Idiotia
Surge, aqui e ali, quem pergunte por eles, os tiranos
que ensoparam o mundo de lágrimas, conhecidos por
lamentáveis fazedores de guerra.
Apropriavam-se da autoridade e comandavam o extermínio
das cidades que se lhes rendiam sem restrições;
passavam, quais ciclones pestilentos, incendiando sítios
prósperos, aniquilando homens dignos, abatendo enfermos,
desrespeitando mulheres, empalando fugitivos ou
decepando os braços de crianças inermes; apareciam por
empreiteiros da demolição e do sarcasmo, organizando o
cativeiro de povos livres ou formando, em nome da
prepotência, as inquisições políticas, nas quais o abuso
do poder consagrava a felonia e a traição por bases de
governança, a fim de que os quadrilheiros das trevas
operassem, impunes; salientavam-se por mandantes dos
choques de violência em que os fracos eram
irremediavelmente impelidos à queda ou espoliados sem
remissão...
Entretanto, nas seges purpuradas e nos palácios
faustosos em que transitavam sorridentes, na direção do
sepulcro, repontavam, sem que eles mesmos percebessem,
as maldições dos sacrificados, o choro das viúvas e dos
órfãos, os gritos de horror dos perseguidos quando
traspassados pelos últimos golpes, as chamas das
fogueiras destruidoras, o sofrimento dos mutilados, as
pragas dos feridos agonizantes largados à ventania da
noite, o sangue dos campos recobertos de cadáveres
insepultos, o frio das necrópoles encharcadas de pranto,
o infortúnio dos lares vazios, o protesto das escolas
arrasadas, a dor silenciosa dos templos derruídos, os
adeuses e os soluços dos mortos.
E ao deixarem o corpo físico, muitas vezes com as honras
tributadas aos grandes chefes, no próprio catafalco
resplendente de lumes, de permeio com os cânticos e as
orações, nos quais se lhes homenageavam os restos,
passaram a escutar, terrificados e indefesos, o vozerio
de condenação e a algazarra do desespero com que eram
recebidos em novo nível de consciência.
Atormentados, então, por muitas das vítimas que não lhes
desculpavam a crueldade, humilhados e desditosos,
suplicaram da Providência Divina a própria internação
provisória em celas de esquecimento e renasceram na
esfera do raciocínio deformado e entenebrecido.
Quando passes diante de um irmão torturado por lesões
cerebrais irreversíveis, não lhe voltes o rosto, nem
recorras à eutanásia inconsciente. Quase sempre, o
companheiro situado na provação temporária da idiotia é
um gênio fulgurante, reencarnado na sombra, a
estender-te o pensamento aflito e mudo, necessitado de
compaixão.
Do livro Encontro Marcado, obra
mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido
Xavier.
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