“Porque vos
digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e dos fariseus, de modo
nenhum entrareis no reino dos céus.” (Mt.,
5:20.)
A justiça dos
escribas e dos fariseus, referida por Jesus, era a aplicação da Lei de Moisés,
que preconizava: “Olho por olho, dente por dente; mão por mão, pé por pé”, e
assim por diante. Em verdade, é uma lei de justiça, baseada, segundo alguns
autores, no Código de Hamurabi, de alguns séculos antes de Moisés.
Inegavelmente, foi um avanço na história humana, pois conscientizava o homem de
que, ao cometer uma agressão a alguém, dava, ao agredido, o direito de retribuir
a agressão na mesma medida.
Jesus, com a
sua autoridade e o seu amor, veio inaugurar uma nova era na Humanidade, A Era da
Misericórdia, conforme está no Sermão da Montanha: “Eu, porém, vos digo: Amai os
vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e
caluniam” (Mt., 5:43). Esses ensinamentos de Jesus foram transcritos e
comentados por Allan Kardec em O Evangelho segundo o Espiritismo,
capítulo 12.
Há pessoas que,
ao ouvirem esse ensinamento maior de Jesus, exclamam: “Amor aos inimigos, isso é
coisa para santos e eu não sou santo. Como vou orar por aqueles que me
perseguem?” Outros não só se sentem incapacitados de orar, como pensam que se
orassem estariam dando forças ao inimigo. Outros, ainda, argumentam que se não
tomarem uma atitude punitiva, os ofensores nunca aprenderão que não devem
prejudicar o próximo...
Entretanto, se
analisado por quem tem “olhos de ver e ouvidos de ouvir”, será fácil verificar
que o ensinamento de Jesus é para todos aqueles que se disponham a se tornar
cristãos...
Amor aos que
não nos querem bem é exatamente o que distingue o ensinamento de Jesus daquele
secularmente conhecido dos Judeus:
“... amareis o
vosso próximo, e odiareis os vossos inimigos.” (Mt., 5:43)
O Mestre é
muito claro quando reforça o ensinamento, para que não fiquem dúvidas: “... se
só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim
também os publicanos?” (Mt., 5:46)
E vai mais
além: “Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é que com isso fazeis mais do
que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos?” (Mt., 5:47) Os pagãos a que se
refere Jesus não eram os não-batizados, conforme seria interpretado hoje.
Pagãos, para os judeus, eram todos os que não partilhavam da sua religião. No
caso, os romanos, os sírios, os gregos. Jesus quis, com isso, evidenciar que
mesmo os outros povos, que não acreditavam em Deus, amavam os seus amigos.
Entretanto, para ser discípulo do Mestre, seria necessário um passo além...
Como se vê,
Jesus não lança o ensinamento como uma máxima abstrata, ou um conceito teológico
para ser repetido no interior dos templos como fórmula mágica, em meio a
rituais, para agradar a Deus. O Mestre ensina que esse é o caminho daqueles que
querem ser seus discípulos. E, para que fique claro, dá exemplos, usando pessoas
da sua época, do convívio cotidiano.
Chamando sempre
as criaturas à reflexão, Jesus lhes diz: “Se a vossa justiça não for mais
abundante que a dos escribas e dos fariseus, não entrareis no reino dos céus.”
(Mt. 5:20). Nessa passagem, vemos que o Mestre concita o homem a transcender os
simples limites da justiça, que até ali era válida: “olho por olho, dente por
dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida,
golpe por golpe.” (Ex, 21: 24 e 25) Assim pensavam e agiam aqueles que se
diziam seguidores de Moisés, que estavam presos unicamente à ideia de justiça.
Como a Natureza
não dá saltos, devemos entender que o primeiro passo para o amor aos inimigos é
não retribuir o mal com o mal. É necessário caminhar por etapas, conforme nos
ensina O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo 12: primeiramente
aprendemos a não deixar que o espinho do rancor e da mágoa entre em nosso
coração. Daí a necessidade da vigilância e da oração. Exercendo a vigilância
sobre nós mesmos, podemos verificar o que estamos guardando em nosso íntimo.
Através da oração, conseguimos, pouco a pouco, expelir o fel da mágoa, do desejo
de vingança e da malquerença. Vamos, assim, procedendo a uma revisão naquilo que
guardamos no coração. Essa limpeza interior é extremamente saudável, pois ao
substituirmos os maus sentimentos por outros bons, estaremos melhorando nosso
ânimo e até a nossa saúde física. Além do mais, não tendo mágoa, amargura,
rancor, azedume dentro de nós, nosso relacionamento com o próximo será cada vez
melhor, pois como nos ensina o Evangelho: “(...) porque da abundância do seu
coração fala a boca.” (Lc., 6:45)
Assim é que
aprendemos a retribuir o mal com o bem. É um processo vagaroso, a ser trabalhado
dentro de nós ao longo dos séculos. Aquela extraordinária capacidade de perdoar,
Gandhi não a recebeu como graça, nem a conseguiu de um dia para o outro. Ele a
desenvolveu através do seu esforço, vida após vida, seguindo o que preceitua o
Evangelho: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens (...)” (Mt., 5:16).
Todos nós temos a luz divina como herança igualmente repartida entre todos os
filhos de Deus. Evoluir significa o esforço do espírito para fazê-la
resplandecer, conforme a recomendação de Jesus.
O perdão, com o
apagamento de qualquer resquício de mágoa, é essencial para o progresso das
criaturas. Ensinando-nos isso, Jesus colocou o esforço de apaziguamento acima de
um ponto alto do culto judeu, que se constituía numa oferenda do sangue de um
animal sacrificado, guardado num vaso e levado solenemente ao altar como oferta
a Deus pela remissão de um pecado cometido. Jesus não critica tal prática, mas
aproveita-a recomendando: “(...) se trouxeres tua oferta ao altar, e aí te
lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali, diante do
altar, a tua oferta e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão, e depois vem
e apresenta a tua oferta”. (Mt., 5:23 e 24)
O Espiritismo,
como doutrina evolucionista, nos ensina que a santificação não se consegue com o
esforço alheio, nem através de rezas, de promessas, nem de graças caídas do céu.
O progresso, a espiritualização da criatura humana, é tarefa individual,
constante, intransferível e consciente. E o Espírito que se detém a colecionar
ofensas recebidas, desejos de revide, ou apenas mágoas, queda-se estacionado na
senda do progresso espiritual.
Guardar mágoa é
armazenar doença espiritual dentro de nós, doença que, na maioria das vezes, se
transforma em doença física. Guardar mágoa é cultivar câncer na alma. Há pessoas
que guardam mágoas como se fossem joias preciosas, conservadas em belos estojos
que facilmente abrem para mostrar aos outros essas agressões recebidas e
“perdoadas”. Essa prática não só lesa a saúde mental, como também a saúde
física. Mágoa é câncer na alma, que, muitas vezes, se torna câncer no corpo
físico. Quem age com sabedoria procura livrar-se da mágoa enquanto está
encarnado, pois se o câncer físico fica na sepultura, o câncer da alma terá de
ser resolvido na vida espiritual.
Outra grave
moléstia espiritual é o remorso. O remorso, precursor do arrependimento, é um
bom passo que deve ser aproveitado aqui na Terra, enquanto estamos encarnados.
Mas há pessoas que pensam estar fadadas a zonas de sofrimento após a morte
porque cometeram determinados erros e esperam resgatá-los em zonas de
sofrimento, no Mundo Espiritual, depois da desencarnação. Na literatura
mediúnica de Chico Xavier há, pelo menos, dois exemplos capazes de nos mostrar
que nem sempre o destino daquele que errou é uma zona de sofrimento.
Na obra Voltei,
do irmão Jacob, psicografada por Chico Xavier, há o relato de um espírito que
estava sendo conduzido, por Bezerra de Menezes, num grupo de
recém-desencarnados, a colônias espirituais organizadas no Bem. Em determinado
momento, um desses espíritos, ao avistar a luz de uma colônia espiritual,
começou a dizer: “Não mereço ir para a luz, pois matei um homem durante a minha
vida na Terra”. Bezerra não se abalou. Apenas solicitou a Jacob que fizesse uma
prece para reequilibrar a caravana.
No livro Falando
à Terra, Abel Gomes (Espírito) diz o seguinte: “Além da sepultura,
continuamos a obra encetada ou somos escravos do mal que praticamos na Terra”.
Nesse longo capítulo intitulado “Notícias”, Abel Gomes relata algo que causa
espanto àqueles que esperam encontrar depois da morte o Umbral descrito por
André Luiz, numa interpretação errônea, uma versão espírita do Purgatório:
“Velho conhecido de minhas relações particulares assassinou certo companheiro de
luta, em deplorável momento de insânia, e, não obstante ver-se livre da justiça
humana, que o restituiu à liberdade, experimentou longo martírio da consciência
dilacerada, entregando-se, por mais de quatro decênios, à caridade com trabalho
ativo pelo bem do próximo. Com semelhante procedimento, granjeou a admiração e o
carinho de vários benfeitores da Espiritualidade Superior, que o acolheram
solícitos, quando afastado da experiência física, situando-o em lugar
respeitável a fim de que pudesse prosseguir na obra retificadora”.
Muitas pessoas,
ainda influenciadas pela ideia do Purgatório que, em verdade, não consta do Novo
Testamento, mas que foi inventado por teólogos no século VI, acham que só o
sofrimento é capaz de redimir o culpado. É um grave equívoco, pois contraria o
ensinamento de Pedro: “O amor cobre a multidão dos pecados” (I Pedro, 4:8).
A Doutrina
Espírita, ao reviver os ensinamentos libertadores de Jesus, traz-nos em sua
literatura mensagens que nos fazem olhar a vida de modo diferente, conforme
ensina Emmanuel na obra Perante Jesus: “toda vez que a Justiça Divina nos
procura no endereço exato para execução das sentenças que lavramos contra nós
próprios, segundo as leis de causa e efeito, se nos encontra em serviço ao
próximo, manda a Divina Misericórdia que a execução seja suspensa, por tempo
indeterminado”.
Jesus iniciou
um novo ciclo da evolução humana, ensinando o caminho para a angelização do
homem, no sentido de transcender os limites da justiça, alcançando aqueles da
misericórdia.