As crianças e a mentira
A inteligência da criança observa amando e não com
indiferença, isso é o que faz ver o invisível.
Maria Montessori
Por que as crianças mentem? Elas geralmente mentem para
evitar punições, chamar a atenção dos pais ou dos
amigos, tornar suas histórias interessantes, evitar
aborrecer pessoas importantes…
Quando minha filha estava no primeiro ano do
fundamental, tinha um colega de classe de quem ela
gostava muito – no recreio, um imenso gramado, eles
costumavam brincar de “fazendeiros” ou de detetives. Um
dia, quando voltávamos para casa, ela me contou algo que
achei bastante sensível: “mãe, eu gosto muito do fulano.
Ele mente bastante, mente todo dia, mas eu sei que ele
faz isso para se sentir importante. Então eu não ligo, a
gente continua amigo e brincando”… Aproveitei o momento,
é claro, para falar sobre a atitude do menino, pois
minha filha tinha na época seis anos, sem me afastar da
solidariedade à história pessoal daquela criança, que eu
sabia muito difícil…
Bom… as crianças mentem. E mesmo que não haja a intenção
de mentir, de enganar pais ou professores, é fundamental
que o diálogo aconteça desde cedo, considerando a faixa
etária e o amadurecimento da criança, para que os pais
conversem e esclareçam que mentir é algo que não deve
ser feito e que gera consequências a outras pessoas.
Conforme vão crescendo, as crianças aprimoram seu
pensamento cognitivo e adquirem noção do que é verdade e
o que é mentira. No entanto, mesmo com a consciência de
que não é certo, nossos filhos podem eleger ocultar a
verdade ou mesmo mentir, seja para evitar uma situação
desagradável ou ganhar recompensas, por exemplo. Nesse
momento, a intervenção dos pais é fundamental para que a
criança compreenda que a mentira não é o melhor
caminho.
De outro lado, a mentira que é defesa, talvez uma das
mais frequentes na infância, é, para Maria Montessori,
“uma defesa óbvia contra a violência adulta”. Ora, sem
muito esforço, facilmente notamos que a maior parte das
mentiras defensivas da criança ocorrem mesmo por medo.
Esse medo não precisa ser do que nós adultos entendemos
como punição. Pode ser simplesmente o medo da perda da
independência de fazer algo que a criança já se julga
capaz de fazer sozinha (brincar com massinha, lavar as
panelinhas na pia da cozinha...), sobretudo em ambientes
onde os adultos são bastante moralistas ou severos.
Para os pais, trabalhar com as mentiras das crianças com
sucesso implica muito mais do que somente não bater na
criança. Significa encarar sua fragilidade e orientá-la
sem causar nenhuma ferida. No dia a dia, a todo custo,
evite o medo. Amedrontar uma criança é um pobre recurso
de educação (e fadado ao fracasso). Quando uma criança
percebe na flexibilização da verdade a única maneira de
escapar da ira e tirania dos pais, ela muito
provavelmente narrará uma história diferente daquela que
envolve sua parcela de responsabilidade no acontecido.
Já a criança que pode falar a verdade em casa, desde
cedo, é uma força para colaborar com o bem e a paz no
mundo.
Notinhas
Se a mentira é uma alteração intencional, voluntária da
verdade, podemos dizer que a criança durante a primeira
infância não mente propriamente: ela deturpa os fatos,
quase sempre envolvida por excesso de fantasia. A
habilidade de se relacionar com a verdade de forma dúbia
muda com a idade. Crianças de dois anos têm imensa
dificuldade em esconder a verdade, enquanto que metade
das de cinco anos são capazes, e somente vinte por cento
das de oito anos não conseguem fazer isso.
A criança se adapta ao seu meio. Seu desenvolvimento não
é alheio ao comportamento dos adultos à sua volta, mas é
profundamente influenciado por eles. Por isso, em um
meio no qual haja constante necessidade de luta,
proteção e defesa, a criança criará rotas de fuga ou
muros – e isso se dá na forma do afrouxamento de sua
relação com a verdade.
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