Reflexão sobre as crises
Sabe-se que a sociedade é composta por bons e maus
profissionais, por pessoas com valores altruístas e por
outras que defendem o oposto, que certas classes, mesmo
as minorias, prevalecem e até, numa ou noutra situação,
comandam e controlam as maiorias.
Com efeito, as minorias elitistas, política, economia e
finanças controlam o mundo. Realmente, sem grande margem
de erro e, no caso português, pode-se afirmar que menos
de 1.000 pessoas num universo de mais de 10 milhões
decidem, politicamente, o que entendem ser melhor; que
alguns detentores de grandes empresas controlam as áreas
econômicas e financeiras de um país.
Com as devidas proporções, o mesmo se verifica na escala
mundial. A ilação que se pode extrair é que, quando
existe uma situação de grave crise, a mesma deverá ser
imputada aos respectivos responsáveis pelo controle
político, econômico e financeiro. O inverso, neste caso,
será, igualmente verdadeiro, isto é, se a política, a
economia e as finanças estão de “boa saúde”,
também o mérito será daqueles e, certamente, dos
trabalhadores.
O que interessa é refletir sobre as crises, porque na
abundância todos ganham – as minorias já identificadas e
as maiorias constituídas pelos trabalhadores anônimos:
públicos e privados. Então, o mais desejável é tudo
fazer para se evitarem as crises, porque afinal ganham
todos: os trabalhadores com os seus postos de trabalho
garantidos; salários justos e em dia; o poder de compra
aumenta para todos e os produtos fabricados, financeiros
e outros, melhor e mais rapidamente se escoam. São
verdades tão evidentes que nem Monsieur de La Palisse as
contestaria.
A presente reflexão inspira-se na grave situação que o
mundo vem atravessando (2009-2015) e que os principais
líderes mundiais já reconheceram em várias cimeiras. A
isto acrescem os alertas e as tomadas de decisões que,
unilateralmente, cada país vai adotando, porém, ao que
parece, sem o êxito que se desejaria.
Portugal, país pobre, sem grandes recursos naturais, não
estará nas melhores condições para, por si só, vencer a
crise, não obstante a dialética de alguns interventores
mais otimistas, segundo os quais, à boa maneira
portuguesa, “ainda poderia ser pior”. A pedagogia
e o realismo, nestas circunstâncias, são essenciais. A
verdade e a credibilidade são as melhores armas para o
povo e outros responsáveis lutarem.
É preciso lançar os alertas apropriados, fazer as
críticas que se afiguram pertinentes e justas. Em 17 de
Abril de 2009, o mais alto magistrado do país assumiu a
grande responsabilidade, e inaudita coragem de alertar
os principais intervenientes: políticos, banqueiros e
empresários – para a necessidade de se ultrapassar esta
crise profunda com uma aplicação criteriosa dos
dinheiros públicos. Um alerta pedagógico, assim deverá
ser entendido, e haja a humildade para bem o
compreender, aceitar e aplicar. Tratou-se, também, de um
ato de cidadania, pela participação de tão importante
órgão de soberania.
A cidadania não pode
alhear-se da crise e de tudo quanto respeita e afeta os
cidadãos. É por isso que todos, sem exceção – políticos,
banqueiros, empresários e povo anônimo – tudo devem
fazer para se revelarem verdadeiros cidadãos. As crises
debelam-se por comportamentos autênticos de cidadania.
De resto: «Aprender a ser cidadão implica, também,
que se faça uma apropriação de valores, de códigos de
competências inerentes à conduta democrática em que se
fundamenta, no essencial, o exercício da cidadania.
Sendo, simultaneamente, uma tarefa cognitiva e
socioafetiva, em cuja concretização a pessoa exerce um
papel ativo, tornando-nos cidadãos, adquire uma natureza
desenvolvimental e trata-se de uma tarefa para a qual
concorrem domínios do desenvolvimento psicológico, como
sejam o desenvolvimento cognitivo, estético, moral e
pró-social.» (FONSECA, 2001:27).
Valores, códigos, competências e condutas são,
eventualmente, quatro dimensões para se evitarem as
crises como aquela que, então, (2009-2015) atingiu o
mundo em geral e Portugal em particular. O que se
pergunta é se os responsáveis políticos, banqueiros,
empresários e trabalhadores comungam daqueles valores,
competências e condutas, não no sentido egoísta e
hipócrita dos termos, em proveito próprio, mas com a
abrangência conceptual que lhes é dada universalmente?
Igualmente se coloca questão idêntica a todos aqueles
que, direta ou indiretamente, têm influência nesta
situação, designadamente, gestores, altos funcionários
públicos e toda uma elite, normalmente bem remunerada e
desfrutando de benefícios diversos, legalmente
atribuídos, mas que a esmagadora maioria dos cidadãos
não tem?
O contributo que se pretende aqui deixar para se
diagnosticarem as crises não pretende ser único, nem o
mais eficaz, como, por outro lado, se tem a consciência
de que também não será uma utopia, desde que a partir
dos países, onde já predominam a paz, o
multiculturalismo e a fraternidade, se implementem as
boas práticas dos valores universais constantes da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, códigos de
competência e de conduta, com toda a elite já mencionada
a abdicar de parte dos privilégios que detêm, até porque
tais elites, às vezes, com a cedência de pequenas partes
dos seus rendimentos e benefícios, podem contribuir para
retirar da miséria milhões de cidadãos, pessoas dignas,
tais como aquelas e, também, porque todas estão de
passagem por um Mundo que, afinal, não pertence a
ninguém, nem os próprios bens materiais. Só com o
exemplo das elites é que o povo anônimo compreenderá e
poderá colaborar com mais entusiasmo.
Certamente que muitos cidadãos que hoje sofrem os
efeitos da crise, com mais intensidade, nem sempre
tiveram as melhores oportunidades ao longo da vida;
outros haverá que não quiseram, ou não souberam
aproveitar o que de melhor a vida lhes teria
proporcionado e, ainda, outros terão desperdiçado o que
iam auferindo em atividades, prazeres, aparências e
luxos, que não poderiam durar sempre. Provavelmente, a
maior parte deles, hoje, estará a passar pelas mesmas
dificuldades, portanto, é necessário criar regras para
que todos possam ter os bens materiais de que carecem
para o seu conforto, mas que para isso se esforcem e não
sejam perdulários.
Evidentemente que seria
injusto, e até imoral, que uns tantos trabalhem,
economizem, para depois terem que repartir com aqueles
que são ociosos e esbanjadores. A
sociedade desenvolver-se-á tanto mais quanto mais
trabalho, economia e boa aplicação se fizer dos
respectivos produtos. Portanto, é essencial que ricos e
pobres se consciencializem de que todos devem trabalhar,
cada um no que melhor sabe fazer; que todos têm a
obrigação de economizar e repartir justamente a riqueza
nacional produzida, obviamente, a partir daqueles que
exercem os cargos mais elevados nas administrações
pública e privada.
Como efeito «Estamos todos a remar no mesmo barco e
podemos vislumbrar tempestades ameaçadoras no horizonte.
A violência e as vistas curtas dominam o nosso mundo.
Temos que remar de um modo harmonioso, renunciando ao
ódio, à raiva, ao medo e ao orgulho. É preciso termos
coragem para fazer o que está certo. Temos de amar e
respeitar-nos uns aos outros para vermos e apreciarmos a
beleza e a dignidade inata de todos nós, pois todos nós
somos almas, todos somos feitos da mesma substância. Se
remarmos em uníssono, como uma equipe, então será
possível evitarmos as tempestades e descobrirmos o nosso
caminho de vida para casa.» (WEISS, 2000:17).
O mundo recente (2009-2015) ainda vive muito na base de
alguns sentimentos, que já deveriam ter sido abolidos,
qualquer que seja a civilização, quaisquer que sejam as
razões invocadas por quem pretende justificar tal ou
tais sentimentos – ódio, vingança, inveja, cólera, entre
outros. O mundo, pretensamente civilizado, não pode
permitir que situações degradantes, baseadas naqueles
sentimentos, proliferem ou se mantenham. Até porque
pode-se verificar quão importante são os estudos que
visam aprofundar os valores da cidadania, em qualquer
parte do universo, e em quaisquer setores de atividade.
Torna-se, portanto, incompreensível, para o ser humano
de paz, que luta por um mundo melhor, assistir,
praticamente, todos os dias, ao aumento das mais
variadíssimas crises, com a agravante de serem sempre os
mesmos a suportá-las mais intensamente – os pobres. O
acumular de riqueza em alguns povos, o aumento galopante
da pobreza degradante por uma já inquantificável maioria
pode vir a gerar conflitos graves de ordem social, que
não se sabe como terminarão. Corre-se o risco de se
gerar, na consciência dos mais desfavorecidos, aqueles
sentimentos que acima se identificaram.
Naturalmente que ainda se está a tempo de arrepiar
caminho, independentemente dos efeitos que a crise de
então nos deixou, e que ainda se vivem, ainda que mais
tenuemente, (2009-2019), sendo suficiente que, para tal,
as elites queiram ajudar a resolver a situação de
milhões de pessoas dignas que já podem estar próximo do
desespero, e da antipatia contra aqueles que tudo
possuem mas nada cedem.
É aqui que deve existir bom senso, solidariedade,
fraternidade e caridade porque: «Depois de eclodir, o
ódio não se dissipa, ele apenas cresce e se cristaliza,
corrói e devora nossa essência. Essa inacessibilidade
constante que se estabelece na existência humana pelo
ódio não o torna, porém, nem recluso, nem cego, mas
lúcido e deliberado. A cólera faz perder o juízo, o ódio
exacerbado, a consciência e a capacidade de reflexão de
quem o possui, até alcançar os requintes mais sutis de
perversidade. O ódio nunca é cego, mas, sim,
clarividente.» (HEIDEGGER in: GALI, 2008:23).
O pensamento filosófico sobre a humanidade, os
conflitos, o bem e o mal, a guerra e a paz, a justiça, a
ética e tantos outros assuntos tem milhares de anos,
contudo, parece que o homem não deseja e/ou não quer
aprender as lições do passado, revelando com isso que a
sua inesgotável inteligência, e imensa criatividade, têm
sido superadas por sentimentos que se aproximam do
irracional.
Os estudos, as reflexões, os exemplos de boas práticas
abundam por todo o mundo através da publicação, quase
ininterrupta, de imensa literatura. Ainda assim, as
situações que o próprio homem vem criando, no sentido da
sua própria indignidade, são da mais diversificada
natureza, e não param de aumentar.
As mais prestigiadas organizações mundiais, nas quais se
incluem as não governamentais, de fato tudo vêm fazendo
para que se acabe, ou pelo menos se comece a reduzir
este inqualificável fosso entre ricos e pobres. Portugal
e muitos dos chamados países desenvolvidos, segundo as
palavras dos mais altos magistrados da nação, estudos
científicos e comunicação social, por enquanto, não
serão o melhor exemplo, na medida em que “os ricos
cada vez são mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”.
Esta situação já levou, também, a admitir-se a
possibilidade de um conflito social de consequências
imprevisíveis. É preciso que as elites abdiquem do que
têm em excesso, não pelo que investiram em estudo e
trabalho, mas por funções que têm ocupado, através dos
altos cargos políticos legais, e cedam àqueles que,
continuando a trabalhar, a estudar e a economizar, vivem
numa situação de desemprego, ou com reformas miseráveis
e carregados de dívidas para o resto da vida. A situação
é injusta e é preciso um gesto de boa vontade e de
caridade daqueles que podem dispensar algumas centenas
de euros por mês.
A estratégia, neste momento difícil que o mundo
atravessa, não é de ódio, de vinganças nem de
incriminações, antes, porém, passa por se reconhecer os
erros de cada um, de compreender que alguns podem viver
com um pouco menos, refletir que, um dia, não fixado
pelo homem, e que até pode ser no momento da leitura
desta reflexão, a vida física cessará e toda a riqueza e
benefícios expiram igualmente. O importante é perceber
que: «Cada um de nós detém o poder de ficar como está
ou de mudar para melhor. O passado já passou, e não tem
de ditar o nosso amanhã; o futuro é uma ilusão com a
qual não precisamos nos angustiar. Tudo o que sobra é
esse momento vital chamado hoje, em que podemos aprender
valiosas lições com base no passado, planejar um futuro
melhor para nós e dedicar nossos esforços e capacidade a
tudo o que fizermos» (POLE, 1998:63).
Bibliografia:
BENTO, Paulo; QUEIRÓS, Adelaide; VALENTE, Isabel,
(1993). Desenvolvimento Pessoal e Social e Democracia
na Escola. Porto: Porto Editora.
GALACHE – GINER – ARANZADI, (1969). Uma Escola
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MARQUES, Ramiro, (2001). Professores, Famílias e
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RESENDE, Enio, (2000). O Livro das Competências.
Desenvolvimento das Competências: A melhor Autoajuda
para Pessoas, Organizações e Sociedade. Rio de Janeiro:
Qualitymark.
TOLEDO, Flávio de, (1986). Recursos
Humanos, crise e mudanças. 2ª ed. São Paulo: Atlas.
TRICHES, Ivo José, (2008). “Filosofia versus O Segredo
da Humanidade”, in: Filosofia, Ciência & Vida, S.
Paulo/Brasil: Escala, Ano II, N. 24, p. 51.
WEISS, Brian L., M.D. (2000:17). “A Divina Sabedoria dos
Mestres. A Descoberta do Poder do Amor. Tradução,
António Reca de Sousa. Cascais: Editora Pergaminho.
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