Há 101 anos, em um mês de
novembro, Eurípedes Barsanulfo regressou à pátria
espiritual
A desencarnação de Eurípedes Barsanulfo, que contava na
época apenas 38 anos de idade, foi precipitada por uma
pavorosa pandemia – a gripe espanhola – que chegou ao
Brasil em 1918 e ceifou milhares de vidas. Vitimado pela
referida doença, o grande educador faleceu às 18 horas
do dia 1º de novembro de 1918, rodeado de parentes,
amigos e discípulos.
A gripe o acometeu quando ele assistia os que ela também
havia atingido em Sacramento. Ele auxiliava então
centenas de famílias pobres.
Chegara ao fim naquela data sua derradeira missão
terrena.
Natural de Sacramento (MG), Eurípedes Barsanulfo nasceu
em 1º de maio de 1880. Filho de Hermógenes Ernesto de
Araújo e Jerônima Pereira de Almeida, manifestou bem
cedo profunda inteligência e senso de responsabilidade,
fruto evidente das conquistas alcançadas em existências
passadas.
Desde moço revelara vocação para o ensino, a ponto de
seu mestre-escola tê-lo incumbido, quando ainda mero
aluno, de ensinar aos próprios companheiros de sala de
aula.
Existências anteriores
Fontes ligadas ao médium Chico Xavier dizem que
Eurípedes fora, nos primórdios do Cristianismo, a
reencarnação do escravo Rufo, um cristão fervoroso
citado por Emmanuel no livro Ave Cristo,
psicografado pelo saudoso médium de Pedro Leopoldo.
Manoel Philomeno de Miranda refere-se a esse fato no
cap. 9 de sua obra Tormentos da Obsessão,
psicografada por Divaldo Franco. Na personalidade de
Rufo, o notável Espírito abraçara o martírio nas Gálias
lugdunenses, assinalando o seu sacrifício com coragem e
fé inamovível.
Conforme o livro Tormentos da Obsessão, após
inumeráveis existências, todas elas profícuas, o
missionário renasceu em Zurique, no ano de 1741, com o
nome de Johann Kaspar Lavater, manifestando desde muito
jovem acentuado pendor místico, que o levou através dos
anos à adoção da religião dominante, na área do
protestantismo.
Havendo sido ordenado pastor, contribuiu grandemente
para a divulgação do pensamento cristão desvestido de
qualquer dogmatismo ou paixão de seita. Orador incomum e
pensador profundo, com imensa habilidade para
desenovelar Jesus dos símbolos neotestamentários em que
fora sitiado pelos Concílios e interesses subalternos
das religiões do passado, seus sermões atraíam grande
público, especialmente porque, àquela época, ele apoiava
as ideias novas que se alastravam pela Suíça, vindas da
França.
Logo depois, porque a Revolução Francesa extrapolasse na
difusão das teses materialistas, favorecendo o
racionalismo absoluto, colocou-se contra o absurdo da
negação de Deus e da imortalidade da alma, permanecendo
vinculado às correntes místicas e sentimentais, nas
quais melhor identificava Jesus e seus propósitos de
amor para com a Humanidade.
Suas reminiscências de outras existências, de sacrifício
e dedicação à fé cristã, tornaram-no admirado e
respeitado. Exilado para a Basileia, pela sua lealdade
ao pensamento cristão original, permaneceu devotado ao
apostolado, retornando, mais tarde, quando foi ferido
numa das lutas pela tomada da cidade por Massèna, no ano
de 1799, de cujas consequências veio a desencarnar em
1801.
Como Eurípedes tornou-se espírita
Na fase anterior à sua adesão ao Espiritismo, Eurípedes
foi secretário da Irmandade de São Vicente de Paulo,
tendo participado ativamente da fundação do jornal Gazeta
de Sacramento e do Liceu Sacramentano.
Por meio de um dos seus tios, Mariano da Cunha - de quem
recebeu de presente o livro Depois da Morte, de
autoria de Léon Denis -, Eurípedes tomou conhecimento da
existência dos fenômenos espíritas e das obras da
Codificação Kardequiana. O tio fazia parte do grupo de
pessoas que estudavam o Espiritismo na fazenda Santa
Maria, localizada a cerca de 14 km de Sacramento.
Na sexta-feira da Paixão do ano de 1904, Eurípedes
Barsanulfo foi assistir a uma sessão espírita na Fazenda
Santa Maria. O fato é narrado por Corina Novelino no
livro Eurípedes, o Homem e a Missão.
Encantado com o que viu, ele voltou dias depois a Santa
Maria, onde assistiu a nova sessão. Na ocasião, recebeu
de Vicente de Paulo (Espírito) uma mensagem que o
convocava a assumir a doutrina espírita. "Meu filho, as
portas de Sacramento vão fechar-se para você. Os amigos
afastar-se-ão. A própria família voltar-se-á. Mas não se
importe. Proclame sempre a Verdade, porque, a partir
desta hora, as responsabilidades de seu Espírito se
ampliarão ilimitadamente", dizia-lhe a mensagem.
Retornando a Sacramento, ele foi até o vigário da Igreja
Matriz onde prestava sua colaboração e desligou-se da
congregação Vicente de Paulo, colocando à disposição o
cargo de secretário da Irmandade.
A partir daí voltou-se totalmente para as atividades
espíritas, pesquisando e estudando, por todos os meios e
maneiras, até desfazer totalmente suas dúvidas.
Como a mensagem previra, foi incompreendido pelos amigos
e familiares, mas persistiu lecionando e incluiu, entre
as matérias, o ensino do Espiritismo, provocando reação
em muitas pessoas da cidade, sendo procurado pelos pais
dos alunos, que chegaram a oferecer-lhe dinheiro para
que voltasse atrás quanto à nova matéria. Diante de sua
recusa, os alunos foram retirados um a um.
Na atividade mediúnica
As pressões e perseguições que recebeu afetaram-lhe a
saúde, a tal ponto que Eurípedes teve de retirar-se para
tratamento e recuperação em uma cidade vizinha, época em
que lhe desabrocharam várias faculdades mediúnicas, em
especial a de cura.
De volta a Sacramento, um dos primeiros casos de cura
ocorreu, justamente, com sua mãe, que, uma vez
restabelecida, tornou-se valiosa assessora em seus
trabalhos.
As faculdades mediúnicas desenvolveram-se de forma
notável, espontânea e multiforme. Vidência, psicofonia,
psicografia, curas, receituário e efeitos físicos foram
surgindo e tornando-se habituais em sua vivência.
Os inúmeros fenômenos fizeram com que fossem atraídas
para Sacramento centenas de pessoas de outras regiões,
as quais eram por ele atendidas, de modo que ninguém
saía dali sem algum proveito, obtendo, no mínimo, o
lenitivo da fé e a esperança renovada.
A capacidade de desdobramento era tão comum em sua vida,
que ele conseguia atender enfermos que se encontravam em
outros locais, entrando em transe e indo, em espírito,
aonde os doentes se encontravam.
Divulgação e trabalho no bem
Percebendo que era necessário divulgar o Espiritismo,
Eurípedes fundou em 1905 o Grupo Espírita Esperança e
Caridade, tarefa na qual foi apoiado pelos irmãos e
alguns amigos, passando a desenvolver trabalhos
interessantes, tanto no campo doutrinário, como nas
atividades de assistência social.
Tempo depois, sob a orientação de Bezerra de Menezes,
fundou a Farmácia Espírita Esperança e Caridade, que era
totalmente gratuita e cuja manutenção fazia-se com seu
próprio salário e a ajuda espontânea de confrades
abastados.
A farmácia contava, ainda, com laboratório próprio e
Eurípedes adquiria os medicamentos homeopáticos e o
instrumental necessários nas melhores firmas
especializadas do ramo, em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Em nenhuma de suas atividades visava retorno
pecuniário.
Recebia milhares de cartas, oriundas de todo o Brasil,
trazendo solicitações de enfermos do corpo e do
espírito. Em cada uma Eurípedes apunha receitas ou
orientações de Bezerra, conforme a circunstância.
Diariamente, eram enviados, para numerosas cidades do
território nacional, pelos Correios, sob registro,
centenas de remédios manipulados na farmácia.
No dia 1º de abril de 1907 Eurípedes fundou o Colégio
Allan Kardec.
A instituição tornou-se verdadeiro marco
no campo da educação, ensinando, entre outras
disciplinas, Astronomia e Fundamentos da Doutrina
Espírita.
O educandário tornou-se conhecido em todo o Brasil,
tendo funcionado ininterruptamente desde a sua
inauguração, com a média de 100 a 200 alunos, até o dia
18 de outubro, quando foi obrigado a fechar suas portas
por algum tempo, devido à grande epidemia de gripe
espanhola que assolou nosso país.
Perseguição religiosa
Com o fortalecimento do movimento espírita em Sacramento
e na região próxima, o clero católico reagiu,
inicialmente de forma velada, e logo depois de forma
aberta, desenvolvendo uma campanha difamatória contra
Eurípedes e o Espiritismo.
Eurípedes defendia suas ideias por meio das colunas do
jornal Alavanca, discorrendo principalmente sobre
o tema: "Deus não é Jesus e Jesus não é Deus", com
argumentação abalizada e incontestável.
Diante dos acontecimentos, a Igreja enviou a Sacramento,
direto de Campinas (SP), o reverendo Feliciano Yague,
famoso por suas pregações e conhecimentos, com a
esperança de que as argumentações e convicções dele
dariam o golpe derradeiro no movimento espírita da
cidade. E foi com esse objetivo que o referido padre
desafiou Eurípedes para uma polêmica em praça pública. O
desafio foi aceito.
No dia marcado, o padre Yague iniciou suas observações
insultando o Espiritismo e os espíritas, aos quais
definiu como sendo "doutrina do demônio e seus adeptos,
loucos passíveis das penas eternas".
Eurípedes aguardou serenamente a oportunidade de falar,
iniciando com uma prece sincera, humilde e bela,
implorando paz e tranquilidade para uns e luz para
outros, tornando o ambiente propício para inspiração e
assistência do plano maior e, em seguida, iniciou a
defesa dos princípios nos quais se alicerçavam seus
ensinamentos.
Com delicadeza, lógica, e dando vazão à sua
inteligência, descortinou os desvirtuamentos
doutrinários apregoados pelo reverendo, sendo apoiado de
forma alegre e ruidosa pela multidão. Ao terminar,
reconhecendo o estado de alma do reverendo, Eurípedes
aproximou-se dele e abraçou-o fraterna e sinceramente.
Nota do Autor:
Para saber mais sobre o grande educador,
leia o artigo “A conversão de Eurípedes Barsanulfo ao
Espiritismo”, escrito por Leonardo Marmo Moreira,
publicado na edição 309 de nossa revista. Para
acessá-lo, clique
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