Contrastes entre a sinceridade das
virtudes e a frieza da apatia
Sabemos que “a virtude no seu grau mais elevado abrange
o conjunto de todas as qualidades essenciais que
constituem o homem de bem. Ser bom, caridoso,
trabalhador, sóbrio, modesto, são as qualidades do homem
virtuoso”. (1) De tanto ver atirados nos entulhos das
ruas de Mirassol-SP os livros clássicos da literatura
(Machado de Assis, José Saramago e Érico Veríssimo), a
virtuosa Cleuza Aparecida Branco de Oliveira, então
semianalfabeta e catadora de recicláveis, que sonhava
construir uma biblioteca para emprestar livros a pessoas
sem condições de comprá-los, conseguiu implantar a
biblioteca na associação de catadores da qual participa.
O acervo já conta com centenas de títulos que são
emprestados gratuitamente aos interessados. (2) Na
verdade, uma pessoa simples que possui a virtude
realmente digna desse nome não precisa dos estéreis
lauréis humanos. “Temos de adivinhá-la, mas ela se
esconde na sombra, foge à admiração das multidões (...),
deixam-se levar pela corrente de suas aspirações, e
praticam o bem com absoluto desinteresse e completo
esquecimento de si mesmas.” (3)
A história de Cleuza Aparecida arremessou minhas
recordações para os anos 90. Certa vez, executando
minhas atividades de fiscal do Inmetro, tive o ensejo de
conhecer Luiz Amorim, um incorruptível açougueiro de
Brasília. Sua história impressionou-me à época.
Contou-me que foi um simples funcionário que conseguiu,
com muito sacrifício, comprar o açougue no qual
trabalhava. Narrou-me que aos sete anos de idade já
trabalhava como vendedor de picolés, engraxate e lavador
de carros. Em 1980, aos doze anos, começou a trabalhar
no açougue como ajudante.
Em 1987 a empresa foi vendida, mas permaneceu
trabalhando por mais sete anos com os novos
proprietários, porém estes decidiram vender o açougue.
Luiz lançou mão da pouca economia que tinha,
complementou com um empréstimo bancário e comprou a casa
de carnes. Na condição de proprietário do açougue,
providenciou montar uma prateleira com dez livros para
emprestar aos fregueses. Seu empreendimento cresceu e
virou referência cultural em Brasília - o Açougue
Cultural T-Bone.
Atualmente o açougue T-Bone promove atividades
culturais. Centenas de milhares de pessoas já
participaram das Noites Culturais (shows musicais
gratuitos à comunidade). Desde o início do projeto, em
1998, cerca de duzentos artistas no nível de Geraldo
Azevedo, Erasmo Carlos, Belchior, Flávio Venturini,
Blitz, entre outros, já participaram do evento.
O Açougue T-Bone mantém encontro com escritores de
renome da literatura, como Ziraldo, Marina Colasanti,
Donaldo Schüller, Nicolas Behr, Frei Betto, Zuenir
Ventura, Ignácio de Loyola, entre outros.
Outro singularíssimo projeto cultural de Luiz Amorim é a
manutenção de prateleiras de aço instaladas nos trinta e
cinco pontos de ônibus da Avenida W3 Norte de Brasília.
Cada prateleira contém aproximadamente seiscentos livros
organizados por assunto. “Desse modo, o açougue T-Bone
tem emprestado diariamente cerca de dois mil livros
gratuitamente aos passageiros interessados”. (4)
As façanhas humanas também têm os seus paradoxos, basta
compararmos os moldes da vida de Cleuza e Amorim com as
atitudes de Gail Posner, uma socialite americana que
dividia uma mansão de sete quartos em Miami com sua
cadela e mais dois cães. Posner faleceu aos 67 anos e no
testamento veio à tona a divisão de bens. À cadela coube
a posse do imóvel, no valor de US$ 8,3 milhões, e um
fundo de US$ 3 milhões (pasme!). Leona Hemsley, outra
magnata de Nova York, deixou um fundo de investimento no
valor de US$ 12 milhões para Trouble, sua maltês, e
excluiu os netos do testamento.
Analisemos a psicose da bilionária apresentadora de tevê
Oprah Winfrey, que reservou US$ 30 milhões de sua
fortuna para seus vários cachorros. A cadela da atriz
Drew Barrymore deve herdar a casa da atriz, avaliada em
US$ 3 milhões. A condessa alemã Karlotta Liebenstein
deixou US$ 194 milhões para o pai de Gunther IV, o
pastor alemão Gunther III, em 1992. O cachorro morreu e
o fundo em que o dinheiro ficou aplicado tem hoje US$
372 milhões.
Se fôssemos praticantes dos códigos do bem, inexistiriam
fatos tão insensatos e aberrações comportamentais quais
as heranças para seres irracionais, a guerra do crack,
sequestros, a prostituição, a poligamia, a traição, a
inveja, o racismo, as inimizades, a tristeza, a fome, a
ganância e as guerras. Não depararíamos com pessoas
perambulando pelos logradouros, embriagadas, sujas,
cabelos desgrenhados, roupas sebentas, catando comida no
lixo ou esmolando um pedaço de pão.
Para mudança dessa funesta panorâmica é urgente a
prática da mensagem do Cristo. O Evangelho é o
medicamento poderoso, o mais seguro para a redenção
social, que, se Deus quiser, haverá de penetrar em todas
as consciências humanas, como um dia penetrou no
desprendimento de Vicente de Paulo, na admirável
solidariedade de irmã Dulce, na amabilidade de Francisco
de Assis, na soberana renúncia de Teresa de Calcutá, na
doce ternura de Chico Xavier e nas equidades de Cleuza
Aparecida e Luiz Amorim.
Urge aprendermos a fazer o bem irrestritamente, a fim de
pronunciarmos o sereno brado de Paulo de Tarso: "Já não
sou quem vive, mas o Cristo é quem vive em mim”. (5)
Somos convidados a exercitar o Evangelho nos diversos
domínios da sociedade, porque a vida nos alerta que
todos desencarnaremos um dia; entretanto, a forma de nos
comportarmos dentro da fronteira berço-túmulo é da nossa
livre opção. Por isso, podemos alcançar a sublimação com
o simples querer, mas, sempre, movidos por uma fé
calcada nas boas obras em favor do próximo como
exemplificaram Luiz e Cleuza!
Referências bibliográficas:
(1) Kardec, Allan. O Evangelho
segundo o Espiritismo, A Virtude, ditado pelo
Espírito François-Nicolas-Madeleine, Paris, 1863, item
8, Cap. XVII, RJ: Ed, FEB, 2000.
(2) Disponível em Boa
notícia,
acesso 25/07/13
(3) Idem.
(4) Disponível em dfcriativa, acesso
em 25/07/13
(5) Gl 2, 20.
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