A lenda das árvores
Na tão aprazível leitura do pequeno livrinho Alvorada
Cristã, do Espírito Neio Lúcio, psicografado por
Francisco Cândido Xavier (FEB, 11ª edição, junho, 1996),
dei com esta bonita e singela lenda e não resisti a
partilhá-la, fazendo dela recurso para algumas reflexões
que considero oportunas.
“No princípio do mundo, quando os vários reinos da
Natureza já se achavam apaziguados e enquanto o ouro e o
ferro repousavam no subsolo, o homem, os animais de
grande porte, os passarinhos, as borboletas, as ervas e
as águas viviam na superfície da Terra… E o Supremo
senhor, notando que os serviços planetários se
desdobravam regularmente, chamou-os ao seu Trono de Luz,
a fim de ouvi-los.
A importante audiência do Todo-poderoso começou pelo
Homem, que se aproximou do Altíssimo e informou:
- Meu pai, o globo terrestre é nossa gloriosa oficina.
Minha esposa, tanto quanto eu, se sente muito feliz;
entretanto, experimentamos falta de alguém que nos faça
companhia, em torno do lar, e nos auxilie a criar os
filhinhos.
O Todo-misericordioso mandou anotar a referência do
Homem e continuou a ouvir as outras criaturas.
Veio o boi e falou:
- Senhor, estou muito bem, contudo, vagueio sem descanso
durante as horas de sol. Grande é a minha fadiga menor…
Veio o cavalo e reclamou.
- Eu também, Grande Rei, sinto aflitivo calor cada dia…
Aproximou-se a Corça e rogou:
- Poderoso, estou exposta à perseguição de toda a gente.
Não terei a graça de um ser amigo que me proteja e
defenda?
Logo após, surgiu gracioso Passarinho e suplicou:
- Celeste monarca, recebi a bênção da vida, mas não
tenho recursos para fazer meu ninho. Nas pastagens
rasteiras, não posso construir a casa…
Adiantou-se a borboleta e implorou:
- Meu Deus, tudo é belo no mundo, todavia, onde
repousarei?
Em último lugar, chegou o Rio e disse:
- Grande senhor, venho cumprindo os meus deveres na
Terra, escrupulosamente, mas preciso de alguém que me
ajude a conservar as águas…
O Supremo Soberano ficou pensativo e prometeu
providenciar.
No dia imediato, toda a Terra apareceu diferente.
As árvores robustas e acolhedoras haviam surgido,
representando a sublime resposta de Deus.
Sem perdermos de vista a evidência de esta narrativa ser
uma lenda, tal como é apresentada, e não ter a função de
pretender abordar o modo e ordem de como surgiu a vida
na Terra, podemos tomá-la como exemplo da preocupação da
Espiritualidade Superior em transmitir-nos a noção de
quão importante é tudo quanto faz parte da Natureza,
contribuindo de forma incontestável para o equilíbrio da
vida no planeta Terra.
Se ponderarmos no exemplo concreto das árvores, e na sua
importância e imprescindibilidade para a simples
existência de qualquer vida, vegetal, animal ou humana,
forçosamente, somos levados a chegar à conclusão de quão
imprevidentes temos sido, e continuamos a ser, na não
preservação cuidadosa de tudo quanto Deus nos ofertou
como recurso valioso.
Somos seres ingratos que, enquanto sonhamos com
explorações interplanetárias, e enquanto, a nível
espiritual, ansiamos pela dádiva da incursão em mundos
mais sublimados, nem do nosso lar terrenos sabemos
cuidar.
Somos bombardeados, diariamente, com uma dose enorme de
notícias desanimadoras sobre os desastres naturais
provocados pela incúria humana. Assistimos à destruição
maciça de florestas preciosas e insubstituíveis, quer
pelo abate, quer por incêndios criminosos, sempre
atendendo a interesses exclusivamente políticos e
econômicos. Somos alertados insistentemente para os
perigos de uma sociedade humana em decadência acrescida
à probabilidade assustadora de, a muito breve trecho, o
planeta não comportar mais a vida tal como a conhecemos
(cidades e países à beira do desaparecimento, em breves
anos, engolidos pelas águas, devido ao degelo precoce,
por exemplo).
Qual a nossa atitude perante os fatos que não temos como
contestar, e são, sem qualquer dúvida, resultado do
nosso egoísmo que se traduz na ânsia de um progresso
material acelerado, ilimitado, a todo e qualquer custo,
onde o bem-estar (julgamos nós) desmedido impere acima
de tudo? Temos mudado alguma coisa? Pouco. Muito pouco.
As mudanças em nós são, e sempre foram, demasiado lentas
relativamente às circunstâncias e às necessidades. É
sempre mais simples culpar políticos, empresários, gente
que decide nas grandes instâncias. Nisto, esquecemos um
pormenor importantíssimo: quem são os políticos,
empresários, gente de negócios que temos à frente das
decisões, instalados à frente do poder, nos países em
geral? São gente como nós, gente nossa, gente da nossa
época, da nossa terra, da nossa geração… Espíritos em
evolução, mais ou menos imperfeitos, como nós, que
desceram (como nós) a este mundo terreno, nesta época
específica, nestes lugares específicos, para aprender,
progredir, pôr em ação decisões tomadas na
espiritualidade, numa tentativa de saldar dívidas,
desfazer enganos, aprender, evoluir. Espíritos a
caminho, como nós, companheiros de caminhada. Pelo
caminho foram talvez ficando os bons propósitos, as
decisões tomadas talvez tenham sido esquecidas
momentânea e temporariamente, os interesses materiais
talvez estejam a cegar e a destruir boas hipóteses de
trabalhar pelo progresso, no caso de muitos deles…
Exatamente como acontece com cada um de nós. Apenas,
talvez difiram, em alguns casos, a posição e a
oportunidade, que são diversas para cada um de nós.
Quero com isto dizer que, mais do que procurar a culpa
fora de nós e do nosso âmbito de ação, é de suma
importância agir, mudar atitudes, valorizar e ensinar,
pelo exemplo, as novas gerações a valorizar, preservar,
cuidar, proteger, amar, tudo o que a Suprema Sabedoria
pôs ao nosso alcance.
Pela lenda que acima deixo, toda ela cheia de uma doce
poesia a fazer lembrar as parábolas de Jesus, tão
inspiradas nos elementos da Natureza e na vida simples
do povo da sua época, vão desfilando seres diversos, do
reino animal, vegetal e inanimado, todos eles preciosos
e pedindo à suprema Providência o mesmo: algo que todos
eles aceitam e reconhecem como imprescindível nas suas
vidas. Esse algo, Deus, na sua Sabedoria e Amor,
destinou que fossem as árvores. As árvores. Tão simples
e tão valiosas. Que fizeram todos esses seres? Vivem e
continuarão a viver (enquanto nós os deixarmos) numa
perfeita sintonia com o seu habitat, aproveitando e
contribuindo para o equilíbrio da Natureza. Contribuem
com o Criador na sustentação das suas Leis. São
cocriadores com o Pai. E nós?! Além de destruirmos…
seremos capazes de remediar?!
Ainda iremos a tempo? Se não começarmos e não nos
empenharmos… nunca saberemos!
|