Ciúme entre irmãos
Se a criança vive em uma atmosfera amigável, sentindo-se
necessária, aprenderá a encontrar o amor no mundo.
Maria Montessori
A rivalidade entre irmãos é encontrada na natureza e a
mesma coisa acontece na família humana: a chegada de um
novo irmão costuma abalar a confiança do filho mais
velho, que recebia 100% da atenção que os pais lhe
disponibilizavam. Desse modo, lidar com o ciúme entre
irmãos é um desafio na educação dos filhos.
No primeiro momento, o novo bebê é uma alegre novidade,
e o filho mais velho pode até se divertir inicialmente.
Mas em pouco tempo ele se cansará e simplesmente
reivindicará seu lugar como filho único. Mas isso não
vai ocorrer e, ainda, ele perceberá que perdeu esse
“privilégio” para sempre.
Uma ideia preocupante toma a mente do primogênito: talvez
o novo bebê seja mais amado do que ele. E é nesse
momento que as coisas se modificam e que o filho mais
velho, tomado pela frustração, passa a agir de modo
claro (“quero que vocês levem esse bebê de volta”) ou
dissimulado (esconder a chupeta do bebê, dar um beliscão
no bebê etc.) ou, ainda, regredir para um comportamento
mais infantil e manhoso. O que tudo isso sinaliza? São
tentativas de resgate daquele “lugar edílico”, agora
definitivamente perdido. Se nada for feito para ajudar a
criança que vive essa situação, a rivalidade (cuja raiz
é o ciúme) tem o potencial de semear padrões negativos
que podem durar a vida inteira.
Não podemos ignorar o fato de que uma criança é incapaz
de processar criticamente suas emoções e, por isso,
quando estão emocionalmente afetadas, reagem brusca ou
agressivamente, sem condição de refletir e agir de modo
adequado. No primeiro setênio, há o predomínio do
pensamento mágico e, consequentemente, as crianças não
entendem a diferença entre bairro e cidade, entre a vida
e a morte etc. O cérebro está em formação e, justamente
por isso, a criança que experimenta o ciúme pode
conservar padrões baseados nessas frustrações iniciais e
que, se não orientadas pela paciência e amor dos pais,
podem influir sobre o modo de se relacionar com o irmão
ou a irmã mais nova pelo resto da vida.
O que os pais podem fazer em relação ao ciúme que o
primogênito ou a primogênita sente em relação ao novo
membro familiar?
Os pais precisam agir
como pais. Isso quer dizer assumir seu lado adulto,
compreendendo que a chegada de um novo irmão abala, sim,
a confiança do filho mais velho. É razoável, desse
modo, informar o filho mais velho sobre a
gravidez/chegada do irmão. Convertê-lo em aliado é
decisão inteligente e costuma promover a harmonia
familiar – o filho mais velho pode, por exemplo, ajudar
os pais a escolher os primeiros brinquedos, auxiliar na
compra dos alimentos na fase das papinhas etc. Mas
nunca, nunca, os pais podem fazer o filho mais velho
responsável pelo outro, ou seja, nada de convertê-lo
em babá. Quem cuida de uma criança é o adulto na casa.
Assim como evitar a manipulação é uma regra essencial à
saúde psíquica da família, evitar comparar os filhos –
as notas, o comportamento, o temperamento, a aparência
etc. – é conduta proativa e que ajuda o ciúme entre
irmãos a ser superado. O filho observa os pais e a
criança tem alta consciência de justiça – e, no dia a
dia, isso se traduz em ele e o irmão serem amados
igualmente.
Para ajudar na desconstrução do ciúme, é essencial, no
lugar da competição, os pais optarem pela cooperação.
Família não é arena esportiva. Os pais precisam, com
persistência, ser modelos de empatia, incentivando
solidariedade e respeito entre os irmãos.
Não escolhemos nossos irmãos, eles nos são impostos por
nossos pais. De todos os modos, com eles compartilhamos
nossa história inicial de vida, nossas lembranças. Na
idade adulta, e também por isso, não é incomum um
distanciamento entre os irmãos. Cada um segue seu
caminho, iniciando carreiras profissionais, fundando,
por sua vez, seu próprio núcleo familiar. Muitas vezes
(e isso não é equivocado), os valores que guiam nossos
bonitos sentimentos fraternos são deslocados para alguns
amigos, e que são “os preciosos irmãos escolhidos”.
Notinhas
Melanie Klein faz uma distinção entre inveja e ciúme: “A
inveja é o sentimento irado de que outra pessoa possui e
desfruta de algo desejável – sendo o impulso invejoso
tirá-lo dela ou espoliá-lo. (...) O ciúme se baseia na
inveja, mas envolve uma relação com, pelo menos, duas
pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o
indivíduo sente como lhe sendo devido e que lhe foi
tirado ou se acha em perigo de sê-lo por seu rival”
(1991, p. 33). Cf. Klein, M. Inveja e gratidão e outros
trabalhos (1946-1963). RJ: Imago, 1991. (Obras
completas de Melanie Klein, 3).
A família precisa entender que, a partir do nascimento
do segundo filho, terão início partilhas, negociações,
julgamentos. Os filhos são sempre muito diferentes entre
si – e os pais deveriam se alegrar por isso. Promover
empatia e respeito favorecem uma boa dinâmica familiar.
No dia a dia, em vez de dizer “por que você não é
organizado como seu irmão?”, os pais podem se concentrar
na atitude que gostariam que a criança assumisse: “Você
precisa organizar seu material escolar. Por que não
começa agora?”
Ter afinidade com um ou outro filho é normal. Demonstrar
preferência é prova de ignorância (imaturidade) e
atitude leviana que irá alimentar a rivalidade entre
irmãos.
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