No fim do ano, cientistas russos se candidataram a
estudar o fenômeno mineiro. Fizeram uma proposta a
Chico: ele se submeteria a seis meses de testes em
Moscou e receberia em troca trezentos contos de réis. O
jovem ficou tentado. O dinheiro era suficiente para
construir cinquenta casas populares, uma fortuna para
quem ainda estava às voltas com a primeira das oito
prestações de um novo chapéu.
Emmanuel entrou em cena e quebrou as ilusões do candidato a
cobaia:
– Se quiser, pode ir. Eu fico.
Chico precisava ter cuidado. A tal "harpa melodiosa" citada por
sua mãe poderia enferrujar se ele cedesse à ambição ou ao
orgulho. Para evitar o perigo, começou a castigar o próprio ego
com golpes diários e contundentes. A autoflagelação partia de um
pressuposto simples: ele não era nada, os benfeitores
espirituais eram tudo e um pouco mais. O segredo do sucesso:
abrir mão de si mesmo. "Aquele que quiser ser o maior que se
faça o servidor de todos", lia no Evangelho. E acatava. Em sua
campanha antivaidade, Chico criou, ao longo da vida, alguns slogans para
se defender dos elogios. "Sou apenas Cisco Xavier" era um deles.
Ele fazia questão de proclamar a própria "absoluta
insignificância". Afinal de contas, era um "servidor quase
inútil da doutrina espírita", "o mais pequenino de todos", o
aprendiz de curandeiro, "um nada", "mais imperfeito que os
outros".
A lista de metáforas autodepreciativas cresceria a cada ano.
Chico se apresentaria como um graveto que se confunde com o pó,
um animal em serviço, uma besta encarregada de transportar
documentos dos espíritos, uma tomada entre dois mundos. Nenhuma
das frases de efeito afastava os devotos e os bajuladores.
Um dia, diante de uma mulher quase de joelhos a seus pés, ele
apelou: “Não me elogie assim. É desconcertante. Não passo de um
verme no mundo”. No mesmo instante, ouviu a voz de Emmanuel:
“Não insulte o verme. Ele funciona, ativo, na transmutação dos
detritos da terra, com extrema fidelidade ao papel de humilde e
valioso servidor da natureza. Ainda nos falta muito para sermos
fiéis a Deus em nossa missão”.
Daí em diante, Chico preferiu se definir, de vez em quando, como
subverme.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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