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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

A questão da ficha


A cada vez mais avançada e onipresente tecnologia do mundo contemporâneo permite que sejamos rastreados com extrema facilidade. Todas as nossas atividades (histórico de compras, carreira profissional, movimentações financeiras, processos legais, fotos, textos publicados, entre outras coisas) são rapidamente coligidas – graças aos sofisticados programas de banco de dados. Em poucos minutos, qualquer interessado pode saber praticamente tudo sobre nós sem muito esforço. Sem exagero, pode-se afirmar que nossas vidas são completamente devassadas na atualidade em função de tais progressos. Em razão disso, nossa intimidade, gostos, estilo de vida e, sobretudo, feitos são expostos aos olhares mais curiosos. Por isso, é fundamental tomar cuidado para que não sejamos reconhecidos por malfeitos, desvios, assim como deficiências de caráter e comportamento. Portanto, é imprescindível zelar para que a nossa ficha exiba sempre retidão e acerto para quem quiser ver.

No entanto, poucos cogitam que, do lado de lá, há igualmente o arquivo, a ficha, o cadastro, se assim quiserem denominar, sobre a nossa pessoa. De certa maneira, parece óbvio a existência de tal registro individual. No mínimo, tal procedimento confirma que não somos iguais. Ou seja, somos tratados como seres distintos perante as leis universais. Esse tópico é, aliás, aludido no capítulo 7 da interessante obra Contos e Apólogos do Espírito Irmão X (psicografia de Francisco Cândido Xavier). Em nossa ficha, como explica detalhadamente o citado mentor, absolutamente tudo é contabilizado. Os pormenores da nossa existência são meticulosamente anotados, de modo tal que não há margem a dúbias interpretações. Quando o Cristo nos alertou sobre a aferição dos valores conquistados pelo Espírito através do “segundo as suas obras”, ele referia-se ao imperativo da colheita daí decorrente.

Explorando esse imperativo, Irmão X aborda a trajetória de João Mateus, distinto trabalhador da seara espírita. O referido confrade teve um sonho revelador ao completar cinco decênios. Uma entidade espiritual fizera-lhe meticuloso balanço da vida corpórea. No levantamento, nada relevante havia-lhe sido negado, isto é, as condições físicas, família, educação, casamento, carreira profissional, recursos patrimoniais, trajetória nas lides espíritas e comportamento social. Para resumir, João acorda disposto a recuperar o tempo perdido, já que nem tudo em sua ficha espiritual era reluzente. Todavia, havia chegado seu momento de partida. De maneira similar, todos nós temos registrado em nossa ficha espiritual – o nosso arquivo – tudo o que diz respeito à nossa encarnação. E certamente nem tudo, a exemplo de João, é-nos favorável, dadas as nossas imperfeições e limites.

No entanto, é curioso observar, especialmente jovens e celebridades, às vezes, movidos por arroubos típicos da imaturidade do Espírito, declarar que vão aproveitar a vida “porque só temos essa”, como forma de justificar os seus excessos. Suas mentes não conseguem divisar ainda a bênção da vida como mecanismo de aperfeiçoamento espiritual. Manietados aos prazeres essencialmente materiais e aos vícios de toda a ordem, não atinam quanto à efêmera experiência em curso. Seus pensamentos estão demasiadamente presos ao momento presente para avançar – pelo menos por ora – na direção do transcendente. É o livre-arbítrio cumprindo o seu papel. Não obstante, tenhamos em mente que as devidas cobranças haverão de ser apresentadas. 

É também surpreendente a pletora de indivíduos – inclusive os líderes das grandes nações – aferrados ao poder fugaz ainda mais nessa altura da civilização humana. Neste século, em particular, muitos estão fazendo uso da destacada posição para subverter a verdade, bem como enganar e iludir os seus constituintes sem qualquer pejo. Empregam toda a sorte de argumentos, discursos e textos falaciosos para manipular os seus liderados. Em alguns casos usam da violência extrema para afastar potenciais adversários. Pobres criaturas que não cogitam o que os aguardam do lado de lá. Suas fichas provavelmente demonstrarão a abundância de oportunidades, dos cenários favoráveis, do pleno atendimento às alegrias e satisfações da vida, da projeção social etc. Em contrapartida, o que mostrarão suas fichas no tocante ao trabalho voltado ao progresso humano, às realizações no terreno da solidariedade e compaixão, sem falar na construção da paz e da harmonia geral? Talvez muito pouco ou mesmo nada.

O fato preponderante, irmão (ã) de fé, é que também nós temos a nossa ficha particular. Assim sendo, para não enfrentarmos experiências dolorosas dispensáveis faz-se necessário refletir sobre o conteúdo potencial da nossa e, acima de tudo, trabalharmos firmemente para que ela espelhe conquistas do nosso Espírito em todas as dimensões.  

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita