Jesus, Espírito Espírita
Com este artigo, damos início a uma série que irá buscar
diferenciar o Jesus Homem do Jesus Mito, ambos vigentes
e observados no Movimento Espírita, como se fossem
facetas de uma mesma personalidade, mas que são
inconciliáveis entre si, porque apresentam
contrariedades recíprocas. E isto só ocorre porque, a
par dos conceitos trazidos pela Doutrina dos Espíritos,
compostos por Allan Kardec (1857-1869) a partir das
comunicações mediúnicas recepcionadas pela Codificação e
pelas interpretações dadas pelo professor francês, há um
simbolismo herdado das religiões cristãs, que se
manifesta entre os adeptos e simpatizantes do
Espiritismo, da mesma forma como pode ser visualizado
nos livros publicados por Rivail.
Vale salientar ainda que, neste contexto tão rico em
detalhes e com questões que podem ser consideradas
essenciais, porquanto amarradas aos princípios e
fundamentos do Espiritismo, figuram relevantes as
diferenças constatadas entre as edições da última obra
de Kardec, “A Gênese”, levando em consideração que a
edição popularizada em quase todas as traduções
conhecidas em nosso país (a quinta) possui redação
distinta da que foi lançada inicialmente pelo
Codificador (primeira à quarta edições), e que as
alterações (ou adulterações) implicaram em elementos que
são constitutivos da figura e da imagem de Jesus,
perante ou segundo o Espiritismo.
Não são muitos os espíritas que conhecem a dicotomia
entre as duas grandes teorias construídas, no chamado
Movimento Espírita, sobre Jesus. Na verdade, a
existência de dois corpos teóricos distintos remonta aos
dias em que Kardec, assumindo
a condição de protagonista físico da criação e direção
do Espiritismo em nosso planeta, entabulou diálogos com
diversas personalidades do seu tempo, inclusive clérigos
e pessoas influentes na sociedade europeia de então. Se
Kardec, a partir do conteúdo espírita, considerando o
Espiritismo como a “terceira revelação” da Lei Divina,
somando-se às duas anteriores, a mosaica e a baseada nos
ensinos e feitos do carpinteiro pescador de homens, e
consagrando a Filosofia Espírita como a materialização
do “Consolador Prometido” contido no Evangelho de João,
se apropriou de um personagem e de conceitos que eram
“patrimônio” das religiões, também enfrentou uma teoria
mediúnica importante, no seu tempo. A obra “Os
quatro evangelhos” de seu compatriota J. B. Roustaing
foi contraposta ao conteúdo espírita (kardeciano), e no
seu subtítulo se observa a inscrição “A revelação da
revelação”, assim como autores (presumidos) os Espíritos
dos quatro evangelistas (João, Lucas, Marcos e Mateus),
assistidos pelos apóstolos e por Moisés, tendo sido
recepcionada por uma única médium, Émilie Collignon, e
sistematizada por Roustaing.
O próprio Kardec dialogou com Roustaing, mas não
endossou a obra nem considerou a mesma como compatível
com o arcabouço de conhecimento espírita. Não há
novidades nesse livro, no que concerne à caracterização
do personagem Jesus, porquanto o mesmo remonta à teoria
do “corpo fluídico” (imaterial) de Jesus, que teria
vivido na Terra, há dois mil anos, em forma “aparente”,
ou seja, com uma existência semimaterial.
Este é o aspecto fundamental para o início de qualquer
abordagem espírita sobre Jesus. Ou se valida a ideia
tradicional – expressa, inclusive, com anteparo nos
textos dos evangelhos canônicos, acerca da existência
corporal do Homem de Nazaré – ou se aquiesce à teoria de
sua existência “não corporal”, intangível ou
semitangível, quando da materialização do mesmo para a
realização de certos fenômenos.
Não é possível adotar as duas conformações, porque são
conflitantes, contraditórias e excludentes entre si. E
esta questão é objeto específico e explícito de
abordagem em “O Livro dos Espíritos”, pelo menos em dois
momentos específicos.
O primeiro, na “Escala Espírita”, quando Kardec ensaia
acerca dos diferentes níveis evolutivos dos Espíritos,
desde sua criação até o destino final, que é o da
perfeição relativa, considerando, aqui neste particular,
que as posições mais adiantadas não simbolizam qualquer
estado contemplativo futuro, e o não mais envolvimento
em atividades espirituais, posto que o progresso
(espiritual) é infindo. A partir da questão número 100,
do livro primeiro, são descritos e qualificados TODOS os
Espíritos e merecem destaque os itens 111, 112 e 113,
porque eles apresentam os níveis mais adiantados, quais
sejam os dos Espíritos SUPERIORES e dos Espíritos PUROS.
O segundo está cravado na questão 625, do mesmo livro,
talvez a mais conhecida de todas as perguntas
originárias do Codificador na obra primeva, pela menção
que a ela se faz em textos ou palestras, em que o
professor francês pergunta aos Amigos Espirituais qual
seria o modelo, o guia para a Humanidade, considerando
as características do planeta em que estamos vivendo. E
a resposta, pontual, é: - Vede Jesus (e não, apenas,
Jesus, como a maioria das traduções conhecidas
apresenta). Observe, analise, situe Jesus como este
molde para a espiritualização (futura) de todos nós.
Conheça suas virtudes, suas reações, suas ações, seus
ensinos, suas pregações, seus feitos – sobretudo aqueles
direcionados à construção (ou reconstrução) espiritual
–, para, aos poucos e de conformidade com as
possibilidades espirituais que vá angariando, na
sucessão das experiências físicas, de encarnação a
encarnação, poder progredir e alcançar o estado
espiritual daquele Rabi.
Uma análise mais acurada, inclusive, permite visualizar
que a ideia do referencial espiritual para os terrenos
está, também, no item 111, quando os Luminares
Espirituais colocam entre as características dos
ESPÍRITOS SUPERIORES a condição de figurarem como o
“tipo de perfeição a que a Humanidade pode aspirar neste
mundo”. Há, assim, plena sintonia entre o contido neste
item e o apresentado anteriormente (item 625),
podendo-se concluir que, ao apresentar o caráter de
superioridade espiritual para servir de modelo aos que
encarnam na Terra, e ao nomear Jesus de Nazaré como tal,
o filho de Maria e José teria tido, na existência em que
se colocou como o divisor temporal entre os períodos de
contagem cronológica (AC – DC), um Espírito SUPERIOR.
Este, assim, tem como característica fundamental a
reunião, em sua condição espiritual, da Ciência, da
Sabedoria e da Bondade, encarnando POR EXCEÇÃO neste
orbe para CUMPRIR UMA MISSÃO DE PROGRESSO. As palavras
não são minhas. São dos Espíritos que assinam as obras
kardecianas. Jesus, então, ENCARNOU, ou seja, vestiu a
roupagem física, teve um corpo perecível, idêntico ao
nosso e vivenciou a experiência encarnatória em caráter
missionário, ainda se enquadrando, como consequência e
regra imposta pelas Leis Espirituais que vigem em todos
os mundos habitados, a provas e a expiações.
Se Jesus, do contrário, fosse um ESPÍRITO PURO (itens
112 e 113 de “O Livro dos Espíritos”), ele não teria
mais provas e expiações e não estaria sujeito “à
encarnação em corpos perecíveis”.
É exatamente por isso que é IMPOSSÍVEL conciliar a
doutrina espírita (Kardec) com a obra de Roustaing,
porque esta última consagra um Jesus não humano, não
encarnado, não real, mas fictício, imaginário,
pseudo-humano, em existência “fluídica”.
Em “A Gênese”, obra considerada como a mais científica
das trinta e duas que Allan Kardec escreveu e publicou,
consta como subtítulo: “Os milagres e as predições
segundo o Espiritismo”. Grande parte da obra, assim, é
vinculada ao personagem que ilustra este ensaio, Jesus
de Nazaré, especialmente nos capítulos XIII a XVIII, ou
seja, a segunda e a terceira partes do livro. A porção
inicial, intitulada “A Gênese segundo o Espiritismo”,
versa sobre a Natureza da Revelação Espírita, Deus, a
Ciência na gênese e a Uranografia Geral (estudo sobre o
Universo), além de perpassar as gêneses orgânica,
espiritual e mosaica, num trabalho de fôlego, o mais
maduro e consistente de toda a obra kardeciana.
O Jesus de “A Gênese” é o mesmo retratado em “O Livro
dos Espíritos” – com ênfase para os trechos já
sublinhados neste artigo – e, também, marcadamente, em
“O Evangelho segundo o Espiritismo”, onde são alinhados
e listados não todos os trechos contidos nos quatro
evangelhos canônicos, mas, apenas, os que, a teor da
afirmação dada pelo próprio Kardec em sinergia com os
textos mediúnicos que estão por toda a obra, constituem
a “explicação das máximas morais do Cristo em
concordância com o Espiritismo e suas aplicações às
diversas circunstâncias da vida”.
Ou seja, espíritas, nós não encontraremos em “O
Evangelho segundo o Espiritismo” tudo o que está contido
nos evangelhos “bíblicos”, em termos de passagens,
feitos, pregações, parábolas e ditos de Jesus, pois
foram desconsiderados todos os trechos destes últimos
que fossem, apenas, expressões da liturgia cristã e que
são o fundamento de afirmação de cânones, mandamentos ou
sacramentos, em especial do Catolicismo. Interessa para
o Espiritismo aquilo que é, em essência, verdadeiro, e
que teria, de fato, acontecido há dois mil anos,
distante do mitológico e mítico criado e conservado,
culturalmente, séculos após séculos, em cima do
personagem “Cristo”, que difere, frontalmente, do Jesus
humano, histórico, real e, por extensão, espírita.
É por isso que intitulamos estes escritos como “Jesus,
Espírito Espírita”. Espírito, porque é a condição de
todos nós, seres inteligentes da criação, considerado,
aí, também a circunstância de “sermos deuses”, como o
próprio Rabi o afirmou, para nos intuir a realizações
futuras, posto que tudo o que ele fez também nós pode(re)mos
fazer. Espírita, porque o Espiritismo é uma filosofia
atemporal, com o compromisso de manter-se atualizada e
compatível com a progressão do mundo, uma referência
plena e permanente em termos de explicação das questões
que envolvem o binômio espírito-matéria, considerados
estes, pela teoria espírita, como dois dos três
elementos básicos, ao que se vincula e acresce o
primordial, a causa primeira, Deus. Os fundamentos do
Espiritismo, sabemos, foram trazidos por Jesus de
Nazaré, há dois mil anos, e a própria Introdução de “O
Evangelho segundo o Espiritismo” também vincula todo
este processo de crescimento e entendimento espiritual
ao ponto inicial, situado na Antiguidade, com a doutrina
de Sócrates e Platão. Este conjunto se materializa em
Jesus e permanece, indefinidamente, como a consagração
do “prometido consolo” do Evangelho de João – “eu
rogarei ao Pai e ele vos enviará o Consolador” – e
permite que conheçamos, a partir dos próximos artigos
que aqui estarão sendo veiculados, a grandeza e a
completude do Espírito Superior Jesus de Nazaré, Guia e
Modelo para a Humanidade, em todos os seus quadrantes, e
consideradas todas as suas afirmações e realizações que
são, por isso mesmo, compatíveis com as Leis Espirituais
que governam os mundos, e absolutamente vinculadas aos
princípios e fundamentos espíritas.
Que possamos, juntos, descortinar a personalidade deste
que foi e é um dos Espíritos mais desenvolvidos que já
habitaram a Terra. Até a próxima, então!
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