Encontro ou colisão?
Podemos dizer que nossas vidas diariamente se
encontram. Mas também podemos dizer que, em
muitas situações, se colidem. O que irá situar
em uma ou em outra situação, sempre será o que
fazemos com o que nos acontece, após cada uma
das aproximações experimentadas. Minhas
reflexões foram geradas após a leitura da
reportagem no site Aleteia sobre uma cena comum
de atropelamento que teve um final completamente
incomum. O ocorrido foi em Manaus, onde um
senhor idoso em seu carro atropelou um
motoqueiro. Ladislau, uma terceira pessoa, que a
tudo assistia e gravava com seu celular, contou
que quando o idoso percebeu que com o impacto
tinha jogado ao chão o rapaz, saiu do carro com
as mãos na cabeça, em estado de plena agonia. A
testemunha também relatou, na reportagem, que
imaginou que a ação seguinte da vítima fosse de
maltratar, xingar o causador do acidente. Mas
algo maravilhosamente inusitado aconteceu: o
atropelado se levantou e imediatamente foi ao
encontro do atropelador, para lhe confortar e
abraçar. O idoso chorou copiosamente nos braços
do jovem, que lhe desculpou a falha por
completo. A vítima do acidente quando
interpelada por Ladislau, em lágrimas lhe
explicou que tinha perdido o pai com 8 anos, e
que dava muito valor às pessoas com mais idade.
Ladislau também chorou pois sentiu a verdade
existente nas palavras do rapaz. E foi assim
que, em poucos segundos, em meio à fumaça de
escapamentos, buzinas e olhares que olham, mas
não veem, que o perdão se fez, em sua mais
requintada forma: o perdão no qual o acusado
busca o acusador, para lhe ofertar paz. Não
foram conhecidos os nomes nem da vítima nem do
atropelador. Mas eu pergunto: Isso consegue
diminuir o esplendor do ato de perdão que
aconteceu? De forma alguma. É centelha divina,
que brilha ainda com mais autonomia, devido ao
anonimato de seus atores.
Fazendo um paralelo com os comentários sobre os
primeiros momentos de Jesus após o Calvário,
presentes nas obras Boa Nova e Crônicas do
Além-túmulo, ambos ditados pelo Espírito de
Humberto de Campos e psicografados pelas mãos de
amor de Francisco Cândido Xavier, vemos que
Jesus se dirigiu imediatamente até as zonas
abismais aonde Judas se encontrava, após ter se
enforcado. Jesus, como está relatado no livro de
Maria Dolores, Coração e Vida, na
mensagem Amor e Perdão, sente Judas como
seu amigo, apesar de tudo que este veio a lhe
causar. No livro, consta a seguinte passagem:
“Fui à sombra abismal para a grande procura. E
ao reencontrá-lo estava amargurado e louco, a
ponto de não mais me conhecer. Demorei-me a
afagá-lo, a pouco e pouco, conseguir que ele
enfim pudesse adormecer. Senhor – interrogou
Madalena – Quem é o amigo que te fez descer
antes de procurar a Luz do Pai? Mas Jesus
replicou em voz clara e serena: Maria, um amigo
não esquece a dor do outro amigo que cai. Antes
de me altear à celeste alegria, ao sol do mesmo
amor a Deus em que te enlevas, vali-me após a
cruz, das grandes horas mudas, e desci para as
trevas, a fim de aliviar a imensa dor de Judas”.
Essa passagem demonstra o amor pleno de
misericórdia do Mestre Nazareno.
Quantos de nós já temos esse amor-perdão, que
não se resguarda em dor, mas que se atira cheio
de alegria e esperança sincera em ajudar quem o
feriu? Muito, muito poucos. Porque ainda nos
vitimizamos como medida de proteção. Sem a
vitimização, temos receio de nos vermos
desamparados. Isso, claro, trata-se de uma
inverdade que criamos para nós mesmos, pois
nunca estamos desamparados do amor do Criador,
em qualquer circunstância da vida. Por isso que
a cena acontecida em Manaus, ganha tanta
relevância. É uma joia de fé, que quer nos
recordar sobre o fato de que a brasa do amor
está viva dentro de nossos corações, pulsante,
pronta para acender e nos fazer ascender. “O
espírito, na verdade, está pronto. Mas a carne é
fraca”, já nos dizia o apóstolo Mateus (Mt, 26:
41). Leva-nos a meditar sobre a importância de
vigiarmos e orarmos a fim de nos mantermos em
alerta para o que a vida nos pede quanto aos
bons sentimentos. E olhe que, neste texto, nós
não estamos nem comentando sobre alguma dívida
cármica que porventura possa ter sido resolvida
ali naquele acidente de trânsito. Se
levantássemos esse véu, com certeza daria um
novo artigo. Estamos buscando concentrar nossa
atenção no fato de que Cristo pede que estejamos
vigilantes a todas as situações diárias de
nossos cotidianos, a fim de evitarmos as
colisões que somente nos trazem dissabores e
desafetos para a existência. Ele pede que nossas
vidas se perfaçam em encontros de amor,
independente do que recebamos do outro. Jesus
nos deu exemplo disso ao buscar o encontro de
Sua alma com a de Judas, que tinha acabado de o
trair. De uma colisão entre corpos de Manaus,
surgiu um dos encontros mais lindos que pudemos
testemunhar. O Cristo pede incessantemente a
nossa intervenção transformadora para outra
melhor realidade. Muito mais do que só
transformar o limão recebido em limonada, a
ideia cristã nos impele a partilhá-la com todos,
em abundância! Daí surge o sentimento de
completa fraternidade por quem nos oferta o
limão, entendendo a situação como oportunidade
redentora, eliminando a nossa fixação instintiva
de só observar o que nos sucede de ruim pelo seu
amargor. Pois foi apenas após aquele encontro é
que nos tornamos melhores do que éramos. E isso
nos fará felizes. Reflitamos sobre isso. Porque
isso tem implicações diretas sobre nosso futuro.
O que estamos produzindo como herança de nossos
encontros uns com os outros para o mundo? Como
podemos pensar que o orbe conseguirá adentrar a
paragens regeneradoras de paz, de desprendimento
do que nos torna tão egoístas e orgulhosos, se
individualmente continuarmos aguardando que o
outro faça a parte dele para, com muito custo,
darmos um lânguido e diminuto passo em sua
direção?
Jesus, o divino Rabi, aguarda nossa vontade
resoluta de irmos a tudo o que ainda nos detém o
caminhar, balizados na fé pura em Deus. A
convicção íntima de que quando perdoamos o
ofensor, quando escolhemos não colidir com o
externo estamos nos encontrando com nosso
próprio eu fará parte de nossos corações e
seremos gratos por senti-la. O sol que brilhou
na Galileia se consumiu em vida, uma vida com
tamanha abundância que continua deixando como
legado, até hoje e sempre, a presença do
perfeito amor em cada acontecimento de bondade
que vemos por aí. Que possamos, portanto, querer
ser luz, uma irradiação permanente de alegria,
perdão e esperança, seja qual for a situação em
que nos vejamos envolvidos. Tenhamos sempre em
mente que, a cada colisão que evitarmos, o
Cristo conseguirá dar um passo a mais ao
encontro de nossos corações, nos trazendo, na
justa medida, as capacidades que necessitamos
para realizar o melhor de nós para nós mesmos e
para a humanidade. Avante, amigos! O caminho é
de luz, e o futuro promissor. Basta ofertarmos o
primeiro passo ao encontro d’Ele.