Brasil
por Thiago Bernardes

Ano 13 - N° 645 - 17 de Novembro de 2019

Há 101 anos, em um mês de novembro, Eurípedes Barsanulfo regressou à pátria espiritual

 

A desencarnação de Eurípedes Barsanulfo, que contava na época apenas 38 anos de idade, foi precipitada por uma pavorosa pandemia – a gripe espanhola – que chegou ao Brasil em 1918 e ceifou milhares de vidas. Vitimado pela referida doença, o grande educador faleceu às 18 horas do dia 1º de novembro de 1918, rodeado de parentes, amigos e discípulos.

A gripe o acometeu quando ele assistia os que ela também havia atingido em Sacramento. Ele auxiliava então centenas de famílias pobres.

Chegara ao fim naquela data sua derradeira missão terrena.

Natural de Sacramento (MG), Eurípedes Barsanulfo nasceu em 1º de maio de 1880. Filho de Hermógenes Ernesto de Araújo e Jerônima Pereira de Almeida, manifestou bem cedo profunda inteligência e senso de responsabilidade, fruto evidente das conquistas alcançadas em existências passadas.

Desde moço revelara vocação para o ensino, a ponto de seu mestre-escola tê-lo incumbido, quando ainda mero aluno, de ensinar aos próprios companheiros de sala de aula.

Existências anteriores

Fontes ligadas ao médium Chico Xavier dizem que Eurípedes fora, nos primórdios do Cristianismo, a reencarnação do escravo Rufo, um cristão fervoroso citado por Emmanuel no livro Ave Cristo, psicografado pelo saudoso médium de Pedro Leopoldo.

Manoel Philomeno de Miranda refere-se a esse fato no cap. 9 de sua obra Tormentos da Obsessão, psicografada por Divaldo Franco. Na personalidade de Rufo, o notável Espírito abraçara o martírio nas Gálias lugdunenses, assinalando o seu sacrifício com coragem e fé inamovível.

Conforme o livro Tormentos da Obsessão, após inumeráveis existências, todas elas profícuas, o missionário renasceu em Zurique, no ano de 1741, com o nome de Johann Kaspar Lavater, manifestando desde muito jovem acentuado pendor místico, que o levou através dos anos à adoção da religião dominante, na área do protestantismo.

Havendo sido ordenado pastor, contribuiu grandemente para a divulgação do pensamento cristão desvestido de qualquer dogmatismo ou paixão de seita. Orador incomum e pensador profundo, com imensa habilidade para desenovelar Jesus dos símbolos neotestamentários em que fora sitiado pelos Concílios e interesses subalternos das religiões do passado, seus sermões atraíam grande público, especialmente porque, àquela época, ele apoiava as ideias novas que se alastravam pela Suíça, vindas da França.

Logo depois, porque a Revolução Francesa extrapolasse na difusão das teses materialistas, favorecendo o racionalismo absoluto, colocou-se contra o absurdo da negação de Deus e da imortalidade da alma, permanecendo vinculado às correntes místicas e sentimentais, nas quais melhor identificava Jesus e seus propósitos de amor para com a Humanidade.

Suas reminiscências de outras existências, de sacrifício e dedicação à fé cristã, tornaram-no admirado e respeitado. Exilado para a Basileia, pela sua lealdade ao pensamento cristão original, permaneceu devotado ao apostolado, retornando, mais tarde, quando foi ferido numa das lutas pela tomada da cidade por Massèna, no ano de 1799, de cujas consequências veio a desencarnar em 1801.

Como Eurípedes tornou-se espírita

Na fase anterior à sua adesão ao Espiritismo, Eurípedes foi secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo, tendo participado ativamente da fundação do jornal Gazeta de Sacramento e do Liceu Sacramentano.

Por meio de um dos seus tios, Mariano da Cunha - de quem recebeu de presente o livro Depois da Morte, de autoria de Léon Denis -, Eurípedes tomou conhecimento da existência dos fenômenos espíritas e das obras da Codificação Kardequiana. O tio fazia parte do grupo de pessoas que estudavam o Espiritismo na fazenda Santa Maria, localizada a cerca de 14 km de Sacramento.

Na sexta-feira da Paixão do ano de 1904, Eurípedes Barsanulfo foi assistir a uma sessão espírita na Fazenda Santa Maria. O fato é narrado por Corina Novelino no livro Eurípedes, o Homem e a Missão.

Encantado com o que viu, ele voltou dias depois a Santa Maria, onde assistiu a nova sessão. Na ocasião, recebeu de Vicente de Paulo (Espírito) uma mensagem que o convocava a assumir a doutrina espírita. "Meu filho, as portas de Sacramento vão fechar-se para você. Os amigos afastar-se-ão. A própria família voltar-se-á. Mas não se importe. Proclame sempre a Verdade, porque, a partir desta hora, as responsabilidades de seu Espírito se ampliarão ilimitadamente", dizia-lhe a mensagem.

Retornando a Sacramento, ele foi até o vigário da Igreja Matriz onde prestava sua colaboração e desligou-se da congregação Vicente de Paulo, colocando à disposição o cargo de secretário da Irmandade.

A partir daí voltou-se totalmente para as atividades espíritas, pesquisando e estudando, por todos os meios e maneiras, até desfazer totalmente suas dúvidas.

Como a mensagem previra, foi incompreendido pelos amigos e familiares, mas persistiu lecionando e incluiu, entre as matérias, o ensino do Espiritismo, provocando reação em muitas pessoas da cidade, sendo procurado pelos pais dos alunos, que chegaram a oferecer-lhe dinheiro para que voltasse atrás quanto à nova matéria. Diante de sua recusa, os alunos foram retirados um a um.

Na atividade mediúnica

As pressões e perseguições que recebeu afetaram-lhe a saúde, a tal ponto que Eurípedes teve de retirar-se para tratamento e recuperação em uma cidade vizinha, época em que lhe desabrocharam várias faculdades mediúnicas, em especial a de cura.

De volta a Sacramento, um dos primeiros casos de cura ocorreu, justamente, com sua mãe, que, uma vez restabelecida, tornou-se valiosa assessora em seus trabalhos.

As faculdades mediúnicas desenvolveram-se de forma notável, espontânea e multiforme. Vidência, psicofonia, psicografia, curas, receituário e efeitos físicos foram surgindo e tornando-se habituais em sua vivência.

Os inúmeros fenômenos fizeram com que fossem atraídas para Sacramento centenas de pessoas de outras regiões, as quais eram por ele atendidas, de modo que ninguém saía dali sem algum proveito, obtendo, no mínimo, o lenitivo da fé e a esperança renovada.

A capacidade de desdobramento era tão comum em sua vida, que ele conseguia atender enfermos que se encontravam em outros locais, entrando em transe e indo, em espírito, aonde os doentes se encontravam.

Divulgação e trabalho no bem

Percebendo que era necessário divulgar o Espiritismo, Eurípedes fundou em 1905 o Grupo Espírita Esperança e Caridade, tarefa na qual foi apoiado pelos irmãos e alguns amigos, passando a desenvolver trabalhos interessantes, tanto no campo doutrinário, como nas atividades de assistência social.

Tempo depois, sob a orientação de Bezerra de Menezes, fundou a Farmácia Espírita Esperança e Caridade, que era totalmente gratuita e cuja manutenção fazia-se com seu próprio salário e a ajuda espontânea de confrades abastados.

A farmácia contava, ainda, com laboratório próprio e Eurípedes adquiria os medicamentos homeopáticos e o instrumental necessários nas melhores firmas especializadas do ramo, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em nenhuma de suas atividades visava retorno pecuniário.

Recebia milhares de cartas, oriundas de todo o Brasil, trazendo solicitações de enfermos do corpo e do espírito. Em cada uma Eurípedes apunha receitas ou orientações de Bezerra, conforme a circunstância. Diariamente, eram enviados, para numerosas cidades do território nacional, pelos Correios, sob registro, centenas de remédios manipulados na farmácia.

No dia 1º de abril de 1907 Eurípedes fundou o Colégio Allan Kardec.

A instituição tornou-se verdadeiro marco no campo da educação, ensinando, entre outras disciplinas, Astronomia e Fundamentos da Doutrina Espírita.

O educandário tornou-se conhecido em todo o Brasil, tendo funcionado ininterruptamente desde a sua inauguração, com a média de 100 a 200 alunos, até o dia 18 de outubro, quando foi obrigado a fechar suas portas por algum tempo, devido à grande epidemia de gripe espanhola que assolou nosso país.

Perseguição religiosa

Com o fortalecimento do movimento espírita em Sacramento e na região próxima, o clero católico reagiu, inicialmente de forma velada, e logo depois de forma aberta, desenvolvendo uma campanha difamatória contra Eurípedes e o Espiritismo.

Eurípedes defendia suas ideias por meio das colunas do jornal Alavanca, discorrendo principalmente sobre o tema: "Deus não é Jesus e Jesus não é Deus", com argumentação abalizada e incontestável.

Diante dos acontecimentos, a Igreja enviou a Sacramento, direto de Campinas (SP), o reverendo Feliciano Yague, famoso por suas pregações e conhecimentos, com a esperança de que as argumentações e convicções dele dariam o golpe derradeiro no movimento espírita da cidade. E foi com esse objetivo que o referido padre desafiou Eurípedes para uma polêmica em praça pública. O desafio foi aceito.

No dia marcado, o padre Yague iniciou suas observações insultando o Espiritismo e os espíritas, aos quais definiu como sendo "doutrina do demônio e seus adeptos, loucos passíveis das penas eternas".

Eurípedes aguardou serenamente a oportunidade de falar, iniciando com uma prece sincera, humilde e bela, implorando paz e tranquilidade para uns e luz para outros, tornando o ambiente propício para inspiração e assistência do plano maior e, em seguida, iniciou a defesa dos princípios nos quais se alicerçavam seus ensinamentos.

Com delicadeza, lógica, e dando vazão à sua inteligência, descortinou os desvirtuamentos doutrinários apregoados pelo reverendo, sendo apoiado de forma alegre e ruidosa pela multidão. Ao terminar, reconhecendo o estado de alma do reverendo, Eurípedes aproximou-se dele e abraçou-o fraterna e sinceramente.

 

Nota do Autor:

Para saber mais sobre o grande educador, leia o artigo “A conversão de Eurípedes Barsanulfo ao Espiritismo”, escrito por Leonardo Marmo Moreira, publicado na edição 309 de nossa revista. Para acessá-lo,  clique aqui


 

 

     
     

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