Entrevista

por Orson Peter Carrara

William Crookes, um cientista a serviço do além

Espírita desde 1994, natural de Barbacena (MG) e atualmente residente em Pirassununga (SP), com Licenciatura em Pedagogia e Consultor em Desenvolvimento Humano, Nelson Xavier da Silva (foto)é Oficial da Aeronáutica e ativo participante do Grupo de Estudos Espíritas Allan Kardec, na cidade onde reside. Coordenador de estudos e palestrante espírita, fala-nos sobre a obra do cientista William Crookes, cujo centenário de desencarnação verificou-se em abril deste ano.

Considerando o centenário de desencarnação de William Crookes ocorrido este ano, situe para o leitor esse importante vulto da história humana.

Sir William Crookes, químico inglês, que também foi um dos mais persistentes pesquisadores dos fenômenos espirituais, nasceu em Londres no dia 17 de junho de 1832 e desencarnou em 4 de abril de 1919, na mesma cidade. Depois de assumir a cadeira de química na Universidade de Chester, descobriu os raios catódicos, isolou o Tálio, descobriu a aparente ação repulsiva dos raios luminosos, o que o levou à construção do Radiômetro, desenvolveu sérios trabalhos sobre a medida da intensidade da luz e engenhosos instrumentos: o fotômetro de polarização e o microscópico espectral, e descobriu também o quarto estado da matéria, o estado radiante, além de fazer relevantes descobertas no campo da física e da química. Entrementes, para nós espíritas, seu trabalho foi sem igual. Intentado inicialmente a demonstrar os equívocos que supostamente envolviam os fatos espíritas, dedicou-se com afinco à observação dos fenômenos mediúnicos e realizou inigualável trabalho para a ciência espírita, demonstrando a veracidade daquilo que parecia improvável ou fraudulento. Mesmo sobre o açoite da zombaria, permaneceu firme em seus apontamentos sobre os fatos espíritas.

O importante livro Fatos Espíritasnarra as experiências do ilustre cientista. Que aspecto do livro destaca para o leitor?

Sabe-se que em 1869 os médiuns J.J.Morse e Sra. Marshall serviram de instrumento para que Crookes realizasse suas primeiras investigações, mas foi com a médium Florence Cook, quando obteve as materializações do Espírito que dava o nome de Katie King, que William Crookes alcançou as mais notáveis experiências mediúnicas, fato que abalou o mundo científico da época. Quando um homem, reconhecidamente voltado para ciência, se dedica com seriedade e método para escancarar a verdade e chega à conclusão de que as aparições, as visões, as materializações, enfim as comunicações com o mundo invisível, são algo real e possível, fortalecem-se os laços da fé. Já não é apenas o aspecto místico e religioso que se destaca, mas sim a ciência humana que começa a tirar o véu das realidades espirituais. O livro destaca os métodos usados na pesquisa dos fenômenos produzidos pela médium de efeitos físicos Florence Cook, o desenvolvimento de teorias que visavam explicar o fenômeno, bem como a opinião de outros pesquisadores. Podemos destacar no livro a forma detalhada com que o pesquisador demonstra seu método e toda a sua preocupação em cercar o fenômeno e impedir que ali houvesse fraude.

Qual a relação das pesquisas com o então momento histórico da época?

Crookes, tanto quanto Kardec, foi contemporâneo do Positivismo de Auguste Comte (corrente filosófica que busca explicar as leis do mundo social com critérios das ciências exatas e biológicas) e de certa forma sofreu influência do pensamento de sua época. No momento em que a religião começava a decair em descrédito e o próprio “Deus é morto pelos homens”, havia votos de confiança para os apontamentos científicos. Começou-se a crer que só os fenômenos explicados à luz da razão podiam ocupar o tempo dos homens de ciência. Por isso, a constatação dos fenômenos mediúnicos, usando métodos embasados no Positivismo, ganharia mais respeito da comunidade acadêmica à época. Evidentemente, o trabalho sério de cientistas como William Crookes ajudou na propagação das ideias espíritas.

Que critérios utilizou o cientista em suas pesquisas?

William Crookes se dedicou fervorosamente, entre 1870 e 1874, às pesquisas psíquicas, investigando os mais diversos tipos de fenômenos espirituais (materialização, suspensão de objetos, aportes, escrita direta e outros) e utilizando-se da contribuição voluntária dos médiuns mais famosos de seu tempo (Kate Fox – uma das famosas Irmãs Fox, Florence Cook e Daniel D. Home). Contudo, foi investigando os fenômenos produzidos pela médium Florence Cook por três anos que colheu os registros mais importantes e excepcionais sobre a realidade espiritual. Diz Crookes que a convicção de Florence Cook sobre suas capacidades mediúnicas a fez aceitar sem problemas as rigorosas condições do pesquisador, que, por sua vez, exigia: "as manifestações devem ser na minha casa, em frente do grupo de pessoas que eu selecionarei, sob minhas condições". As sessões eram feitas no escuro, para facilitar o chamado fenômeno de ectoplasmia, mas ocasionalmente se dava sob uma luz vermelha, quando para obtenção de fotografiasCrookes, além de seus familiares e outros pesquisadores de sua confiança, pôde constatar as diferenças físicas entre a médium e o espírito materializado (pele, mãos, altura, cicatrizes, vestuário, cor de cabelo, marcações no corpo etc.) e registrar a materialização do espírito através de câmera fotográfica. O pesquisador analisou as pulsações cardíacas e também auscultou o coração da médium e de Katie King materializada. Ao analisar os pulmões das duas, verificou que os de Katie mostraram-se mais sãos do que os da médium, pois, no momento da experiência, a Srta. Cook seguia tratamento médico por motivo de grave bronquite. William Crookes presenciou a despedida do espírito materializado com a médium fora do transe mediúnico. Ambas eram visíveis ao mesmo momento, o que descarta a desconfiança de que a médium pudesse assumir o papel da forma espiritual materializada.

Fale sobre o espírito alvo das pesquisas?

Katie King dizia ter sido filha, em uma outra reencarnação, de Henry Owen Morgan, que se comunicava com o nome de John King (célebre pirata do Caribe e que foi feito cavalheiro e nomeado governador da Jamaica por Charles II). John King afirmava que Annie Owen Morgan (o verdadeiro nome de Katie King) era uma de suas filhas ilegítimas. Katie King era vista quase que diariamente pela médium. Era uma habitante permanente da casa dos Cook. Segundo relatos, era uma linda jovem, que William Crookes conseguiu fotografar quarenta vezes. A jovem Florence Cook tinha apenas 15 anos de idade quando se apresentou para servir de medianeira para as pesquisas científicas que vinha realizando. No dia 22 de abril de 1872 aconteceu, pela primeira vez, a materialização de Katie King, estando presente na sessão a genitora, alguns irmãos da médium e a criada. Na sua obra "Fatos Espíritas", ele faz completo relato de todas as experiências realizadas com o Espírito materializado de Katie King, o que não deixa dúvida quanto ao poder extraordinário que possui o Espírito de dar ao seu duplo a forma desejada, utilizando a matéria física.

Como foram essas pesquisas de Crookes?

Podemos destacar o espírito investigador com que Sir William começou sua empreitada: “Tem-se lançado em rosto dos homens de ciência a sua pretensa liberdade de opinião, quando sistematicamente se recusam a fazer uma investigação científica sobre a existência e a natureza de fatos sustentados por tantos testemunhos competentes e fidedignos, e os convidam a um exame livre, onde e quando quiserem. Por minha parte dou muito valor à pesquisa da verdade e à descoberta de qualquer fato novo na Natureza, para me insurgir contra a investigação apenas por parecer que ela se choca com as opiniões predominantes”.*

