O argueiro e a trave
Segundo as circunstâncias, desmascarar a
hipocrisia e a mentira pode constituir um dever
“Decerto, a ninguém é defeso ver o mal quando
ele existe. Fora
mesmo inconveniente ver em toda a parte só o
bem.” -
S. Luís
Existe uma regra básica para ser obedecida ao
formularmos uma censura a alguém: é dirigi-la (a
censura) a nós próprios em primeiro lugar,
procurando avaliar se não a teremos merecido
também...
Necessário que cada criatura trabalhe não só
pelo próprio progresso, mas também pelo de
todos, e principalmente dos que se encontram sob
nossa tutela, e, por isso mesmo, muitas vezes a
repreensão é um dever que a caridade manda seja
cumprido com todo o cuidado possível.
De um modo geral, as falhas existentes na tão
delicada área do relacionamento humano
vinculam-se ao fato de fazer com que a
observação, a admoestação ou a repreensão
redundem em prejuízo do próximo,
desacreditando-o, sem necessidade, na opinião
geral.
São Luís afirma ser1 “(...)
igualmente repreensível invectivar apenas para
dar expansão a um sentimento de malevolência e à
satisfação de apanhar os outros em flagrante
delito. Mas dá-se inteiramente o contrário
quando, estendendo um véu sobre o mal, para que
o público não o veja, aquele que note os
defeitos do próximo o faça em seu proveito
pessoal, isto é, para se exercitar em evitar o
que reprova nos outros. Essa observação, em
suma, não é proveitosa ao moralista? Como
pintaria ele os defeitos humanos, se não
estudasse os modelos?
Mas haverá casos em que convenha desvendar o mal
de outrem?
Aí está uma questão muito delicada, cuja
resolução depende da perfeita compreensão da
caridade. Se as imperfeições de uma pessoa só a
ela prejudicam, nenhuma utilidade haverá em
divulgá-las. Se, porém, podem acarretar
prejuízos a terceiros, deve-se atender de
preferência ao interesse do maior número.
Segundo as circunstâncias, desmascarar a
hipocrisia e a mentira pode constituir um dever,
pois mais vale caia um homem, do que virem
muitos a ser suas vítimas. Em tal caso, deve-se
pesar a soma das vantagens e dos
inconvenientes”.
Observemos que toda a atuação nessa área deve
ser pautada por muita reflexão, discernimento e
caridade, além de apurada observação, escrúpulo
e acentuada noção de pesos e medidas a fim de
que não sejam danosos os desdobramentos de nossa
interferência.
Com tal procedimento estaremos não só
auxiliando-nos mutuamente a progredir, como
também mostramos ter entendido em espírito e
verdade as palavras de Jesus: “(...) Tirai
primeiro a trave do vosso olho e depois, então,
vede como podereis tirar o argueiro do olho do
vosso irmão”. (Mateus, 7:5).
-
KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o
Espiritismo. 129. ed. Rio [de
Janeiro]: FEB, 2009, cap. X, itens 20 e
21.