Por que as palestras espíritas
estão “chatas”?
Acompanhamos o movimento espírita brasileiro há
mais de 20 anos. Nesse ínterim assistimos a
muitas palestras e participamos de algumas. Com
a internet, tem sido possível acompanhar
expositores que se tornaram famosos pela
qualidade de suas palestras, sejam em termos de
conteúdo ou pela capacidade expositiva.
Para fazer exposição, palestra ou apresentação
em público, o primeiro quesito é “querer”. Se há
uma predisposição no indivíduo para falar em
público, há uma grande chance desta habilidade
ser desenvolvida naturalmente. Outros, porém,
não gostam de falar em público, apesar de terem
algum conhecimento doutrinário.
Outros mais, com profundos conhecimentos
doutrinários, não eram muito afeitos a falar em
público. É o caso do saudoso escritor e grande
pesquisador espírita, Hermínio C. Miranda. Em
1995 ele participou do segundo Congresso
Espírita promovido pela Federativa do Espírito
Santo. Assim que assumiu o microfone ele disse
algo parecido com: “lamento informar às senhoras
e senhores que vocês não encontrarão nesta
palestra o escritor” (ou algo parecido). A
desenvoltura na fala era muito diferente da
desenvoltura como escritor. Sua palestra foi
excelente, porque era característica dos mais
antigos escrever as palestras!
No exemplo do Hermínio C. Miranda, outro ponto
importante surge. A preparação. Uma vez definido
o tema e as referências bibliográficas
sugeridas, é importante que o expositor construa
sua palestra de acordo com o que foi anunciado.
Palestrantes, na atualidade, no afã de tornarem
suas palestras agradáveis, colocam títulos
sugestivos e, quando começam o estudo, abordam
quase tudo, contam piadas (compreensível e
cabível, sim!), mas não constroem o estudo de
acordo com o título proposto. É certo, porém,
que o “recorte” da palestra é feito levando em
consideração o conhecimento do expositor,
inspiração para o tema e as dicas que as casas
oferecem para a abordagem. Esse seria um
terceiro ponto importante: metodologia.
É comum, por exemplo, pedirem para falar sobre
“O problema do Ser, do Destino e da Dor”. Título
de uma obra do Léon Denis. O objetivo será falar
sobre a obra? Se sim, seria de bom tom que a
Casa Espírita anunciasse dessa forma: a palestra
é sobre a obra. Essa é uma abordagem. Outra
abordagem pode ser falar sobre a interpretação
que o expositor faz sobre a obra citada. Nesse
caso, a abordagem fica totalmente a cargo do
expositor. Isso pode ser bom, quando o expositor
já fez e possui algum conhecimento aprofundado
sobre a obra. Mas pode ser ruim também quando o
expositor não domina o conteúdo e cria-se
expectativa quanto à sua abordagem. Quem
alimenta expectativa, no caso, é quem agenda a
palestra. O que precisaria ser feito é sugerir a
abordagem para o expositor, sem receios de
melindres.
Outro ponto que cabe atenção é a coerência. O
palestrante é uma pessoa comum, dotada de
qualidades como todos. O que torna um expositor
especial é o conteúdo que ele aborda. “Mas, se
fosse assim, todos que falam sobre o Evangelho,
seriam especiais!” A reflexão é pertinente
porque a diferença está na coerência entre o que
o expositor vive e aquilo que ele fala. Outro
ponto que chama a atenção é a maneira de falar.
Alguns expositores mudam a voz, fazem gestos e
trejeitos tentando dar mais credibilidade àquilo
que dizem, como se somente assim as pessoas
sentissem o quão importante é o que estão
abordando.
A Doutrina Espírita é racional. Muitos
expositores confundem, porém, a racionalidade
doutrinária com a sisudez. Na atualidade, um
grande número de palestrantes, ao falarem sobre
“Allan Kardec” ou o conteúdo de sua obra, tornam
o estudo enfadonho. Por quê? Porque alguns
expositores acreditam que a “pureza doutrinária”
está em recitar textos, parágrafos, capítulos e
livros de Kardec, quando, na realidade, a pureza
é encontrada na aplicação do seu conteúdo, no
uso que se faz daquilo que se aprende, estudando
as obras de Kardec. A internet está repleta de
palestras em que os expositores passam muito
tempo lendo trechos de obras diversas, ao invés
de expor suas interpretações sobre a obra.
Evidentemente, existem momentos em que cabe uma
abordagem assim. Quando? Quando o conteúdo a ser
lido for diferente daquele habitualmente falado,
quando for o cerne do estudo, quando o expositor
deseja desdobrar os ensinamentos contidos
naquele fragmento do texto e outras citações
particulares. Não obstante a necessidade de
preparação, alguns expositores exageram nas
citações de "cor", como se estivessem medindo
conhecimento com o imaginário ou o inconsciente
coletivo: "isso está no capítulo tal, versículo
tal", "questão x, y, z" e assim por diante. A
segurança do conteúdo é transmitida pela forma
como entendemos e não pela citação literal,
ainda que a memória falhe no ato.
Com isso, os palestrantes que citam Kardec – e
muitos só citam mesmo, abordam muito pouco o
conteúdo da obra – criticam aqueles que usam tom
mais leve e por isso cativante para com aqueles
que ouvem e assistem. Nesse ponto, está, talvez,
o aspecto mais importante para não se ter uma
"palestra chata": um estudo apresentado em forma
de palestra não deve ser desenvolvido como se
fosse apresentado apenas para o próprio
expositor. Muitos estudos são chatos porque o
palestrante fala como se todos gostassem da
mesma forma que ele, como se todos fossem
eruditos como ele. Ao assumir a tribuna, o
expositor passa a ser um instrumento dos
Espíritos. Imagine o trabalho que o expositor dá
para os Espíritos quando cisma que a “pureza
doutrinária” só é alcançada citando Kardec,
fechando olhos e ouvidos para outros trabalhos
que podem muito bem caminhar juntos, de mãos
dadas com a obra de Kardec!
Mãos dadas, porque a Doutrina Espírita não se
coloca acima de nenhuma outra. Mãos dadas,
porque não está em disputa “quem é maior” – isso
só existe na mente fechada de alguns
expositores. O mais importante é levar essa
abnegada Doutrina a outros corações que carecem
de incentivo, assim como mostrar o quanto a
Doutrina é atual e dialoga com outros campos do
conhecimento, sem, porém, deixar de ser Doutrina
Espírita. E quando citamos Doutrina Espírita,
falamos no sentido puro da expressão, de acordo
com os pilares construídos por Allan Kardec, a
partir da revelação dos Espíritos Superiores.
Por fim, uma palestra se torna chata quando é
feita apenas de “causos”, quando o expositor
busca apenas concordâncias com sua fala, quando
o expositor quer aparecer mais do que o conteúdo
ministrado, quando o palestrante fala muito alto
ou muito baixo, quando o estudo não é preparado
adequadamente, quando o expositor não tem a
sensibilidade necessária para dosar suas
abordagens, quando o expositor se solta além do
necessário, distraindo as pessoas e não
descontraindo, quando o expositor quer ser o
centro das atenções.
Por um movimento espírita mais leve, menos
aleivoso, mais fraterno e com mais alegria de
ser Espírita!