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por Ricardo Orestes Forni

 

A paz de fora


“Viver em paz não é viver sem problemas, sem atribulações, sem tormentas. Viver em paz é viver com a clareza de estar fazendo o que precisa ser feito.” – Mario Sergio Cortella


Casualmente assistia um trecho de um programa de televisão onde um grupo de pessoas buscava a paz meditando ao som emitido por vasilhas de quartzo. Quando um bastão passava em torno dos recipientes, eles emitiam um determinado som mais agudo ou mais grave dependendo da espessura e do formato dos objetos. Fiquei com a impressão de que aquelas pessoas buscavam, no estímulo exterior dos variados sons produzidos, introduzir a paz de fora para dentro de si mesmas como se a música pudesse expulsar problemas do íntimo para fora, deixando dentro delas uma ausência total de preocupações.

Talvez a paz ansiada fosse, por exemplo, como a existência do vácuo absoluto. Paz seria o vácuo absoluto de problemas a serem resolvidos.

Um Éden interior adormecido e embalado pelo nada a realizar! Ausência total de qualquer preocupação, o que contrasta com a definição do filósofo citado no início do artigo. Para ele, a paz não é a ausência de problemas, mas a certeza de estar fazendo o que precisa ser feito.

A paz, dessa maneira, não é estática, é dinâmica. Quando estamos cumprindo o que nos deve fazer no sentido construtivo da existência, estamos em paz.

Anos atrás o mundo reverenciou um dos grandes vultos humanitários na figura de Nelson Mandela. Vida atribulada, mas sempre buscando fazer o que a sua consciência lhe ditava. Não viveu na ausência de problemas. Muito pelo contrário. Só os quase trinta anos de prisão já foram um atestado gigantesco dessas dificuldades galhardamente vencidas.

Diz o filósofo Mário Sergio Cortella que algumas religiões consideram o equilíbrio e o alcance da paz como estados de ausência de qualquer emoção. Para mim, equilíbrio não é um ponto estático entre dois opostos, não é estar no meio. É ir aos extremos e não se perder, seja na ciência, na religião, na política, nos experimentos, no erótico. É ser capaz de vivenciar os múltiplos territórios da vida sem neles se ancorar.

Jesus não teria sido um exemplo absoluto desse ponto de vista do filósofo? Foi aos extremos sem se perder. Conviveu com os mais diversos tipos de indivíduos da escória moral da sociedade da época sem se perder. Esteve entre os mais diversos tipos de pecadores do povo e das mais altas autoridades de Roma sem se perder. Chegou ao sacrifício extremo da própria vida sem se perder, entregando-se com a mais absoluta confiança ao Pai no instante final. Viveu Ele na mais absoluta paz, ou não? Sua vida foi caracterizada pela ausência de dificuldades ou cada ser com quem conviveu era um exemplo de um determinado problema que caracterizava a sociedade de então? Não ficou no meio. Percorreu os extremos sempre com a mais perfeita lisura que já se viu sobre o planeta.

Chico Xavier não enfrentou inúmeros e variados dissabores? No entanto sempre se disse em paz por ter conseguido dar o recado junto aos homens da sua época cuja responsabilidade assumiu no plano espiritual, o que fez de forma esplêndida nos seus noventa e dois anos de existência física.

O mesmo não se passa com Divaldo Pereira Franco até os dias atuais já tendo ultrapassado a nona década da existência física no planeta? Quanta dificuldade teve que superar para conseguir realizar a sua missão, só ele mesmo sabe!

Teria Madre Teresa de Calcutá vivido sem problemas quando decidiu buscar pelos esquecidos da Terra para envolvê-los na cota imensa de amor que sua alma generosa era possuidora?

Teria tido uma vida de facilidades a Irmã Dulce na Bahia?

Kardec na França para codificar a Doutrina Espírita não enfrentou nenhum tipo de problemas? No entanto, viveu em paz, porque teve a certeza de estar fazendo o que devia ser feito.

Joanna de Ângelis endossa essa opinião ao afirmar que nunca se deve pensar que a paz é ausência de atividade ou de desafios. Trata-se de uma atitude interior ante os acontecimentos, uma forma de ver como transcorrem e nunca uma situação parasitária ou inútil.

Jesus foi enfático ao afirmar que a sua paz Ele deixava e nos dava, mas não como a dava o mundo. Essa paz do Cristo é dinâmica. É fruto de uma ação constante, na qual tenhamos a certeza de estar fazendo o que precisa ser feito.

O som retirado dos instrumentos de quartzo que o grupo de pessoas ouvia no programa apresentado na televisão, a que assisti casualmente, jamais introduzirá a paz de fora para dentro nas pessoas. Pode servir como um convite para que nos visitemos interiormente. Mas, dependendo do que encontrarmos nesse interior que não gostamos de visitar, continuaremos sem a paz. Isso porque, conforme nos ensina Joanna, a paz resulta da consciência sem choque com o inconsciente, que a irriga de ideais superiores e a estimula às realizações enobrecidas.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita