Nem todo livro que se diz
espírita é espírita
Como se tem debatido a questão das obras
espíritas! Artigos, palestras, exposições,
livros, farto material e recursos humanos têm
sido dispendidos para orientar e balizar, em
alguns casos alertar os leitores sobre a
literatura oferecida a todo o momento como sendo
espírita.
A velocidade da publicação de livros ditos
espíritas é impressionante. Vários médiuns, após
alguns poucos anos de trabalho mediúnico na
psicografia, já se apresentam desejosos de
tornar público o material contido nas mensagens
por eles recebidas do Além, ou mesmo por eles
mesmos concebidas. Por outro lado, praticantes
do Espiritismo frequentemente se apresentam para
produzir literatura dita espírita oriunda da
escassa experiência adquirida ao longo de alguns
anos de envolvimento com a prática doutrinária,
agravado pelo fato de não terem, em muitos
casos, realmente entendido os princípios
espíritas, fato este de grande risco para o
caminhar do Espiritismo.
É um contingente enorme de candidatos aspirantes
a escritores espíritas, ávidos de dividir os
conhecimentos obtidos, frutos de seus relativos
esforços no aprendizado da Doutrina dos
Imortais.
Já o diga, por exemplo, o artigo de Geraldo
Campetti Sobrinho1, quando informou
sobre a existência de mais de dois mil títulos
espíritas publicados no Brasil, ao final da
década de 90, e mais, esta estimativa foi obtida
em 1998, de lá para cá já se foram outros 20
anos. Alguém poderia argumentar nada há com que
se preocupar sobre esta montanha de livros,
considerando a sociedade moderna tão desejosa
pela aquisição de conhecimentos novos, deveria
ser visto como excelente indicador da expansão
do Espiritismo, infelizmente, este não é o caso.
Por onde anda a cifra sobre a quantidade de
obras ditas espíritas editadas ao se alcançar
quase o final da segunda década do século XXI?
Três, quatro, cinco mil títulos! Desconhecemos
totalmente a nova realidade do mercado literário
espírita.
Este verdadeiro tsunami de livros, usando uma
expressão bem atual, não seria benéfica ao
movimento espírita? De fato, poderia até ser, se
todos estes livros tivessem realmente sido
analisados sob o ponto de vista estritamente
doutrinário, recebendo a chancela de que são
realmente livros espíritas, lamentavelmente,
temos a absoluta certeza de que boa parte não o
foi, basta ler algumas obras lançadas no mercado
para facilmente se convencer desta realidade.
Para resolver este dilema, facilmente,
pois, decidir se uma obra é espírita ou não dá
trabalho, pede critério, alegam alguns que em
todo livro contemplando na contracapa a palavra
Espiritismo, é, sem sombra de dúvida, literatura
espírita! Veja-se assim a que ponto chegamos.
Por comodismo, incompetência ou mesmo
desconhecimento doutrinário, muitos dirigentes
espíritas entendem que qualquer literatura
trazendo em sua capa os dizeres: Livro
mediúnico, ditado pelo Espírito tal,
seria comprovada garantia de que a obra é de boa
qualidade, permitindo, desta forma, que tais
literaturas sejam incorporadas às bibliotecas,
livrarias ou mesmo colocadas à venda como livro
usado, quando assim forem recebidos através de
doações, visando angariar algum recurso
financeiro. É de “arrepiar os cabelos”, quem os
tem, evidentemente.
Como é possível um dirigente dito espírita
promover a divulgação de livros na casa espírita
em que atua quando jamais leu a obra, desconhece
quem é o médium, não sabe se existiu mesmo um
Espírito ditando a obra, pois há inúmeros casos
de animismo, e muito menos ouviu falar do autor
encarnado, tampouco da Editora!?
É uma situação muito delicada esta da
atualidade. O mercado editorial já percebeu
existir um grande filão a explorar, e algumas
destas editoras, óbvio, não são todas, o fazem
até a exaustão, aproveitando-se sem qualquer
critério deste aparente inesgotável veio. É uma
mina de ouro! O comércio dos livros é
justificado pelo ingresso de numerário para
custear as atividades e despesas das casas,
mantendo igualmente seus possíveis trabalhos
assistenciais.
Contudo, como distinguir a Verdadeira Doutrina
da falsa doutrina? Certamente não seria
observando os Índices para Catálogo Sistemático,
constando na contracapa dos livros, porquanto, o
autor, junto com o seu editor, quando não são os
mesmos, ali colocam o que desejam, e se o autor
é um falso profeta desejando se misturar à
Doutrina, é óbvio, informará ser o livro sobre
Espiritismo. Não, não pode ser este o critério,
o bom senso, a razão, a sensatez assim em coro o
dizem.
É preciso analisar, ler, esmiuçar as obras ditas
espíritas de modo a se ganhar confiança de que o
material lá contido representa o Espiritismo, e
este trabalho deve ser realizado por espíritas
conhecedores da Doutrina, não superficialmente,
mas aprofundadamente.
Recordemos o pensamento de Joaquim Travassos2:
“O sistema de educação intelectual experimenta a
supervisão constante de inspetores, fiscais e
conselhos de ensino que verificam os mínimos
incidentes do currículo escolar; entretanto, nas
casas espíritas, em muitas ocasiões, se um
companheiro de boa vontade assinala esse ou
aquele senão, em favor da segurança da obra,
muito dificilmente escapa de ser apontado à
conta de elemento indesejável, corroído de
obsessão...”
As agremiações espíritas assemelham-se aos
educandários intelectuais, pois têm também como
objetivo primordial educar, contudo, moralmente.
Então, como podemos entender que não se acolham
recomendações e questionamentos sobre a
literatura divulgada na casa espírita, feitos
por companheiros mais atenciosos com a Doutrina?
Se a casa não possui trabalhadores experientes
capazes de ajuizar se uma obra é verdadeiramente
espírita ou não, opte-se pelo lado seguro, isto
é, só utilize obras consagradas, aquelas
representando genuinamente a base doutrinária,
ou seja, todas as escritas por Allan Kardec e,
para apoio, de outros autores que pela sua
própria seriedade e exemplos de dedicação,
ganharam a confiança do movimento espírita,
sendo legítimos continuadores do Codificador,
entre outros, a saber: Léon Denis e Gabriel
Delanne. O primeiro na vertente filosófica da
Doutrina, o segundo na parte científica.
Em relação aos autores pós-Kardec: obras
psicografadas por Zilda Gama, Yvonne Pereira,
Chico Xavier, Divaldo Pereira Franco e Raul
Teixeira. Apenas estes cinco autores produziram
várias centenas de confiáveis livros, podendo
ser estudados por uma vida inteira, se o leitor
assim o desejar. Os dois últimos,
particularmente, abordaram vários temas
hodiernos, nos deixando seguros sobre as
questões surgidas ao longo deste iniciante
século.
Sugerindo este último quinteto, jamais poderá se
inferir não existir outros autores de
verdadeiros livros espíritas, sejam encarnados
ou desencarnados, não, não se conclua desta
forma, a lista de livros seguramente espíritas é
considerável, entretanto, não seria factível
citá-los todos aqui.
Estudando estes livros mencionados,
principalmente os escritos por Kardec,
poder-se-á no futuro avaliar qualquer outra obra
dita espírita, decidindo se é ou não é uma
legítima representante do acervo de livros
doutrinários.
Na dúvida, não compre, se houver qualquer
incerteza sobre a obra, indague, se informe
antes de adquiri-la, pois assim o fazendo, se a
obra for falsa, contribuiremos para a manutenção
do tsunami literário pseudoespírita assolando o
movimento, em vagas cada vez maiores.
Por outro lado, prefira as obras originais, no
lugar de apostilas e resumos das mesmas, leia as
frases e pensamentos dos próprios autores,
medite, reflita, peça apoio ao seu guia
espiritual, se esforce, nada vem ao acaso, tudo
deve ser conquistado.
Erasto, discípulo dileto de Paulo de Tarso,
entre outras sábias frases, registrou no único
tratado sobre mediunidade existente, O livro
dos Médiuns3: Melhor
é repelir dez verdades do que admitir uma única
falsidade, uma só teoria errônea, todavia, nos
tempos atuais, diante deste momento,
considerando a falta de critério na circulação
de textos e publicações supostamente espíritas,
podemos, com extremado respeito ao insigne
pensador, adaptar seu pensamento
reescrevendo-o: Melhor é não divulgar dez
verdades do que divulgar uma única
falsidade, uma só teoria errônea.
Bons Estudos!
Referências:
1 Reformador. Literatura
Espírita: Uma breve reflexão; nº 2.026.
jan.1998.
2 VIEIRA,
Waldo. Seareiros de volta. Autores
diversos. cap. Estudo espírita.
3 KARDEC,
Allan. O
Livro dos Médiuns.
Trad. Guillon Ribeiro. 62. Ed. Rio de Janeiro:
FEB Editora, 1996. Cap. XX. It. 230.
Nota: Joaquim
Travassos foi o primeiro tradutor para o
português de obras fundamentais da Codificação
nos anos de 1875 e 1876.