Baseado com todo rigor científico de sua época, utilizou-se então de todos os meios para se evitar fraudes. A narrativa de Alexandre Aksakof nos fornece uma ideia do mecanismo utilizado para se medir a idoneidade do experimento: “Para ter certeza de que a Srta. Cook estava no interior do gabinete, durante o tempo em que Katie se apresentava diante dos assistentes fora dele, o Sr. Varley 
concebeu a ideia de fazer atravessar o corpo da médium por uma fraca corrente elétrica, durante todo o tempo em que a forma materializada estivesse visível, e de fiscalizar os resultados, assim obtidos, por meio de um galvanômetro colocado no mesmo aposento, fora do gabinete. 
(...) O menor deslocamento dos polos da bateria, que estavam fixados aos braços da Srta. Cook por borrachas, teria inevitavelmente produzido uma mudança na força de resistência oferecida pelo corpo da médium. Ora, foi nessas condições que a figura de Katie apareceu várias vezes na abertura da cortina, mostrou as mãos e os braços, depois pediu papel e lápis e escreveu à vista dos assistentes. (...) se as moedas e o papel mata-borrão tivessem sido deslocados para as espáduas, de maneira a ficarem libertados os braços da médium, o trajeto percorrido pela corrente elétrica, no corpo dela, teria sido diminuído pelo menos de metade e, por consequência, a resistência oferecida pelo corpo da médium teria também diminuído de metade”.

Que repercussões tiveram?

Charles Richet divide a evolução histórica dos fenômenos parapsíquicos no Ocidente em quatro períodos e chama o quarto de Período Científicoque se inicia a partir de 1872 com as pesquisas de William Crookes, subdivididas em: período metapsíquico (1872 a 1930) e período parapsicológico (de 1930 aos dias atuais). O trabalho de Crookes abriu as portas para uma nova fase da pesquisa sobre a vida imortal. A comunicação com os mortos virou ciência e a nova doutrina fascinou o meio intelectual, artístico e científico injetando novo ânimo para uma nova perspectiva de vida. Segundo os estudos de Eliana Moura Silva, As Pesquisas Psíquicas Pós Kardec: Muitas dessas reuniões de estudos realizavam-se em centros de pesquisas e laboratórios e os convidados eram pessoas credenciadas pela comunidade intelectual e científica. Um exemplo foram as 43 sessões organizadas pelo Instituto Geral Psicológico de Paris nos anos 1905, 1906 e 1907, com a médium Eusápia Paladino, que incluíram, na sua assistência, Bergson, o casal Curie e Debierne, o reitor da Sorbonne. Embora muitos dos assistentes do meio científico não ficassem convencidos, um grande número confessou a sua adesão!”

De seus estudos sobre esse tema, o que mais lhe chama atenção?

É importante notar que havia uma expectativa muito grande do mundo científico – criada a partir do anúncio do Quartely Journal, em que declaravam que Crookes iria dedicar-se aos fenômenos denominados espíritas – na esperança que o eminente cientista pudesse desmascarar a crendice instituída por estes ditos espíritos. Contudo, seguindo na contramão do que se esperava, o pensamento científico de Crookes cedeu ao incontestável e ele afirmou a autenticidade dos fenômenos espíritas. Após as primeiras publicações das observações do eminente cientista, que observou, pesou, mediu, registrou, houve, por parte de alguns, a aceitação imediata, enquanto outros mantiveram-se na negação insistente e nos ataques de reprovação ao trabalho de William Crookes. A persistência em busca da verdade, mesmo diante da insatisfação de muitos, mostra o caráter sério do professor William Crookes. Quantos abandonaram a divulgação da verdade para serem aceitos nos meios em que ansiavam serem valorizados? Apresentar uma verdade que se oponha ao que a massa aceita, traz sérias consequências, cuja reparação só virá com o decurso do tempo.

Você considera que as pesquisas narradas no livro citado acima repercutiram efetivamente no meio científico, inclusive nos dias atuais?

Sim. Sua repercussão foi inegável, tanto é que muitos cientistas se dedicaram aos estudos do fenômeno espírita, após Crookes. Percebo que, embora ainda haja muita descrença e pouca coesão nos estudos científicos dessas matérias, há indivíduos sérios em busca da verdade. Acredito que o tempo irá nos indicar o caminho, corrigindo os erros e nos ajudando a valorizar os acertos de nossa acanhada ciência. Também reafirmo essa crença, com fundamento na promessa do Mestre Galileu: Buscai e achareis... Quando um cientista de renome se dedica aos estudos dos fenômenos espirituais afirmando a sua veracidade, a curiosidade, o desejo de desmascarar (ou afirmar) a existência do mundo extrafísico, ou até mesmo a vontade de aplicar seus próprios métodos, faz com que outros cientistas se dediquem à investigação de tais fenômenosEstudos acadêmicos tentam demonstrar a relação da fé na cura de doenças, a ação benéfica dos passes, a existência da alma, a aparição de seres extracorpóreos, a comunicação mediúnica ou até mesmo identificar apontamentos realizados pelos espíritos nas últimas décadas, muito à frente de seu tempo, e que na modernidade somos capazes de verificar a sua veracidade.

Qual a principal lição que podemos tirar das citadas experiências?

Para mim, vejo a necessidade de ressaltar os ensinamentos de O Livro dos Espíritos“As comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo, só são dadas nos centros sérios, onde reine íntima comunhão de pensamentos, tendo em vista o bem!” e ainda reforçada pelo seguinte pensamento exarado no livro citado: “Acrescentemos que o estudo de uma doutrina, qual a Doutrina Espírita, que nos lança de súbito numa ordem de coisas tão nova quão grande, só pode ser feito com utilidade por homens sériosperseverantes, livres de prevenções e animados de firme e sincera vontade de chegar a um resultadoEssas experiências demonstram para os homens sérios a realidade do Mundo Espiritual, a existência dos espíritos e a possibilidade de comunicação entre ambos os mundos. É algo que nos acalenta o coração, pois nos traz a esperança do reencontro com os entes queridos, a possibilidade de continuar nos melhorando no além, de aprender sobre as Leis Naturais do Universo.

Que homenagem podemos prestar ao notável pesquisador neste ano em que se celebra o centenário de sua desencarnação?

É grato ao coração lembrar que, mesmo sobre a injunção do sarcasmo, da ironia e da perseguição realizada pelos inimigos do Espiritismo e da verdade, Crookes permaneceu fiel ao seu papel de cientista. Faz-me entender, que temos um compromisso moral com nossa consciência e não com a opinião que outros formarão sobre nós. William Crookes foi um homem honesto, destemido, perseverante e alguém que se comprometeu com o bem – um verdadeiro exemplo a ser seguido. Seu discurso na Associação Britânica pelo Avanço da Ciência em 1898 merece destaque: “Trinta anos se passaram desde que publiquei um relatório de experiências tentando mostrar que, além do conhecimento científico que possuímos, existem forças exercidas por inteligências diferentes da inteligência comum dos mortais... Nata tenho a me retratar. Confirmo minhas declarações já publicadas. Na verdade, muito teria que acrescenta a isso!”

Tenho certeza, pois, que onde ele estiver estará carregando a certeza da missão cumprida. Seu legado continua e nós possamos imitar suas virtudes. Cabe-nos dizer: - Sir William Crookes, muito obrigado por seu tempo e sua dedicação. Que a verdade seja a nossa meta e que o Senhor da Vida nos abra os horizontes da mente e do coração para que possamos nos expandir em busca do infinito.

Suas palavras finais.

Primeiramente tenho que agradecer a oportunidade desta entrevista, recordando que nas minhas primeiras horas do estudo do Espiritismo as pesquisas realizadas por Crookes me deram forças e a certeza da imortalidade da alma e a possibilidade da comunicação com os ditos mortos. William Crookes, ao constatar que os casos pesquisados por ele eram verídicos e inegáveis, acabou por se render aos fatos, tornando-se espírita e afirmando: - "Não digo que isto é possível; digo: isto é real!"

 

 *A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle, cap. 11.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita