O doce ciclo vicioso do amor
Um nível adequado e desejável de autoestima não
caracteriza o narcisismo
“O maior inferno é a incapacidade de amar.” Dostoiewski
Os dois maiores
mandamentos dados a conhecer por Jesus são: “amar
a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si
mesmo”.
A humanidade ainda não foi capaz de analisar a
profundidade e abrangência desses dois mandamentos
divinos. Quando tal acontecer, todo o panorama psíquico
do planeta vai mudar, elevando-lhe, em consequência, o
nível na classificação dos mundos. Nesse tempo,
dinamizadas e estimuladas pelo vero amor, as criaturas
saberão conviver consigo mesmas (aceitando-se como
realmente são) e com o próximo, respeitando-lhe a
individualidade. O primeiro passo na direção desse
estágio ideal é o amor a si mesmo, pois quem não se ama
não pode amar a Deus e tampouco ao próximo.
Segundo o Dr. Marco A. D.
Silva,
cardiologista natural de Recife (PE), “quando
se está em paz consigo mesmo, quando o indivíduo gosta
de si como de fato é, sem necessidade de máscaras,
representações ou fingimentos, ele é tomado de um
espontâneo e natural impulso de doação e amor pelas
outras pessoas e pela vida, que nada mais é, de fato,
que o extravasamento para o ambiente do amor que tem por
si mesmo. Os que atingem esse patamar de crescimento ou
dele se aproximam, passam a extrair genuíno prazer do
amor que transmitem às outras pessoas e, sem ter
premeditado, passam a vivenciar um doce ciclo vicioso
onde, quanto mais se amam e amam os outros, mais amor
recebem de volta e mais ainda ficam amando a si e aos
outros...
Esse amor por si próprio é, essencialmente, reflexo da
nossa autoestima, ou da imagem que construímos de nós
mesmos. Um nível adequado e desejável de autoestima
implica respeito e admiração por si próprio e não se
pode confundir isso com o narcisismo. Este é primo-irmão
do egoísmo e resulta da mesma causa básica: a
fragilidade interior e o desapego a si mesmo são tão
grandes, que o indivíduo sente uma compulsiva
necessidade de reconhecimento externo.
Os narcisistas, tanto quanto os egoístas, não são
pessoas livres e dificilmente serão felizes, dependentes
que são, vitalmente, do conceito que os outros fazem
dele”.
Divaldo Pereira Franco disse uma vez, numa conferência,
que tivemos a dita de assistir e nunca mais o
esquecemos: “quando alguém fala mal de nós ou nos
elogia, por conta disso não seremos nem piores e
tampouco melhores do que realmente somos”. Portanto,
somos o que somos, independentemente das expressões
encomiásticas ou dos alheios azorragues...
A questão que se alevanta é: como conhecer de forma
nítida e precisa a localização da fronteira delimitadora
do “amar a si mesmo” e do egoísta-narcisista? Até
onde podemos gostar de nós mesmos, (atendendo à
recomendação de Jesus) sem cairmos no domínio do
narcisismo? Nesse passo, o primeiro modo para
estabelecermos de maneira insofismável e com toda a
nitidez possível o que é desejável e o que é nocivo é
analisarmos se estamos realmente felizes ou não conosco
mesmos. O segundo ponto a observar é conhecer o que
caracteriza o narcisista e verificar se essas
características fazem parte de nossa personalidade.
Os estudiosos do comportamento humano identificaram
algumas particularidades comuns, em maior ou menor grau,
nos narcisistas. Neles, além do próprio egoísmo,
componente quase obrigatório do narcisismo, outras
características costumam estar presentes, tais como:
excessiva preocupação com as aparências; inveja; baixa
tolerância à frustração; obsessivo impulso de manipular
as pessoas à sua volta...
Vamos analisar com o Dr. Marco Aurélio cada uma dessas
peculiaridades que compõem a personalidade do
narcisista:
Excessiva preocupação com as aparências – Falamos
tanto das aparências de ordem física quanto outros
atributos que se possam exibir aos demais, ou seja: os
narcisistas são vaidosos, entendida a vaidade como a
preocupação maior de exibir-se e despertar admiração em
terceiros e pouca ou nenhuma quanto ao que a pessoa acha
de si. Há aqui uma clara diferença entre os sexos, visto
que a vaidade feminina liga-se mais à aparência física,
ao passo que a dos homens relaciona-se preferivelmente à
exibição dos sinais de poder, prestígio e riqueza...
O nocivo não é a existência de um nível tolerável de
vaidade, vez que ela é um componente indefectível do
comportamento humano. Só não se pode deixá-la atingir os
patamares do exagero a que chega nos narcisistas.
Deve-se conservá-la em um nível desejável, normal e
inofensivo como expressão da autoestima.
Inveja – Este
é talvez o mais destrutivo de todos os subprodutos da
insegurança interior e do desapego por si mesmo. Essa
inveja nociva e destrutiva não é o natural desejo, que
vez por outra assalta qualquer um de nós, de ter ou ser
o que alguém, próximo ou distante, tem ou é, mas aquela
amarga sensação de desconforto e sofrimento, que invade
o indivíduo quando confrontado com o sucesso alheio, ou
com o que de bom possa estar ocorrendo com outra pessoa.
Não importa o que o próprio indivíduo esteja obtendo,
ele sempre sofrerá, porque outros estão alcançando o que
logrou alcançar, seja no campo material, no prestígio
intelectual ou profissional, ou ainda em termos de
notoriedade ou poder.
É fácil deduzir que dificilmente padecerá desse tipo de
inveja alguém que esteja feliz e satisfeito com o que de
fato é, mais que com o que tem. Ninguém será
verdadeiramente feliz enquanto não conseguir libertar-se
dos grilhões da inveja.
Os narcisistas têm especial inveja das pessoas que
representam justamente o oposto deles: indivíduos
seguros interiormente e, portanto, generosos com os
outros e amados por eles. Tais indivíduos detêm o que o
narcisista mais deseja e não consegue: gostar de si como
é e, por extensão, granjear a admiração e o amor das
pessoas.
Baixa tolerância à frustração –
O narcisista assemelha-se às crianças: reage com mau
humor e é malcriado quando sua vontade é contrariada.
Quem se ama pouco, tolera mal as frustrações e a dor e,
por conseguinte, adoece mais e é infeliz.
Manipuladores -
O narcisista tende a se apresentar como vítima e agir
como se a sua vontade fosse sempre a mais justa, embora
quem vê de fora facilmente perceba que de justo o seu
comportamento nada tem. Para tanto, é capaz de negar, ou
distorcer, o que ele próprio antes afirmava, de tal
maneira a inverter a seu favor uma situação que lhe
pareça desfavorável...
O narcisista é, pois, alguém totalmente descompromissado
de qualquer tipo de comportamento moral em seu
relacionamento com as outras pessoas. Nada consegue ver
além de seu próprio e direto interesse. Sua visão do
mundo e da vida é fundamentalmente pragmática. Dessa
forma, nega a possibilidade da existência de sentimentos
e comportamentos mais nobres e elevados e resume a vida
e a relação com as outras pessoas em permanente disputa
por bens ou posições. A consequência direta dessa visão
pragmática da vida e do mundo é torná-lo extremamente
pessimista, pois quem raciocina com base no concreto e
no real e pouco ou nada na imaginação e no abstrato não
pode mesmo esperar nada de bom do mundo e das outras
pessoas. Isso justifica a sua postura do ‘viver
desesperada e sofregamente o presente’, usufruindo,
o máximo possível, os ‘benefícios’ palpáveis da
vida...
Com todo o arrazoado acima, o Dr. Marco Aurélio nos
convenceu de que vai um superlativo pego entre a
personalidade de quem “ama a si próprio” segundo
a nobre expressão de Jesus, da personalidade dissolvente
e chã do narcisista. Não há, portanto, como confundir as
duas!
Compreendemos, assim, a magnitude da recomendação de
Jesus quando coloca o amor a Deus e ao próximo como a si
mesmo como os dois Mandamentos que resumem toda a Lei e
os profetas!...
Portanto, concordamos
plenamente com o Dr. Marco Aurélio quando afirma1: “gostar
de si mesmo não é defeito: é qualidade. E não tem nada a
ver com o egoísmo; o narcisismo e o não gostar dos
outros, muito pelo contrário. É justamente a
impossibilidade de amar a nós mesmos que nos torna
incapazes, na mesma proporção, de amar os outros”.
Muito provavelmente, foi
por não desconhecer a magna expressão Joanina: “Deus
é amor”, é que Dostoiewski cunhou, sem rebuços, esta
que elegemos para epígrafe e fecho de nosso artigo: “o
maior inferno é a incapacidade de amar”.
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