os  Espíritos.  Participa da segunda, por não ser esse ensino privilégio algum, mas  ministrado  a todos do mesmo modo; por não serem os  que  os transmitem  e  os que o recebem seres  passivos,  dispensados  do trabalho  de  observação e da pesquisa, por  não  renunciarem  ao raciocínio  e  ao livre-arbítrio; porque não lhes é  interdito  o exame,  mas, ao contrário, recomendado.  Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos,  sendo  a  sua  elaboração  fruto  do trabalho do homem”.

Da necessidade da Terceira Revelação [7]

"Qual a utilidade da doutrina moral dos Espíritos, uma vez que não difere da do Cristo? Precisa o homem de uma revelação?"  "Do ponto de vista moral, é fora de dúvida que Deus outorgou ao homem um guia, dando-lhe a consciência que lhe diz: "não faças a outrem o que não  quererias  que  te fizessem”.  A  moral  natural está  positivamente  inscrita  no coração dos homens; porém, sabem todos lê-la nesse livro?   Nunca lhe desprezaram os sábios conselhos e preceitos? Que fizeram da moral  do Cristo? Como a praticam mesmo aqueles que a  ensinam? Reprovareis  que um pai repita a seus filhos dez vezes as  mesmas instruções,  desde que eles não as sigam?  Por que haveria  Deus de fazer menos do que um pai de família?   Por que não  enviaria, de tempos em tempos, mensageiros especiais aos homens, para  lhes lembrar  os deveres e reconduzi-los ao bom caminho, quando deste se afastam? (Continua na próxima edição.)    

 

 

[1] - Lc., 18:31 a 34.

[2] - Jo., 16:12.

[3] - KARDEC, Allan. A Gênese. 43.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. XVII, itens 37 a 41.

[4] - Kardec, A. “A Gênese” – cap. XVII, item 46.

[5] - KARDEC, Allan. O Evangelho Seg. o Espiritismo. 125.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2006, cap. I, item 5.

[6] - KARDEC, Allan. A Gênese. 43.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. I, itens 11 a 13.

[7] - KARDEC, Allan. A Gênese. 43.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2003, cap. I, item 56.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita