O que é a ADEP, como surgiu e como atua
A Associação de Divulgadores de Espiritismo de Portugal
(ADEP) celebrou em setembro último 20 anos de existência
voltada para a divulgação da doutrina espírita no país
em que viveu Camões
Conforme palavras de José Lucas, articulista da revista O
Consolador e um dos mais ativos divulgadores do
Espiritismo em Portugal, a Associação de Divulgadores de
Espiritismo de Portugal (ADEP), em 20 anos de
existência, conseguiu fazer escola: em 2019, quase todos
os centros espíritas portugueses têm curso básico de
Espiritismo e neles o estudo do Espiritismo é uma
prioridade. “O Espiritismo – esclarece nosso amigo – é
respeitado nos mass media como movimento
cultural, os eventos fora dos centros espíritas
(jornadas, congressos) multiplicaram-se; e mais: o
Espiritismo deixou de ser visto como uma religião para
ser aquilo
que Kardec definiu: doutrina filosófica de consequências
morais.”
Para celebrar o aniversário de 20 anos da entidade, a
direção da ADEP, que é atualmente presidida por Ulisses
Lopes, publicou em seu website uma interessante
entrevista com um dos fundadores da entidade, o
conhecido e dinâmico confrade Jorge Gomes (foto).
Eis, na íntegra, a entrevista:
Como surgiu a ADEP?
Jorge Gomes – Para responder a essa pergunta vou
recorrer à minha memória e a alguns ficheiros impressos
para precisar as datas que forem mais significativas.
Assim, é certo que a Associação de Divulgadores de
Espiritismo de Portugal (ADEP) teve a sua primeira
reunião de trabalho na mesma tarde da apresentação do
projeto e das suas atividades a curto prazo, em 31 julho
de 1999, ainda como associação sem personalidade
jurídica, em Caldas da Rainha. Ao aproveitar o período
de férias profissionais de verão, foram convocadas duas
dezenas de pessoas de todo o país para se encontrarem
numa cidade do Centro de Portugal, Caldas da Rainha,
mais acessível para quem vinha do Norte e para quem se
deslocava do Sul. José Carlos Lucas, um dos primeiros
convidados para este projeto, era então dirigente na
Associação Cultural Espírita, de que fora fundador.
Pelas 14h30 do dia 31 de julho de 1999, sábado, estavam
lá quase todos os que foram convidados, vindos de
cidades como Braga, Porto, Caldas de S. Jorge, Caldas da
Rainha, Lisboa, Sines, Olhão. A ordem de trabalhos dessa
tarde foi esta: 1 – Explicar o projeto ADEP; 2 – Avançar
e organizar planificações e frentes de trabalho; 3 –
Diversos.
Esta foi a primeira vez que os elementos da ADEP
reuniram, por convite, pelo que foi considerada uma
reunião inicial de formação da ADEP. Nessa altura,
apresentou-se um audiovisual explicativo do projeto,
incluindo a sua finalidade de trabalho prolongado no
tempo.
Apresentou-se uma planificação geral de iniciativas da
ADEP e cada atividade foi trabalhada e entregue a uma
equipa restrita de pessoas, coordenada por uma delas, e
distribuída por todos os elementos. Nessa reunião, face
ao interesse de tomar personalidade jurídica, formou-se
uma lista dos órgãos sociais da ADEP, deliberando-se
que, tão breve quanto possível, se faria o registo
oficial num notário. Distribuíram-se propostas de sócios
pelos elementos presentes. Das 20 pessoas convidadas,
quatro não puderam estar presentes. Logo à partida foi
bem explicado que o único objetivo da ADEP era trabalhar
em busca de uma meta de qualidade de conteúdo e de
forma. Nada mais.
A ADEP veio depois a adquirir personalidade jurídica em
setembro de 1999, com a ajuda importante de Isaías Pinho
de Sousa, num notário em Santa Maria da Feira.
Antes dessa reunião de julho de 1999, o que levou à
decisão de avançar com a criação de uma associação de
divulgadores de Espiritismo?
– Avançou-se com este projeto porque poucos meses antes,
tinha sido persuadido por Adonay Barreto, de Manaus,
Brasil, que seria importante avançar e criar uma
associação de divulgadores. Adonay tinha vindo apoiar do
ponto de vista gráfico um encontro nacional de jovens
espíritas em Viana do Castelo (dias 30 de abril e 1 e 2
de maio de 1999, o n.º 16, realizado numa escola
secundária). A ideia já tinha surgido antes, pela
circunstância das ADE (associações de divulgação do
espiritismo) serem, nessa altura, referidas com
frequência na imprensa espírita brasileira e na
internet, que estava a generalizar-se desde há poucos
anos. Porém, como Portugal é um país de pequena
extensão, acreditava que esses departamentos de
atividade poderiam funcionar dentro da Federação
Espírita Portuguesa (FEP), de onde acabara de sair por
indisponibilidade após seis anos (três mandatos)
seguidos de colaboração intensa.
Essa indisponibilidade surgiu pelo facto de morar 300 km
a norte e a FEP ser uma associação sujeita a eleições,
como é normal, o que não permitia manter projetos de
continuidade. Por outro lado, uma boa parte dos
dirigentes associativos espíritas pareciam, até então,
muito instáveis, como a areia da praia, a ver com um
olhar depreciativo quaisquer direções e os trabalhos
federativos. Há projetos de teor federativo que supõem
alguma colaboração dos sócios coletivos federados. Sendo
assim, era muito pouco produtivo.
Que solução poderia surgir?
– Haveria vantagens em criar uma associação à qual só se
ligassem pessoas sintonizadas com as metas definidas e
cujo único interesse consistisse em serem úteis. Teriam
de ter conhecimentos doutrinários nada dúbios e caráter
participativo. Seria uma associação sem fins lucrativos
que se restringisse apenas a trabalho bem orientado, com
uma estratégia definida.
Em relação aos integrantes, seria melhor ainda se essas
pessoas tivessem perfis adequados oriundos das suas
profissões: professores para trabalharem do ponto de
vista didático os cursos que se viessem a fazer para
ajudar a dar mais qualidade a colaboradores do movimento
espírita; gente da imprensa que soubesse o que é
comunicar de forma correta pela escrita e pela palavra
oral; gente que soubesse de língua portuguesa para não
dar erros; professores de inglês para traduções de
textos; fotógrafos com boa formação; etc.
O resultado disso iria surgir na produção de, por
exemplo, um comunicado de imprensa bem feito para um
evento que alguma associação organizasse, num boletim
informativo de uma associação, num site na internet que
fosse bom na
forma e no conteúdo; etc. Se convidasse meia dúzia de
amigos com quem se soubesse à partida que trabalharíamos
bem, com personalidades diferentes, claro, mas
compatíveis, seria um bom começo. Provavelmente
conheceria uma dúzia de candidatos e sabia à partida que
provavelmente iriam gostar da ideia. Depois, poderíamos
arriscar até às duas dezenas, desde que essas pessoas
tivessem perfil de trabalho e acrescentassem algo mais à
equipa.
Passar desse número, a experiência pessoal dizia que só
iria criar desgaste e perda de produtividade. A dada
altura havia que começar a organizar serviço. Não foi
difícil e em julho de 1999 foi apresentado o projeto. A
tomada de personalidade jurídica só surgiu, como se
sabe, em setembro de 1999.
Que iniciativas começou a ADEP por desenvolver?
– Havia uma folha de planificação com diversas
iniciativas que foi entregue naquela altura a
responsáveis, embora algumas delas já estivessem
praticamente feitas. Foi o caso do site da ADEP, naquela
altura ainda sem domínio próprio, assim como do curso
básico de espiritismo disponibilizado pela internet. Na
altura este curso funcionava com tutores que
acompanhavam os inscritos – tudo gratuito, claro – por
correio eletrónico.
Como não havia mais recursos, criou-se o boletim
«Informativo espírita», de duas páginas, distribuído por
e-mail, na verdade, o antecessor deste jornal (JDE),
pois durante os primeiros anos ADEP não tinha
financiamento para publicar sequer uma única edição
impressa. Isso tornou-se possível quatro anos depois
graças à ajuda decisiva de Isaías Pinho de Sousa que, em
2003, adiantou o pagamento de publicidade empresarial e
por força dessa ajuda foi possível imprimir e criar
receita com assinantes para dar continuidade bimestral a
este jornal com o seu primeiro número a ser distribuído
em novembro/dezembro de 2003.
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Começaram logo, no início da ADEP, a enviar-se
os comunicados noticiosos para uma lista de
destinatários com notícias a curto prazo do
movimento
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espírita. Em 21 de julho de 2019, semanal, ia no
seu n.º 1160. |
Outra
iniciativa planeada era a de impacte na Imprensa, que se
centrava em enviar notícias do movimento espírita para
os jornais, rádios, televisões, e intervir quando
confundissem a doutrina espírita (espiritismo) com
atividades que nada têm a ver com ela.
Pensou-se na criação de um caderno de formação de
futuros entrevistados, na recolha e pesquisa de
fenómenos medianímicos, na produção de cartoons e num
arquivo de canções espíritas, assim como em pesquisas
históricas sobre o movimento espírita português desde
século XIX.
Como futuras ações previa-se uma atividade de
digitalização de roteiros de programas de rádio e a
elaboração de roteiros para programas de vídeo.
Como sobreviveu?
– Entre as duas dezenas de convidados para formar a ADEP
houve os que se foram desligando e os que mantiveram a
sua colaboração. Surgiu entretanto um ou outro
colaborador de elevada produtividade, o que foi
fantástico. Com trabalho, tolerância e solidariedade a
produtividade manteve-se e o barco seguiu adiante no
fluxo do tempo. Nunca se valorizou aspetos negativos,
sobretudo quando vinham do exterior do grupo de
trabalho. Era desinteressante. O foco foi
invariavelmente o trabalho em curso e tratar de lhe dar
seguimento. O volume de trabalho teve uma consistência
contínua, sem sobressaltos, pelas características das
pessoas envolvidas. Tratava-se de espíritas estudiosos,
fraternos, cujo único fito era servir o ideal sem
protagonismo. A amizade que os unia já preexistia à
criação da própria ADEP, o que permitiu criar consenso e
entendimento nas linhas de trabalho a desenvolver.
As iniciativas mais produtivas desde o surgimento da
ADEP, em 1999, foram talvez as que se seguem. O site da
ADEP, na sua função de explicar o que faz a ADEP e como
pode ajudar, foi sempre procurado. Já teve vários
formatos e encontra-se hoje em adep.pt. Decorre daqui,
entre outras interações, uma atividade de atendimento
aos seus visitantes por e-mail, aos quais se responde
com a brevidade possível.
Esta presença na internet hoje envolve as redes sociais
principais, com uma enorme quantidade de vídeos de
diverso teor no seu canal no YouTube e no Facebook.
Alinha-se aqui o curso básico de espiritismo online.
Inicialmente tinha por principal utilidade facilitar o
acesso a conteúdos doutrinários a pessoas que não têm
perto de si uma associação espírita onde o possam fazer
presencialmente, quer sobretudo no interior de Portugal
quer na Lusofonia. Já teve vários formatos. O primeiro
foi o acompanhamento pessoal de uma dúzia de tutores por
cada inscrito (atividades sempre inteiramente gratuitas
executadas). Depois através da plataforma Moodle, pois o
número de inscritos já não se conseguia acompanhar
pessoalmente.
E por fim, atualmente, uma versão de vídeo que as
pessoas vão fazendo ao seu ritmo. O boletim informativo
que, quatro anos passados do seu início, se transforma
num jornal bimestral de 20 páginas a preço baixo – até
hoje nunca falhou uma edição e manteve-se sempre ao
mesmo baixo preço, 50 cêntimos: o «Jornal de
Espiritismo». Dá notícias do movimento espírita, publica
artigos de opinião, entrevistas e, entre outros, alguns
temas em destaque.
Entram aqui também os comunicados noticiosos que
divulgam uma série semanal de eventos mais ou menos
procurados, como as palestras nas associações e eventos
regionais e nacionais. Atualmente seguem, gratuitos,
pela plataforma Mailchimp.
A ADEP.tv é o projeto mais recente. Trimestralmente,
numa tarde de fim de semana, de forma inteiramente
gratuita também há a emissão de programas experimentais
que podem no momento ter interação com quem estiver a
ver, mas que fica gravado também nos canais das redes
sociais sob o nosso cuidado, concretamente no Youtube e
no Facebook.
Ouvimos dizer que há grupos de outros países que vendo o
trabalho da ADEP pensaram em criar algo parecido. Que
comentário faria a esse facto?
– Confesso que não estou muito por dentro desse assunto,
mas pelo que ouvi falar, de facto em Espanha, depois de
observarem o trabalho de cobertura que foi feito pela
ADEP, inteiramente grátis, em Lisboa, durante o
Congresso Espírita Mundial de outubro de 2016, pela mão
da Federação Espírita Portuguesa, ficaram surpreendidos
pela positiva.
A verdade é que a replicação de um modelo de serviço
inspirado na ADEP não será mecânica. Se se criar uma
fórmula inspirada nos processos da ADEP que agregue
peças estruturais idênticas e se se tratar de as
instalar noutro local, isso não garante de modo algum
que surja algo parecido com a ADEP noutro país. Há uma
série de características que não são fáceis de encontrar
ou de juntar, se quiser. Na ADEP nunca houve nem há
patrão, mas há responsáveis pelas tarefas. Quando um
colaborador cai, há sempre outro que oferece a sua
disponibilidade, e só isso é que permite a continuidade
das responsabilidades em andamento.
Percebe-se que os seus decisores não pensam
necessariamente da mesma maneira, mas têm a capacidade
de trocar pontos de vista e ser solidários com aquilo
que faça sentido ser um consenso aceitável a favor da
qualidade de divulgação doutrinária que nos interessa
elevar. Não é fácil encontrar quem esteja disposto a
trabalhar por vezes vários dias seguidos sempre de
graça, sem retorno algum, pelo simples espírito de
compromisso e idealismo que inspira os seus
colaboradores. Nos grupos normalmente há pressão pelo
controlo e não se sentir isso na ADEP faz do desempenho
das tarefas um ato de amor incondicional. Faz sentido
ter fé de que enquanto estas linhas de força se
mantiverem na ADEP, ela estará aí a fazer o que lhe for
possível.
E projetos para o futuro?
– A ADEP.tv é de momento um dos principais projetos
experimentais que vamos fazendo igualmente nos tempos
livres. Há vários pôsteres já publicados no site da ADEP
sobre diversas atividades que focam a análise de dados
recolhidos e servem de registo para o envolvimento que
essas iniciativas alcançaram num determinado período de
tempo. Não temos meios para multiplicar a esmo o que
fazemos, pelo que, o que nos interessa é manter
regularmente as tarefas que temos em mãos, como o
«Jornal de Espiritismo», por exemplo, aumentando a sua
qualidade. É preferível do que ceder à tentação de nos
envolvermos em demasiadas tarefas e forçosamente
perdermos qualidade nas que já desenvolvemos e até
possam estar a ser mais úteis aos destinatários. Isto
percebe-se pelo facto de ser tudo feito nos tempos
livres dos envolvidos, sem financiamentos, nem
remuneração. Se os houvesse, poderíamos contratar
técnicos que desenvolvessem conteúdos segundo planos de
trabalho que viéssemos a concretizar. Mas isso não só
não nos preocupa como nem sequer está no horizonte que
temos por diante. Contudo, estamos sempre abertos a
sugestões, que analisamos e vemos se fazem sentido, na
perspetiva de melhor servir quem procura o que vamos
produzindo.
Nota da Autora:
Para saber mais sobre a ADEP, clique aqui
- http://adep.pt/adep/o-que-e/ -
e veja o vídeo em que Ulisses Lopes, atual presidente da
ADEP, fala sobre os diversos aspectos de atuação da
entidade.