A questão da ficha
A cada vez mais avançada e onipresente tecnologia do
mundo contemporâneo permite que sejamos rastreados com
extrema facilidade. Todas as nossas atividades
(histórico de compras, carreira profissional,
movimentações financeiras, processos legais, fotos,
textos publicados, entre outras coisas) são rapidamente
coligidas – graças aos sofisticados programas de banco
de dados. Em poucos minutos, qualquer interessado pode
saber praticamente tudo sobre nós sem muito esforço. Sem
exagero, pode-se afirmar que nossas vidas são
completamente devassadas na atualidade em função de tais
progressos. Em razão disso, nossa intimidade, gostos,
estilo de vida e, sobretudo, feitos são expostos aos
olhares mais curiosos. Por isso, é fundamental tomar
cuidado para que não sejamos reconhecidos por malfeitos,
desvios, assim como deficiências de caráter e
comportamento. Portanto, é imprescindível zelar para que
a nossa ficha exiba sempre retidão e acerto para
quem quiser ver.
No entanto, poucos cogitam que, do lado de lá, há
igualmente o arquivo, a ficha, o cadastro, se assim
quiserem denominar, sobre a nossa pessoa. De
certa maneira, parece óbvio a existência de tal registro
individual. No mínimo, tal procedimento confirma que não
somos iguais. Ou seja, somos tratados como seres
distintos perante as leis universais. Esse tópico é,
aliás, aludido no capítulo 7 da interessante obra Contos
e Apólogos do Espírito Irmão X (psicografia de
Francisco Cândido Xavier). Em nossa ficha, como
explica detalhadamente o citado mentor, absolutamente
tudo é contabilizado. Os pormenores da nossa existência
são meticulosamente anotados, de modo tal que não há
margem a dúbias interpretações. Quando o Cristo nos
alertou sobre a aferição dos valores conquistados pelo
Espírito através do “segundo as suas obras”, ele
referia-se ao imperativo da colheita daí decorrente.
Explorando esse imperativo, Irmão X aborda a trajetória
de João Mateus, distinto trabalhador da seara espírita.
O referido confrade teve um sonho revelador ao completar
cinco decênios. Uma entidade espiritual fizera-lhe
meticuloso balanço da vida corpórea. No levantamento,
nada relevante havia-lhe sido negado, isto é, as
condições físicas, família, educação, casamento,
carreira profissional, recursos patrimoniais, trajetória
nas lides espíritas e comportamento social. Para
resumir, João acorda disposto a recuperar o tempo
perdido, já que nem tudo em sua ficha espiritual era
reluzente. Todavia, havia chegado seu momento de
partida. De maneira similar, todos nós temos registrado
em nossa ficha espiritual – o nosso arquivo – tudo o que
diz respeito à nossa encarnação. E certamente nem tudo,
a exemplo de João, é-nos favorável, dadas as nossas
imperfeições e limites.
No entanto, é curioso observar, especialmente jovens e
celebridades, às vezes, movidos por arroubos típicos da
imaturidade do Espírito, declarar que vão aproveitar a
vida “porque só temos essa”, como forma de justificar os
seus excessos. Suas mentes não conseguem divisar ainda a
bênção da vida como mecanismo de aperfeiçoamento
espiritual. Manietados aos prazeres essencialmente
materiais e aos vícios de toda a ordem, não atinam
quanto à efêmera experiência em curso. Seus pensamentos
estão demasiadamente presos ao momento presente para
avançar – pelo menos por ora – na direção do
transcendente. É o livre-arbítrio cumprindo o seu papel.
Não obstante, tenhamos em mente que as devidas cobranças
haverão de ser apresentadas.
É também surpreendente a pletora de indivíduos –
inclusive os líderes das grandes nações – aferrados ao
poder fugaz ainda mais nessa altura da civilização
humana. Neste século, em particular, muitos estão
fazendo uso da destacada posição para subverter a
verdade, bem como enganar e iludir os seus constituintes
sem qualquer pejo. Empregam toda a sorte de argumentos,
discursos e textos falaciosos para manipular os seus
liderados. Em alguns casos usam da violência extrema
para afastar potenciais adversários. Pobres criaturas
que não cogitam o que os aguardam do lado de lá. Suas
fichas provavelmente demonstrarão a abundância de
oportunidades, dos cenários favoráveis, do pleno
atendimento às alegrias e satisfações da vida, da
projeção social etc. Em contrapartida, o que mostrarão
suas fichas no tocante ao trabalho voltado ao progresso
humano, às realizações no terreno da solidariedade e
compaixão, sem falar na construção da paz e da harmonia
geral? Talvez muito pouco ou mesmo nada.
O fato preponderante, irmão (ã) de fé, é que também nós
temos a nossa ficha particular. Assim sendo, para não
enfrentarmos experiências dolorosas dispensáveis faz-se
necessário refletir sobre o conteúdo potencial da nossa
e, acima de tudo, trabalharmos firmemente para que ela
espelhe conquistas do nosso Espírito em todas as
dimensões.
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