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por Marcelo Henrique

 

Jesus, Espírito Espírita


Com este artigo, damos início a uma série que irá buscar diferenciar o Jesus Homem do Jesus Mito, ambos vigentes e observados no Movimento Espírita, como se fossem facetas de uma mesma personalidade, mas que são inconciliáveis entre si, porque apresentam contrariedades recíprocas. E isto só ocorre porque, a par dos conceitos trazidos pela Doutrina dos Espíritos, compostos por Allan Kardec (1857-1869) a partir das comunicações mediúnicas recepcionadas pela Codificação e pelas interpretações dadas pelo professor francês, há um simbolismo herdado das religiões cristãs, que se manifesta entre os adeptos e simpatizantes do Espiritismo, da mesma forma como pode ser visualizado nos livros publicados por Rivail.

Vale salientar ainda que, neste contexto tão rico em detalhes e com questões que podem ser consideradas essenciais, porquanto amarradas aos princípios e fundamentos do Espiritismo, figuram relevantes as diferenças constatadas entre as edições da última obra de Kardec, “A Gênese”, levando em consideração que a edição popularizada em quase todas as traduções conhecidas em nosso país (a quinta) possui redação distinta da que foi lançada inicialmente pelo Codificador (primeira à quarta edições), e que as alterações (ou adulterações) implicaram em elementos que são constitutivos da figura e da imagem de Jesus, perante ou segundo o Espiritismo.

Não são muitos os espíritas que conhecem a dicotomia entre as duas grandes teorias construídas, no chamado Movimento Espírita, sobre Jesus. Na verdade, a existência de dois corpos teóricos distintos remonta aos dias em que Kardec, assumindo a condição de protagonista físico da criação e direção do Espiritismo em nosso planeta, entabulou diálogos com diversas personalidades do seu tempo, inclusive clérigos e pessoas influentes na sociedade europeia de então. Se Kardec, a partir do conteúdo espírita, considerando o Espiritismo como a “terceira revelação” da Lei Divina, somando-se às duas anteriores, a mosaica e a baseada nos ensinos e feitos do carpinteiro pescador de homens, e consagrando a Filosofia Espírita como a materialização do “Consolador Prometido” contido no Evangelho de João, se apropriou de um personagem e de conceitos que eram “patrimônio” das religiões, também enfrentou uma teoria mediúnica importante, no seu tempo. A obra “Os quatro evangelhos” de seu compatriota J. B. Roustaing foi contraposta ao conteúdo espírita (kardeciano), e no seu subtítulo se observa a inscrição “A revelação da revelação”, assim como autores (presumidos) os Espíritos dos quatro evangelistas (João, Lucas, Marcos e Mateus), assistidos pelos apóstolos e por Moisés, tendo sido recepcionada por uma única médium, Émilie Collignon, e sistematizada por Roustaing.

O próprio Kardec dialogou com Roustaing, mas não endossou a obra nem considerou a mesma como compatível com o arcabouço de conhecimento espírita. Não há novidades nesse livro, no que concerne à caracterização do personagem Jesus, porquanto o mesmo remonta à teoria do “corpo fluídico” (imaterial) de Jesus, que teria vivido na Terra, há dois mil anos, em forma “aparente”, ou seja, com uma existência semimaterial.

Este é o aspecto fundamental para o início de qualquer abordagem espírita sobre Jesus. Ou se valida a ideia tradicional – expressa, inclusive, com anteparo nos textos dos evangelhos canônicos, acerca da existência corporal do Homem de Nazaré – ou se aquiesce à teoria de sua existência “não corporal”, intangível ou semitangível, quando da materialização do mesmo para a realização de certos fenômenos.

Não é possível adotar as duas conformações, porque são conflitantes, contraditórias e excludentes entre si. E esta questão é objeto específico e explícito de abordagem em “O Livro dos Espíritos”, pelo menos em dois momentos específicos.

O primeiro, na “Escala Espírita”, quando Kardec ensaia acerca dos diferentes níveis evolutivos dos Espíritos, desde sua criação até o destino final, que é o da perfeição relativa, considerando, aqui neste particular, que as posições mais adiantadas não simbolizam qualquer estado contemplativo futuro, e o não mais envolvimento em atividades espirituais, posto que o progresso (espiritual) é infindo. A partir da questão número 100, do livro primeiro, são descritos e qualificados TODOS os Espíritos e merecem destaque os itens 111, 112 e 113, porque eles apresentam os níveis mais adiantados, quais sejam os dos Espíritos SUPERIORES e dos Espíritos PUROS.

O segundo está cravado na questão 625, do mesmo livro, talvez a mais conhecida de todas as perguntas originárias do Codificador na obra primeva, pela menção que a ela se faz em textos ou palestras, em que o professor francês pergunta aos Amigos Espirituais qual seria o modelo, o guia para a Humanidade, considerando as características do planeta em que estamos vivendo. E a resposta, pontual, é: - Vede Jesus (e não, apenas, Jesus, como a maioria das traduções conhecidas apresenta). Observe, analise, situe Jesus como este molde para a espiritualização (futura) de todos nós. Conheça suas virtudes, suas reações, suas ações, seus ensinos, suas pregações, seus feitos – sobretudo aqueles direcionados à construção (ou reconstrução) espiritual –, para, aos poucos e de conformidade com as possibilidades espirituais que vá angariando, na sucessão das experiências físicas, de encarnação a encarnação, poder progredir e alcançar o estado espiritual daquele Rabi.

Uma análise mais acurada, inclusive, permite visualizar que a ideia do referencial espiritual para os terrenos está, também, no item 111, quando os Luminares Espirituais colocam entre as características dos ESPÍRITOS SUPERIORES a condição de figurarem como o “tipo de perfeição a que a Humanidade pode aspirar neste mundo”. Há, assim, plena sintonia entre o contido neste item e o apresentado anteriormente (item 625), podendo-se concluir que, ao apresentar o caráter de superioridade espiritual para servir de modelo aos que encarnam na Terra, e ao nomear Jesus de Nazaré como tal, o filho de Maria e José teria tido, na existência em que se colocou como o divisor temporal entre os períodos de contagem cronológica (AC – DC), um Espírito SUPERIOR.

Este, assim, tem como característica fundamental a reunião, em sua condição espiritual, da Ciência, da Sabedoria e da Bondade, encarnando POR EXCEÇÃO neste orbe para CUMPRIR UMA MISSÃO DE PROGRESSO. As palavras não são minhas. São dos Espíritos que assinam as obras kardecianas. Jesus, então, ENCARNOU, ou seja, vestiu a roupagem física, teve um corpo perecível, idêntico ao nosso e vivenciou a experiência encarnatória em caráter missionário, ainda se enquadrando, como consequência e regra imposta pelas Leis Espirituais que vigem em todos os mundos habitados, a provas e a expiações.

Se Jesus, do contrário, fosse um ESPÍRITO PURO (itens 112 e 113 de “O Livro dos Espíritos”), ele não teria mais provas e expiações e não estaria sujeito “à encarnação em corpos perecíveis”.

É exatamente por isso que é IMPOSSÍVEL conciliar a doutrina espírita (Kardec) com a obra de Roustaing, porque esta última consagra um Jesus não humano, não encarnado, não real, mas fictício, imaginário, pseudo-humano, em existência “fluídica”.

Em “A Gênese”, obra considerada como a mais científica das trinta e duas que Allan Kardec escreveu e publicou, consta como subtítulo: “Os milagres e as predições segundo o Espiritismo”. Grande parte da obra, assim, é vinculada ao personagem que ilustra este ensaio, Jesus de Nazaré, especialmente nos capítulos XIII a XVIII, ou seja, a segunda e a terceira partes do livro. A porção inicial, intitulada “A Gênese segundo o Espiritismo”, versa sobre a Natureza da Revelação Espírita, Deus, a Ciência na gênese e a Uranografia Geral (estudo sobre o Universo), além de perpassar as gêneses orgânica, espiritual e mosaica, num trabalho de fôlego, o mais maduro e consistente de toda a obra kardeciana.

O Jesus de “A Gênese” é o mesmo retratado em “O Livro dos Espíritos” – com ênfase para os trechos já sublinhados neste artigo – e, também, marcadamente, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, onde são alinhados e listados não todos os trechos contidos nos quatro evangelhos canônicos, mas, apenas, os que, a teor da afirmação dada pelo próprio Kardec em sinergia com os textos mediúnicos que estão por toda a obra, constituem a “explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida”.

Ou seja, espíritas, nós não encontraremos em “O Evangelho segundo o Espiritismo” tudo o que está contido nos evangelhos “bíblicos”, em termos de passagens, feitos, pregações, parábolas e ditos de Jesus, pois foram desconsiderados todos os trechos destes últimos que fossem, apenas, expressões da liturgia cristã e que são o fundamento de afirmação de cânones, mandamentos ou sacramentos, em especial do Catolicismo. Interessa para o Espiritismo aquilo que é, em essência, verdadeiro, e que teria, de fato, acontecido há dois mil anos, distante do mitológico e mítico criado e conservado, culturalmente, séculos após séculos, em cima do personagem “Cristo”, que difere, frontalmente, do Jesus humano, histórico, real e, por extensão, espírita.

É por isso que intitulamos estes escritos como “Jesus, Espírito Espírita”. Espírito, porque é a condição de todos nós, seres inteligentes da criação, considerado, aí, também a circunstância de “sermos deuses”, como o próprio Rabi o afirmou, para nos intuir a realizações futuras, posto que tudo o que ele fez também nós pode(re)mos fazer. Espírita, porque o Espiritismo é uma filosofia atemporal, com o compromisso de manter-se atualizada e compatível com a progressão do mundo, uma referência plena e permanente em termos de explicação das questões que envolvem o binômio espírito-matéria, considerados estes, pela teoria espírita, como dois dos três elementos básicos, ao que se vincula e acresce o primordial, a causa primeira, Deus. Os fundamentos do Espiritismo, sabemos, foram trazidos por Jesus de Nazaré, há dois mil anos, e a própria Introdução de “O Evangelho segundo o Espiritismo” também vincula todo este processo de crescimento e entendimento espiritual ao ponto inicial, situado na Antiguidade, com a doutrina de Sócrates e Platão. Este conjunto se materializa em Jesus e permanece, indefinidamente, como a consagração do “prometido consolo” do Evangelho de João – “eu rogarei ao Pai e ele vos enviará o Consolador” – e permite que conheçamos, a partir dos próximos artigos que aqui estarão sendo veiculados, a grandeza e a completude do Espírito Superior Jesus de Nazaré, Guia e Modelo para a Humanidade, em todos os seus quadrantes, e consideradas todas as suas afirmações e realizações que são, por isso mesmo, compatíveis com as Leis Espirituais que governam os mundos, e absolutamente vinculadas aos princípios e fundamentos espíritas.

Que possamos, juntos, descortinar a personalidade deste que foi e é um dos Espíritos mais desenvolvidos que já habitaram a Terra. Até a próxima, então!


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita