Olga Viaro Capovilla
(1934-2019)
Veio a notícia inesperada logo pela manhã, bem cedo: -
Minha mãe faleceu nesta madrugada enquanto dormia.
A comoção me tolheu e quase não pude falar. D. Olga foi
uma figura marcante na minha vida!
Na minha vida? Ela o foi nas vidas de centenas de
pessoas que acorreram ao seu velório e sepultamento,
gente de todas as classes sociais, pessoas que
unanimemente dizem quanto ela as ajudou no passado.
Como as coisas são... as “coincidências” da vida!
Até hoje não sei como e qual o motivo por que vim parar
precisamente em Vinhedo. Vivia em Fortaleza quando meu
filho - que havia casado e estava morando em São Paulo -
sugeriu que eu viesse para mais junto do casal. Procurei
alguns lugares próximos e, de repente, bateu Vinhedo –
nunca ouvira falar sequer! Procurei on-line e sem saber
a razão vi os Centros Espíritas existentes na cidade. Eu
não era espírita, mas já havia vivenciado alguns
fenômenos mediúnicos ao longo de minha vida, sem sequer
saber o que estava acontecendo exatamente. Na pesquisa
on-line, apareceu o Centro Espírita Paulo de Tarso. Já
em Vinhedo, procurando casa, o corretor me levou para
ver um imóvel e lá conheço a proprietária que estava
lendo um livro no jardim. O vento folheou o livro em
cima da mesa e vi um carimbo do Centro Espírita Paulo de
Tarso. Perguntei ao corretor: - Você conhece este
Centro? Onde fica? Pasmem! Olha a resposta dele: - “Sou
obreiro nesse Centro! Se quiser, eu levo você lá”!
Coincidência, né?
Resumindo, uma tarde, já com a casa comprada e mudança
feita, lá vou eu para o CEPT para ser atendida. Era uma
terça-feira e quem presidia era a fundadora, D. Olga.
Ela me atendeu e depois ficamos conversando por bastante
tempo. Ela me pediu para contar minha vida. De repente,
me abraçou, chorou e me disse textualmente: “Há quatro
anos venho pedindo a Deus e à Espiritualidade que traga
uma pessoa para me substituir um dia na direção desta
Casa. E é você essa pessoa, uma pessoa que diz o que tem
para dizer e não tem medo”.
Fiquei surpresa. Pensei mesmo que algo não estava bem
porque eu não era espírita e não tinha qualquer intenção
de vir a sê-lo.
Mas, pela mão firme de D. Olga, fui introduzida nos
estudos da Doutrina Espírita. E, de cima de minha
arrogância, achei que eu ia tirar de letra, que “aquilo”
seria fácil para mim... Quanta ignorância, meu Deus! Dez
anos se passaram de estudo profundo e eu continuo
dizendo como Sócrates dizia: “Só sei que nada sei”. E,
quanto mais estudo, mais chega para ser estudado.
D. Olga sempre me impressionou muito pela constância e
disciplina no trabalho. Tive o grande privilégio de ser
sua amiga e ficávamos em longas conversas em sua casa,
ou na minha, enquanto ela fazia, a meu pedido, o
“bolinho de chuvisco” como eu, estrangeira, erradamente
dizia, e ela achava graça e ria, e me corrigia: “bolinho
de chuva”, uma delícia. Ela conseguia ser de uma doçura,
mas era muito brava também quando pressentia que no
Centro alguém não estava querendo seguir rigorosamente a
Doutrina Espírita segundo Allan Kardec, ou quando a
disciplina era quebrada. “N” vezes ela me fez prometer
que eu nunca permitiria nada no Centro, a não ser a
pureza dos ensinamentos Kardecistas. Às vezes, saíamos
num “arranca rabo” sobre pontos da doutrina, mas logo
tudo terminava com uma boa risada...
Durante o período em que tive câncer e fiz uma cirurgia
e uma longa quimioterapia, ela pedia a Deus e à
Espiritualidade que me protegessem... Fazia questão de
me dar o passe e, em silêncio, apenas segurava a minha
mão. Meu coração amedrontado e atormentado, feito
“criança pequena”, se acalmava nessas horas.
Em tardes de grande calor, sentávamos na calçada da casa
dela, as duas “adolescentes” de cabelo branco, como dois
cotonetes lado a lado. E foi aí que eu conheci a vida
dessa mulher guerreira, a grandeza dessa Senhora que
dedicou sua vida à propagação da Doutrina Espírita.
Disse-me ela que vinha de família bem humilde e que veio
a alfabetizar-se aos 18 anos. Era católica devota e ia
diariamente à Igreja para rezar. Começou a ter visões
dentro da própria Igreja. O Padre aconselhou-a a
consultar um médico e que isso deveria acontecer porque
ela não se alimentava direito. As visões continuaram e o
Padre aconselhou-a a se afastar da Igreja. Assim o fez,
mesmo contra toda a família católica e o próprio marido.
Foi no Espiritismo que começou a encontrar respostas
para o que lhe acontecia. Resolveu fundar um Centro
Espírita. Havia uma senhora em Vinhedo, D. Mercedes, que
já tinha um Centro Espírita na Barra Funda que se
chamava “Centro Espírita Anjo Ismael”. D. Olga começou
a frequentá-lo e outras senhoras se juntaram a ela.
Quando D. Mercedes saiu por problemas de saúde, chamou
D. Olga, colocou a chave do Centro em sua mão e disse
com simplicidade: “O Centro é seu. Toque-o para frente”.
D. Olga aceitou e ia diariamente ao Centro para ler o
Evangelho, varrer, limpar, organizar e atender uma ou
outra pessoa. Era um Centro muito pequeno. Com o tempo,
o nome e o local foram mudados: Passou a ser Centro
Espírita Paulo de Tarso, fundado em 21 de julho de 1990
e veio para o Jardim Itália. Ele existe há
aproximadamente 30 anos. Seus dons mediúnicos, sua
orientação, o abraço e a palavra carinhosa junto das
famílias pobres foram um bálsamo e a preocupação de D.
Olga com as crianças sempre foi constante.
D. Olga já de idade avançada ainda trabalhava
incansavelmente e, se fosse preciso, vinha a pé de casa
dela para o Centro quando não conseguia uma carona de
alguém. É uma distância grande. Ainda nova fazia isso
frequentemente, fizesse sol ou chuva, lá ia ela a pé. O
marido, excelente homem e pai de família, chegou a dizer
que ela deveria parar. Ela foi peremptória: “Largar eu
não largo e o melhor é você se habituar a este ritmo de
vida”. Ele aceitou numa boa. Mas a idade chegou, como
chega para todos nós, e aqui e acolá a memória começou a
falhar, os assuntos não eram mais claros para ela;
chegou para ficar a confusão mental, começou a
esquecer-se do nome e dos rostos das pessoas e, quando
eu via isto, meu coração doía muito. Chegou o dia em que
não foi mais ao Centro. Serena, olhava com aquele olhar
agora vazio, e um dia, com os olhos nos meus, eu vi um
sorriso aflorar nos seus lábios e um brilho fugaz em
seus olhos. Pensei: - Acho que ela me reconheceu! Mas,
numa fração de segundo, novamente o vago...
Eu acabei saindo do Paulo de Tarso por uns dois ou três
anos, mas saiba a Senhora, D. Olga, que continuo e
continuarei a trabalhar na divulgação da Doutrina
Espírita com base na Codificação de Allan Kardec. Tudo
progride, e tudo se transforma e assim a Doutrina
Espírita também, mas a base, essa, será sempre a de
Allan Kardec e seus ensinamentos.
Eu lhe agradeço por tudo o que me ensinou, pelas
palavras duras que usou para comigo quando necessário
foi, e também por todo o seu amor e carinho como uma
irmã espiritual, tentando me ensinar a ser humilde e
paciente e a fechar a boca que, ainda hoje, parece ter
um motorzinho próprio que não domino quando vejo alguma
injustiça.
Minha querida amiga, descanse em paz, porque - grande
trabalhadora que foi aqui na Terra em prol da Doutrina
Espírita - tenho a certeza de que o será também ao
voltar agora para o seu Lar.
Assim seja!
Nota da Autora:
D. Olga nasceu em Descalvado, SP, em 2 de agosto de
1934, embora seu registro seja de uns meses mais tarde.
Alguns anos depois veio para Vinhedo, onde fez sua vida
e aqui desencarnou no dia 9 de julho de 2019, aos 84
anos. Foi casada com Fioravante Capovilla, de quem
ficou viúva. O casal teve quatro filhos: Luiz Antônio,
Terezinha Maria, Celso Gabriel e Ana Sheila, 07 netos e
6 bisnetos.
Quando D. Olga fundou o “Centro Espírita Paulo de
Tarso”, estava do seu lado um grupo de senhoras e de
casais que muito trabalharam nas tarefas necessárias e
ajudaram no crescimento e na divulgação da Doutrina
Espírita. D. Olga gostaria que elas fossem mencionadas:
Cecília Sterzeck, Rosalina Miatello, Maria Helena
Miatelo de Sotti, Maria Torres Ramos Poterucha e seu
marido Roberto Poterucha, Wilson Monteiro e Maria
Aparecida Monteiro, Maria Rita Mazzante. Outras pessoas
existem, mas me perdoem por não saber seus nomes, e pelo
período de tempo decorrido.
|