Eram 23 horas da véspera do Natal, em Uberaba, Minas
Gerais. Noite alta, milhares de pessoas acomodavam-se em
bancos, ou mesmo no chão, em fila de espera da
distribuição de presentes natalinos. Entre cinco e dez
mil pessoas, nem mais, nem menos. Gente miúda, sofrida,
por demais distanciada das elites, sobrevivendo abaixo
do mínimo indispensável, alguns deles rindo por tudo e
por nada. “Será que chove esta noite?” arrisco a
perguntar a uma senhora de 40 anos, enrolada num
cobertor em tiras. “Só Deus sabe. Nós vamos passar a
noite esperando. Chico é o nosso pai.”
Era quase meia-noite de sábado e deveria regressar no dia
seguinte. Enquanto nos despedíamos, ele diz: “Desculpe por me
encontrar como se estivesse na condição de sobrevivente de
Hiroshima”. Achei que ele estava falando de sua precária saúde,
mas não entendi a alusão. Então Chico relembrou uma passagem da
Segunda Guerra Mundial (agosto de 1945) e diz: “Sabemos que ao
explodir a bomba, 70 mil pessoas morreram na hora. A imensa
coluna de fumaça que se adensou sobre a cidade fez com que o dia
virasse noite. Em meio ao tremendo silêncio que se seguiu ao
impacto, chegaram as equipes de socorro em busca de
sobreviventes. Eles vinham com lanternas na mão a iluminar o
rosto dos que gemiam no chão. Conta-se que muitas vítimas, ao
serem atendidas pela equipe socorrista, diziam: - Desculpe por
eu estar ainda vivo e gemendo. E morriam”.
Chico prossegue: “Mas o coração salva, precisamos estar
conscientes dos sentimentos nobres que devemos estimular. Veja o
crescimento da violência nas vilas e cidades. O perdão não tem
crescido igualmente, a tolerância não tem crescido igualmente. É
preciso diminuir essa desigualdade para que possamos viver
melhor”. Mais adiante, conta o seguinte: “Outro dia uma pessoa
da fé umbandista dizia-me que os Espíritos da Umbanda pedem ao
médium um colar e o médium dá. No Kardecismo, dizia a pessoa, a
solução dos problemas custa muito e essa é a diferença entre uma
e outra. Perdão — responde Chico Xavier — no Kardecismo os
Espíritos nos receitam tolerância, perdão, aceitação, e cada um
destes pedidos é apenas uma conta no infinito colar da
Eternidade”.
Do livro Lições de Sabedoria, de Marlene Rossi Severino
Nobre.
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