A paz de
fora
“Viver em paz não
é viver sem problemas, sem atribulações, sem tormentas.
Viver em paz é viver com a clareza de estar fazendo o
que precisa ser feito.” – Mario Sergio Cortella
Casualmente assistia um trecho de um programa de
televisão onde um grupo de pessoas buscava a paz
meditando ao som emitido por vasilhas de quartzo. Quando
um bastão passava em torno dos recipientes, eles emitiam
um determinado som mais agudo ou mais grave dependendo
da espessura e do formato dos objetos. Fiquei com a
impressão de que aquelas pessoas buscavam, no estímulo
exterior dos variados sons produzidos, introduzir a paz
de fora para dentro de si mesmas como se a música
pudesse expulsar problemas do íntimo para fora, deixando
dentro delas uma ausência total de preocupações.
Talvez a paz ansiada fosse, por exemplo, como a
existência do vácuo absoluto. Paz seria o vácuo absoluto
de problemas a serem resolvidos.
Um Éden interior adormecido e embalado pelo nada a
realizar! Ausência total de qualquer preocupação, o que
contrasta com a definição do filósofo citado no início
do artigo. Para ele, a paz não é a ausência de
problemas, mas a certeza de estar fazendo o que precisa
ser feito.
A paz, dessa maneira, não é estática, é dinâmica. Quando
estamos cumprindo o que nos deve fazer no sentido
construtivo da existência, estamos em paz.
Anos atrás o mundo reverenciou um dos grandes vultos
humanitários na figura de Nelson Mandela. Vida
atribulada, mas sempre buscando fazer o que a sua
consciência lhe ditava. Não viveu na ausência de
problemas. Muito pelo contrário. Só os quase trinta anos
de prisão já foram um atestado gigantesco dessas
dificuldades galhardamente vencidas.
Diz o filósofo Mário Sergio Cortella que algumas
religiões consideram o equilíbrio e o alcance da paz
como estados de ausência de qualquer emoção. Para mim,
equilíbrio não é um ponto estático entre dois opostos,
não é estar no meio. É ir aos extremos e não se perder,
seja na ciência, na religião, na política, nos
experimentos, no erótico. É ser capaz de vivenciar os
múltiplos territórios da vida sem neles se ancorar.
Jesus não teria sido um exemplo absoluto desse ponto de
vista do filósofo? Foi aos extremos sem se perder.
Conviveu com os mais diversos tipos de indivíduos da
escória moral da sociedade da época sem se perder.
Esteve entre os mais diversos tipos de pecadores do povo
e das mais altas autoridades de Roma sem se perder.
Chegou ao sacrifício extremo da própria vida sem se
perder, entregando-se com a mais absoluta confiança
ao Pai no instante final. Viveu Ele na mais absoluta
paz, ou não? Sua vida foi caracterizada pela ausência de
dificuldades ou cada ser com quem conviveu era um
exemplo de um determinado problema que caracterizava a
sociedade de então? Não ficou no meio. Percorreu os
extremos sempre com a mais perfeita lisura que já se viu
sobre o planeta.
Chico Xavier não enfrentou inúmeros e variados
dissabores? No entanto sempre se disse em paz por ter
conseguido dar o recado junto aos homens da sua época
cuja responsabilidade assumiu no plano espiritual, o que
fez de forma esplêndida nos seus noventa e dois anos de
existência física.
O mesmo não se passa com Divaldo Pereira Franco até os
dias atuais já tendo ultrapassado a nona década da
existência física no planeta? Quanta dificuldade teve
que superar para conseguir realizar a sua missão, só ele
mesmo sabe!
Teria Madre Teresa de Calcutá vivido sem problemas
quando decidiu buscar pelos esquecidos da Terra para
envolvê-los na cota imensa de amor que sua alma generosa
era possuidora?
Teria tido uma vida de facilidades a Irmã Dulce na
Bahia?
Kardec na França para codificar a Doutrina Espírita não
enfrentou nenhum tipo de problemas? No entanto, viveu em
paz, porque teve a certeza de estar fazendo o que devia
ser feito.
Joanna de Ângelis endossa essa opinião ao afirmar que
nunca se deve pensar que a paz é ausência de atividade
ou de desafios. Trata-se de uma atitude interior ante os
acontecimentos, uma forma de ver como transcorrem e
nunca uma situação parasitária ou inútil.
Jesus foi enfático ao afirmar que a sua paz Ele deixava
e nos dava, mas não como a dava o mundo. Essa paz do
Cristo é dinâmica. É fruto de uma ação constante, na
qual tenhamos a certeza de estar fazendo o que precisa
ser feito.
O som retirado dos instrumentos de quartzo que o grupo
de pessoas ouvia no programa apresentado na televisão, a
que assisti casualmente, jamais introduzirá a paz de
fora para dentro nas pessoas. Pode servir como um
convite para que nos visitemos interiormente. Mas,
dependendo do que encontrarmos nesse interior que não
gostamos de visitar, continuaremos sem a paz. Isso
porque, conforme nos ensina Joanna, a paz resulta da
consciência sem choque com o inconsciente, que a irriga
de ideais superiores e a estimula às realizações
enobrecidas.