Consciência cósmica
“Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar,
tal é a lei.” -
Allan Kardec
Ensinam-nos, quando ainda em tenra idade, mas já capazes
de compreender conceitos aparentemente tão complexos –
não se iludam os ingênuos –, que é no campo do Espírito,
berço dos sentimentos, que acalentamos nossos sonhos,
desejos e, dizemos nós hoje, todas as imperfeições
morais, que somente mais tarde terão as condições
propícias para se manifestarem. E é nesse momento da
vida que seres amorosos – às vezes nem tanto – nos
conduzem, com relativa segurança – às vezes nem sempre
–, a caminhos menos tortuosos, nos propiciando
oportunidades em que possamos desenvolver algumas
potencialidades que garantirão, em fase adulta, a
possibilidade do sustento material e moral.
Ensinam-nos, também, que todos os sentimentos, sejam
eles quais forem, devem, necessariamente, passar por um
filtro para que possamos viver uma vida comunitária,
onde leis sociais regulam as relações entre os homens.
Não nos é facultado, assim, exprimir todos os nossos
sentimentos - sejam eles bons ou maus - sem corrermos o
risco de infringir as leis humanas, não nos importando,
por ora, onde e quando essas leis são praticadas,
podendo, com isso, sofrer severas punições. Esse filtro,
chamam-no razão. Dessa forma, tudo que recebemos e
emitimos deve passar por esse crivo para que, com
equilíbrio, tenhamos nossos direitos respeitados, e
aprendamos a respeitar os do outro.
Avançamos, assim, como que envoltos em uma nuvem densa,
vivenciando situações que nos causam, na maior parte do
tempo, verdadeiro pânico pelo nosso total
desconhecimento do que fazer e como fazer com as
dificuldades que, inevitavelmente, surgem – porque são
partes da própria vida. Somos, ainda, as crianças de
outrora, tateando o mundo ao nosso redor, descobrindo
objetos, ensaiando passos, para aprender, mais adiante,
a dominar o espaço em que vamos nos movimentar. E
lentamente, descobrindo nossos limites, e, com muita
dificuldade e pouca tolerância, o limite do outro;
testando ações e reações – a nossa e a do outro – para
termos a certeza de poder manipulá-las, trazendo algum
benefício para nós próprios. Tentativas de ensaio e
erro, entre nós e o outro, em jogo de aprendizes, onde
imaginar que se pode levar vantagem sempre é perder por
antecipação. Brincadeira de crianças que acreditam ser o
resultado o objetivo final.
Justamente, por não se saber o que fazer e como fazer, é
que permanecemos nessa situação aflitiva de errar e
recomeçar, e errar, novamente, para acertar mais além,
que parece interminável. E, por mais angustiante que
seja esse momento em que nos encontramos, dentro do
processo evolutivo, não poderá ser de outra maneira por
ora. Ainda nos encontramos e nos sentimos como ser dual:
de um lado coração e de outro razão. Um, o berço; outro,
o filtro dos mesmos sentimentos. Confusão natural para
quem busca o Ser Total.
No nosso entendimento, a confusão só se instala na
medida em que há dúvida ou desordem. Sabemos todos que a
criação obedece a Leis Universais, e que, se vemos
desordem na obra divina, ela é apenas aparente, pois
nossa visão não alcança a totalidade dessa criação.
Desconhecemos, quase que totalmente, a perfeita harmonia
entre todos os elementos que estão ao nosso redor – e
isso, para falarmos apenas do mundo material que
percebemos. E se longe estamos de perceber inclusive o
equilíbrio que se faz presente dentro de nós, no nosso
próprio corpo físico, o que dizer, então, da Criação!
Resta-nos, assim, verificar a dúvida.
Parece-nos claro que, à medida que o homem se percebe
ora como razão, ora como coração, não consegue se
encontrar como unidade, como Ser criado para evoluir e
ser feliz. Quase nunca se dá conta de que ambos os
momentos, em alternância contínua na eternidade da
existência, representam partes dessa unidade, e que, por
essa razão, têm a mesma importância no processo
evolutivo. Miríades de oportunidades surgem para que
isso ocorra; mas, pelo fato de não se identificar como
unidade, estabelece-se a dúvida: será uma coisa, ou será
outra? E a confusão instala-se, pois no fundo de sua
consciência, ainda que de forma nebulosa, tem certeza
dessa sua totalidade como Ser. Essa incerteza é
angustiante!
A noção que esse homem parcial tem dessa totalidade, que
não consegue apreender, mas que se percebe como tal,
encontra explicação na ideia de que o germe da árvore
contém a árvore, mas não é ela; dessa maneira, a noção
de ser consciência cósmica – Ser Total – e, portanto,
infinito, está contida na mente desse homem, sem que
seja ela própria essa consciência. Tal conceito, no
nosso entender, nos sugere que a mente - limite temporal
e espacial -, presa a um corpo físico – limite material
– é a representação dela para sua manifestação e
evolução infinitas. Enquanto presa a essa matéria densa,
essa consciência representa uma totalidade relativa – se
levarmos em conta sua capacidade constante de expansão –
de todas as experiências vividas até o presente momento.
O homem ter uma consciência cósmica e não ser a
consciência cósmica é humanamente compreensível e
compreensivelmente humano, na medida em que se
identifica, ainda, como criatura humana pelo que
possui e não pelo que é. Limitações
evolutivas na compreensão da obra divina!...
Lentamente, caminhamos para essa percepção. Movimentos
lentos, ainda, ora em direção à razão – necessidade de
conhecimento -, ora rumo ao coração – necessidade de
sabedoria – a nos possibilitarem avançar sempre, mais
rápidos alguns, mais lentos outros, para o cumprimento
da Lei do Progresso. Destino nosso? Certamente! E, na
verdadeira acepção da palavra, é algo do qual não nos é
dado fugir. Poderemos acelerá-lo, retardá-lo, adiá-lo,
mas evitá-lo... jamais! E quão tolos somos ao tentar
fazê-lo. É da Lei que progridamos e assim será,
queiramos ou não. Retardatários somos todos nessa
caminhada. E ainda bem que somos forçados a caminhar.
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