Em meio às polêmicas que seu trabalho suscitava, o rapaz
de Pedro Leopoldo ficava famoso e virava atração
principal em sessões espíritas de outras cidades. Em
1936, enquanto Boris Karloff provocava calafrios no
filme O Morto Ambulante, ele roubava a cena na
Sociedade Metapsíquica de São Paulo. Na noite de 29 de
março, colocou no papel uma mensagem assinada por
Emmanuel, em inglês, e escrita de trás para a frente, em
papel timbrado da entidade, previamente rubricado com
duas assinaturas. À plateia só faltou aplaudir de pé e
pedir bis. Após a exibição, foi convidado para um jantar
na casa de uma socialite espírita.
A dona da casa tinha ímpetos de colocar o "embaixador" dos
mortos numa de suas baixelas de prata. Diante dos talheres
reluzentes e dos figurinos de gala, o rapaz enrubescia,
engasgava. Nunca tinha visto tanta comida junta. Nem sabia por
onde começar. Estava paralisado. De repente, saltou em direção à
porta da cozinha e arrancou das mãos de uma jovem uma travessa
repleta de arroz. A anfitriã chegou a tempo de evitar o pior. O
rapaz estava contrariado. A coitadinha é tão frágil. E nós aqui,
à toa, vendo-a fazer tudo sozinha.
Foi difícil convencer o matuto de que a coitada era empregada da
casa e recebia um salário por aquele serviço. Só após certa
disputa pela posse da bandeja, Chico se conformou e foi à mesa
servir-se. A dona da casa fez questão de acompanhar o tour do
pobrezinho em torno do bufê: “Isto é gostoso, meu filho. Coma,
coma, coma um pouco mais”. Com medo de fazer desfeita, o coitado
engolia a miscelânea de carnes, massas e saladas. Sempre que
levava à boca os últimos vestígios de comida, escutava a voz
estridente ao seu lado: “Coma um pouco mais. O que é isso? Tão
pouco...”
O prato se esvaziava e logo se enchia de novo. Chico sorria,
agradecia, afrouxava o cinto, desabotoava o colarinho, respirava
fundo. Quando chegou a sobremesa, sentiu vontade de chorar. A
anfitriã cobriu seu prato de doces. Ele comeu. Ao sair, amparado
por amigos, escutou o comentário sussurrado pela dona da casa a
uma amiga: “Esse Chico é formidável, mas, puxa, como come!...”
O aprendizado foi indigesto.
Chico engoliria muito sapo até aprender a dizer "não".
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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