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por Almir Del Prette

 

A universalidade do problema existencial de Paulo de Tarso


Há aproximadamente dois mil anos, um grande líder do Cristianismo nascente, Paulo, expôs um problema que pode ser considerado inerente à história humana. O problema existencial de Paulo foi inserido em sua carta dirigida aos cristãos romanos.
Conforme estudiosos, além de ter sido um orador talentoso, Paulo era, também, um doutor da lei, ou seja, havia se dedicado ao estudo das leis do povo hebreu. Após a sua conversão ao Cristianismo, entre outras atividades desenvolvidas em diferentes locais, passou a escrever epístolas (cartas) de orientação aos novos cristãos. Nessas epístolas, procurava orientar sobre o evangelho, a convivência cristã e, ainda, sobre a organização das igrejas dos vários agrupamentos nascentes. Considerando o interesse do movimento, apresentava e recomendava discípulos com tarefas especiais e, eventualmente, com objetivo educativo, partilhava algumas dificuldades pessoais. Em uma dessas cartas, Paulo expõe o seguinte problema de caráter existencial: “Não faço o bem que desejo fazer, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo”(1).

Analisando o dilema de Paulo, à luz da perspectiva espírita sobre a evolução, pode-se defender seu caráter universalista. Em outras palavras, no processo evolutivo da humanidade, mais cedo ou mais tarde, cada indivíduo se defronta com essa questão. Considerando ainda o atual estágio evolutivo da humanidade é bastante provável que a maioria de nós ainda não viveu tal dilema. Por outro lado, de maneira semelhante a Paulo de Tarso, certamente um bom número de pessoas já experienciou esse problema. Não há como fazer qualquer estimativa sobre o contingente que viveu ou não esse dilema existencial, porém pode-se supor que a vivência dessa experiência revela um bom avanço na escala evolutiva.

A expressão paulina é indicadora de que o autocontrole joga com um importante papel na solução do dilema: fazer o bem e não fazer o mal. Popularmente se associa o autocontrole com a inibição de comportamentos não desejáveis. Para melhor compreensão do significado desse termo, vamos relatar um estudo clássico da Psicologia, que se tornou conhecido como “autocontrole ao marshmallow(2). Um grupo de crianças era exposto a essa guloseima, com o aviso de que se resistissem, logo depois, no retorno do pesquisador, ganhariam muito mais. Algumas crianças não resistiram e outras não pegaram nenhum doce. As crianças que resistiram relataram que nesse tempo “inventaram” coisas para fazer como: cantarolar, observar algo no ambiente, recordar um jogo etc. O autocontrole sobre “pegar o doce” necessariamente foi substituído por outros comportamentos e elas apresentaram “soluções aceitáveis”. Esse era um estudo longitudinal que, ao seu término, chegou à conclusão de que indivíduos com melhor autocontrole na infância são mais bem-sucedidos em outras etapas do desenvolvimento até a idade adulta. Nesse caso, o autocontrole não significa apenas não apresentar um comportamento, mas substituí-lo por outros, aceitáveis.

A noção de que o autocontrole significa a inibição de “reações negativas” é parcialmente verdadeira. Não se trata apenas de inibir comportamentos, mas, também, de apresentar comportamentos apropriados, se possível incompatíveis àqueles inibidos. O termo autocontrole não existia na época em que Paulo escreveu aos Romanos, mas o trecho de sua carta traz essa compreensão. Ele explicita as dificuldades em: (a) fazer o bem e (b) evitar fazer o mal. Podemos afirmar, com base no trecho da carta, que o apóstolo tinha clareza que esses comportamentos são incompatíveis e que ambos não acontecem simultaneamente. A lógica ainda permite afirmar que quanto maior for a frequência de um tipo de comportamento menor será a frequência do tipo oposto.

O autocontrole para evitar fazer o mal e, ao mesmo tempo, apresentar comportamentos de fazer o bem se relaciona com a educação. A aprendizagem do autocontrole se inicia desde a mais tenra idade e se torna cada vez mais complexa. Por exemplo, comer devagar é o oposto ao comer depressa, devolver o brinquedo ao colega é incompatível de levá-lo para casa. A complexidade das situações e demandas aumentam exigindo também comportamentos mais elaborados. Paulo foi educado para pertencer à elite do judaísmo e respondia com ardor às expectativas que existiam nas tarefas recebidas até o seu encontro com Jesus. Daí em diante, novas demandas apareceram exigindo comportamentos novos, contudo, a presença do “homem velho” exigia autocontrole e comportamentos novos, daí o dilema mencionado.  

O Cristianismo posterior à sua fase inicial enveredou-se pela teologia salvacionista por meio de ritos, perdendo a análise dos comportamentos como elemento primordial na busca da transformação. Na perspectiva da renovação, é preciso compreender que o bem ou o mal não são entidades reais e sim atributos dados a comportamentos. Dito de outra forma, eles não estão nos indivíduos e nem fora dos indivíduos como uma entidade maléfica ou benfazeja. Bem e mal são tipos de comportamentos assim denominados e que também são aprendidos. Os mesmos processos, que regem a aprendizagem de qualquer comportamento, estão presentes na aprendizagem de fazer o bem e fazer o mal. Podemos aprender comportamentos de fazer o bem, observando pessoas (modelos) que agem de maneira equilibrada e espalham o bem e, por outro lado, observando-nos a nós mesmos, como salientou Paulo em sua epístola aos romanos.


Referências
:

(1) Romanos, 7:19-21 – (p. 2131) A Bíblia de Jerusalém.

(2) Mischel, W. (1958). Preference for delayed reinforcement na experimental study of a cultural of observationThe Journal of Abnormal and Social Psychology, 56, 57-61.


  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita