Três meses após o enterro da mãe de Olina, Chico Xavier
anunciou a decisão para a ex-beata: Vamos inaugurar um
centro em sua casa. No dia 21 de agosto de 1960, ele
comandou a festa de inauguração da Casa de Sheilla.
Olina ficou entusiasmada. As garrafas com água,
colocadas sobre a mesa para concentrar energias
espirituais, assumiam consistência leitosa e
fervilhavam. O perfume se espalhava por todos os
cômodos, vindo não se sabe de onde. Chico anunciou em
discurso, após colocar no papel um texto assinado por
Emmanuel e outro por Sheilla: "Lá, na Comunhão Espírita
Cristã, está a cabeça, Emmanuel. Aqui, está o coração,
Sheilla".
Foi um inferno. A vida de Maria Olina mudou e, nas primeiras
semanas, piorou. A nova espírita da praça passou a ser
surpreendida por um fantasma, todas as noites, quando iniciava
as rezas antes de dormir. O visitante do além passava um pano
áspero sobre o seu rosto e dizia: Isto aqui é o resto da
mortalha.
Ela via o vulto, escutava a voz e gritava. Seu marido, sempre
tão paciente com as noitadas espíritas da mulher, começou a
perder a calma. Você está ficando maluca - dizia ele. Olina
dizia o mesmo para Chico. Tinha medo de enlouquecer. Chico ria
e, com jeito de Emmanuel, afirmava, nada consolador:
- Isto é só o começo. Não estava exagerando.
Um coro de vozes sem rosto começou a cercar Maria Olina. As
assombrações exigiam a presença dela em cidades vizinhas, onde
doentes estariam à sua espera. Chico deu nova orientação: Quando
mandarem você ir a algum lugar, diga para eles virem para cá.
Daqui você não sai. Olina seguiu o conselho e, de repente, sua
casa ficou repleta de gente. Em 1960, o centro virou albergue
noturno e passou a abrigar hóspedes pobres das cidades vizinhas,
sem dinheiro para comer, morar ou se tratar. Naquele ano, ela
ajudou nada menos que 82 pessoas. No início, pensou em pedir
doações para atender aos necessitados, mas Chico tirou a ideia
de sua cabeça. As ajudas viriam espontaneamente. Ela não deveria
fazer campanhas. Sem saber como, Olina saía às ruas, às vezes
desesperada sem ter o que dar de almoço para seus hóspedes, e
voltava com frutas, legumes, pães doados pelos vizinhos pobres.
Era mesmo só o começo.
No dia 20 de março de 1961, o albergue começou a se transformar
em ambulatório. Com a ajuda do médico Waldo Vieira, de seu
colega Eurípedes Tahan Vieira e de Chico Xavier, e com a
"supervisão espiritual" da enfermeira do outro mundo, Sheilla,
ela abriu as portas de seu barracão aos queimados. O mau cheiro
tomou conta do
local. As vítimas de queimaduras, muitas delas de terceiro grau,
todas pobres, eram acomodadas no chão pelos cômodos. Água
boricada e água oxigenada se espalhavam pelas prateleiras. Olina
ouvia a voz da enfermeira alemã, seguia instruções vindas do
nada e, mesmo sem saber ler, encontrava no escuro o remédio
capaz de atenuar a dor dos pacientes. Com os olhos arregalados,
um tanto em pânico, ela varava as noites ao lado dos moribundos
e rezava para nenhum deles morrer.
Cometia heresias como tratar das feridas com água, desobedecia a
recomendações médicas quando elas demoravam a surtir efeito, e
conseguia resultados animadores. No primeiro ano, atendeu a
dezoito casos, alguns deles perdidos. Uma das vítimas tinha
ateado fogo ao próprio corpo com álcool. Olina examinou os ossos
expostos, a pele macilenta, e escutou a voz de Sheilla: Lave só
com água fluidificada.
Após quatro enxaguadas, o corpo começou a cicatrizar. Olina
escutava as gargalhadas de sua guia. Nunca viu seu rosto. Em
doze anos, atendeu a quase mil pacientes. Apenas trinta
morreram. Olina chorava e cuidava do enterro.
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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