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por Jorge Hessen

 

Contrastes entre a sinceridade das virtudes e a frieza da apatia


Sabemos que “a virtude no seu grau mais elevado abrange o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso, trabalhador, sóbrio, modesto, são as qualidades do homem virtuoso”. (1) De tanto ver atirados nos entulhos das ruas de Mirassol-SP os livros clássicos da literatura (Machado de Assis, José Saramago e Érico Veríssimo), a virtuosa Cleuza Aparecida Branco de Oliveira, então semianalfabeta e catadora de recicláveis, que sonhava construir uma biblioteca para emprestar livros a pessoas sem condições de comprá-los, conseguiu implantar a biblioteca na associação de catadores da qual participa. O acervo já conta com centenas de títulos que são emprestados gratuitamente aos interessados. (2) Na verdade, uma pessoa simples que possui a virtude realmente digna desse nome não precisa dos estéreis lauréis humanos. “Temos de adivinhá-la, mas ela se esconde na sombra, foge à admiração das multidões (...), deixam-se levar pela corrente de suas aspirações, e praticam o bem com absoluto desinteresse e completo esquecimento de si mesmas.” (3)

A história de Cleuza Aparecida arremessou minhas recordações para os anos 90. Certa vez, executando minhas atividades de fiscal do Inmetro, tive o ensejo de conhecer Luiz Amorim, um incorruptível açougueiro de Brasília. Sua história impressionou-me à época. Contou-me que foi um simples funcionário que conseguiu, com muito sacrifício, comprar o açougue no qual trabalhava. Narrou-me que aos sete anos de idade já trabalhava como vendedor de picolés, engraxate e lavador de carros. Em 1980, aos doze anos, começou a trabalhar no açougue como ajudante.

Em 1987 a empresa foi vendida, mas permaneceu trabalhando por mais sete anos com os novos proprietários, porém estes decidiram vender o açougue. Luiz lançou mão da pouca economia que tinha, complementou com um empréstimo bancário e comprou a casa de carnes. Na condição de proprietário do açougue, providenciou montar uma prateleira com dez livros para emprestar aos fregueses. Seu empreendimento cresceu e virou referência cultural em Brasília - o Açougue Cultural T-Bone.

Atualmente o açougue T-Bone promove atividades culturais. Centenas de milhares de pessoas já participaram das Noites Culturais (shows musicais gratuitos à comunidade). Desde o início do projeto, em 1998, cerca de duzentos artistas no nível de Geraldo Azevedo, Erasmo Carlos, Belchior, Flávio Venturini, Blitz, entre outros, já participaram do evento.

O Açougue T-Bone mantém encontro com escritores de renome da literatura, como Ziraldo, Marina Colasanti, Donaldo Schüller, Nicolas Behr, Frei Betto, Zuenir Ventura, Ignácio de Loyola, entre outros.

Outro singularíssimo projeto cultural de Luiz Amorim é a manutenção de prateleiras de aço instaladas nos trinta e cinco pontos de ônibus da Avenida W3 Norte de Brasília. Cada prateleira contém aproximadamente seiscentos livros organizados por assunto. “Desse modo, o açougue T-Bone tem emprestado diariamente cerca de dois mil livros gratuitamente aos passageiros interessados”. (4)

As façanhas humanas também têm os seus paradoxos, basta compararmos os moldes da vida de Cleuza e Amorim com as atitudes de Gail Posner, uma socialite americana que dividia uma mansão de sete quartos em Miami com sua cadela e mais dois cães. Posner faleceu aos 67 anos e no testamento veio à tona a divisão de bens. À cadela coube a posse do imóvel, no valor de US$ 8,3 milhões, e um fundo de US$ 3 milhões (pasme!). Leona Hemsley, outra magnata de Nova York, deixou um fundo de investimento no valor de US$ 12 milhões para Trouble, sua maltês, e excluiu os netos do testamento.

Analisemos a psicose da bilionária apresentadora de tevê Oprah Winfrey, que reservou US$ 30 milhões de sua fortuna para seus vários cachorros. A cadela da atriz Drew Barrymore deve herdar a casa da atriz, avaliada em US$ 3 milhões. A condessa alemã Karlotta Liebenstein deixou US$ 194 milhões para o pai de Gunther IV, o pastor alemão Gunther III, em 1992. O cachorro morreu e o fundo em que o dinheiro ficou aplicado tem hoje US$ 372 milhões.

Se fôssemos praticantes dos códigos do bem, inexistiriam fatos tão insensatos e aberrações comportamentais quais as heranças para seres irracionais, a guerra do crack, sequestros, a prostituição, a poligamia, a traição, a inveja, o racismo, as inimizades, a tristeza, a fome, a ganância e as guerras. Não depararíamos com pessoas perambulando pelos logradouros, embriagadas, sujas, cabelos desgrenhados, roupas sebentas, catando comida no lixo ou esmolando um pedaço de pão.

Para mudança dessa funesta panorâmica é urgente a prática da mensagem do Cristo. O Evangelho é o medicamento poderoso, o mais seguro para a redenção social, que, se Deus quiser, haverá de penetrar em todas as consciências humanas, como um dia penetrou no desprendimento de Vicente de Paulo, na admirável solidariedade de irmã Dulce, na amabilidade de Francisco de Assis, na soberana renúncia de Teresa de Calcutá, na doce ternura de Chico Xavier e nas equidades de Cleuza Aparecida e Luiz Amorim.

Urge aprendermos a fazer o bem irrestritamente, a fim de pronunciarmos o sereno brado de Paulo de Tarso: "Já não sou quem vive, mas o Cristo é quem vive em mim”. (5)

Somos convidados a exercitar o Evangelho nos diversos domínios da sociedade, porque a vida nos alerta que todos desencarnaremos um dia; entretanto, a forma de nos comportarmos dentro da fronteira berço-túmulo é da nossa livre opção. Por isso, podemos alcançar a sublimação com o simples querer, mas, sempre, movidos por uma fé calcada nas boas obras em favor do próximo como exemplificaram Luiz e Cleuza!

 

Referências bibliográficas:

(1)  Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, A Virtude, ditado pelo Espírito François-Nicolas-Madeleine, Paris, 1863, item 8, Cap. XVII, RJ: Ed, FEB, 2000.

(2)  Disponível  em Boa notícia, acesso 25/07/13

(3)  Idem.

(4)  Disponível em dfcriativa, acesso em 25/07/13

(5)  Gl 2, 20.
 


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita