Feira
dos
milagres
A mediunidade é coisa santa e deve ser praticada
santamente, religiosamente...
“Dai gratuitamente o que gratuitamente haveis
recebido.” - Jesus. (Mt.,
10:8.)
Compete-nos, sem dúvida alguma, procurar atenuar,
minimizar e mesmo eliminar toda causa de dor e aflição,
seja de que natureza for. Para isso Deus nos ofertou a
inteligência e os recursos da medicina e das ciências em
geral.
Ora, se temos um espinho nos incomodando, o lógico é
procurar eliminá-lo e não aprofundá-lo ainda mais à
guisa de cilícios desnecessários...
Por outro lado, existe uma natural disposição nas
criaturas, de procurar facilidades de superfície e “milagres” imediatos
para resolver problemas sem maiores e mais profundos
compromissos com a mudança dos maus hábitos. As pessoas
colocadas nessa posição, imediatistas por excelência,
sem maiores descortinos espirituais, são presas fáceis
dos atravessadores da fé.
Ensina Allan Kardec: “Jesus
expulsou do templo os mercadores. Condenou assim o
tráfico das coisas santas sob qualquer forma. Deus não
vende a Sua bênção, nem o Seu perdão, nem a entrada no
reino dos Céus. Não tem, pois, o homem, o direito de
lhes estipular preço”.
E continua o Mestre
Lionês o seu esclarecimento: “a
mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada
santamente, religiosamente. Se há um gênero de
mediunidade que requeira essa condição de modo ainda
mais absoluto é a mediunidade curadora. O médico dá o
fruto de seus estudos, feitos, muita vez, à custa de
sacrifícios penosos. Pode pôr-lhes preço. O médium
curador transmite o fluido salutar dos bons Espíritos;
não tem o direito de vendê-lo. Jesus e os apóstolos,
ainda que pobres, nada cobravam pelas curas que
operavam.
Procure, pois, aquele que carece do que viver, recursos
em qualquer parte, menos na mediunidade; não lhe
consagre, se assim for preciso, senão o tempo de que
materialmente possa dispor. Os Espíritos lhe levarão em
conta o devotamento e os sacrifícios, ao passo que se
afastam dos que esperam fazer deles uma escada por onde
subam”.
Hermínio C. Miranda alinha
seis condições que o médium e os trabalhadores das Casas
Espíritas devem ter sempre em conta em seus trabalhos:
1 – Paciência para esperar o momento certo da
ação.
2 – Serenidade para aceitar críticas e correções.
3 – Bom senso para rejeitar sugestões e “palpites” de “entendidos” que
nada entendem.
4 – Cuidado com os que se deixam fascinar pelos
fenômenos e acabam suscitando no médium uma falsa
euforia que acaba por gerar nele uma autêntica vaidade.
5 – Humildade para aprender o que não sabe e
corrigir desvios e equívocos.
6 – Vigilância para identificar possíveis
envolvimentos, tanto da parte dos encarnados como dos
desencarnados.
Esclarece ainda Miranda, o nobre e saudoso escritor
espírita: “equívocos lamentáveis resultam, com
frequência, de permitir a médiuns ainda não
suficientemente preparados e seguros, exercer suas
faculdades somente porque produzem fenômenos insólitos e
até espetaculares ou dizem coisas que impressionam os
assistentes. Isto é particularmente sério e prejudicial
quando os grupos se entregam à perniciosa prática das
sessões mediúnicas públicas. Nesses casos, uma forma de
mediunidade mais dramática ou teatral pode conduzir a
desenganos imprevisíveis a partir do fascínio que começa
a exercer não apenas sobre os assistentes maravilhados,
mas sobre o próprio médium envaidecido e convicto de que
é um excepcional sensitivo, dotado de poderosas
mediunidades, praticamente infalível.
Vários atalhos, todos indesejáveis e funestos, partem
desse núcleo de vaidades em jogo. Pode surgir dali um
sistema de exploração comercial da mediunidade, por mais
legítima e autêntica que seja, de início. Isso é de se
esperar especialmente quando a mediunidade é posta a
serviço de interesses pessoais dos médiuns, dos
dirigentes e do próprio público, na distribuição de ‘consultas’ sobre
a saúde, negócios, problemas de família, rivalidades e
até sorte em jogos de azar.
Mil e um artifícios são inventados para justificar a
cobrança de “serviços” sem que pareça
ostensivamente estarem pondo em prática uma ‘feira de
milagres’. Pode ser sob forma de donativos “espontâneos” ao
grupo, ao médium ou aos dirigentes, ou presentes
materiais, testemunhos e reconhecimento, traduzidos em
alguma forma concreta, material, e outros artifícios
sutis ou mesmo não tão sutis.
Mesmo que o grupo não enverede, porém, pela
mercantilização aberta ou camuflada, muitas vezes
permite, e até estimula, o endeusamento do médium, que
assume a condição de verdadeiro e infalível guru; adota
posturas teatrais e começa a vestir-se de maneira
diferente, estapafúrdia, ornado de adereços, símbolos
secretos e talismãs misteriosos.... Isso nada tem a ver
com as práticas recomendadas pela Doutrina Espírita.
Trata-se de exercício inadequado da mediunidade. O
Espiritismo não se coloca como dono dos médiuns, nem das
faculdades que lhes tocam. No contexto do movimento
espírita, contudo, não se pode admitir que a mediunidade
seja aviltada ou canalizada para promoção pessoal deste
ou daquele médium, desta ou daquela instituição.
Para que os resultados esperados da mediunidade sejam
confiáveis, a Doutrina Espírita faz questão de manter
elevado o padrão de qualidade nas práticas mediúnicas.
É, portanto, fácil ao
médium iniciante testar e conferir as condições de
trabalho que lhe são oferecidas em qualquer grupamento
que se diga espírita. Basta confrontar os procedimentos
ali adotados com os que recomendam os livros básicos do
Espiritismo. Daí a incansável insistência de todos os
autores responsáveis no sentido de que, antes de
entregar-se à prática mediúnica regular, deva o médium
em treinamento dedicar-se a um criterioso e metódico
estudo dos aspectos teóricos da mediunidade,
expostos principalmente em ‘O Livro dos Médiuns’, que
é o manual indispensável na preparação de todo aquele
que pretenda devotar-se com seriedade ao correto
desenvolvimento e utilização de suas faculdades. Nada de
açodamento ou afoiteza nessa hora em que são lançadas as
bases sobre as quais deverá apoiar-se toda uma estrutura
de conhecimento e de experiência sobre a qual as
faculdades serão postas a trabalhar”.
-
KARDEC, Allan. O Evangelho seg. o
Espiritismo. 129. ed. Rio [de Janeiro]: FEB,
2009, cap. XXVI, itens 6 e 10.