O empresário carioca Frederico Figner, proprietário da
Casa Edison e introdutor do fonógrafo no Brasil, era tão
rico quanto espírita. Ele trocou cartas com Chico Xavier
dezessete anos seguidos. E o ajudou muito. Sem suas
doações, o datilógrafo da Fazenda Modelo não conseguiria
atender tanta gente. A cada mês, o filho de João Cândido
gastava o correspondente a três vezes o seu salário só
com assistência social. Para Chico, os ricos deveriam
ser considerados "administradores dos bens de Deus". Ao
longo de sua vida, ele ajudaria muitos milionários
"benfeitores" a canalizar os "tesouros divinos" para a
caridade.
Numa de suas idas a Pedro Leopoldo, Figner perguntou a Chico
qual era o seu ideal. Ouviu dele a resposta espiritualmente
correta: Meu ideal é viver o Evangelho de acordo com Nosso
Senhor Jesus Cristo e servir humildemente ao homem.
Figner insistiu: Está certo, está certo. Esse é o seu ideal
espiritual. Mas eu queria saber se há aqui no nosso mundo mesmo,
o material, algum objetivo que você gostaria de alcançar. O
empregado de Rômulo Joviano foi franco: Ora, meu caro, se
dependesse de mim, eu gostaria de ter uma renda de trezentos
mil-réis mensais para poder me dedicar aos necessitados livre e
despreocupado em relação à vida material.
Figner nunca mais tocou no assunto. Continuou acumulando
milhões, enquanto escrevia artigos em jornais espíritas contra o
catolicismo e a favor do Espiritismo. Em 1947, ele morreu. Antes
de se retirar para o outro mundo, deixou para as filhas, em
testamento, 35 mil contos de réis e reservou cem contos para
Chico. A quantia tinha razão matemática: se o funcionário da
Fazenda Modelo depositasse o dinheiro no banco, a soma renderia,
em juros, exatos trezentos mil-réis mensais.
Quando Chico abriu o envelope enviado pelo advogado da família
Figner e encontrou o cheque, ficou em pânico:
– Senhor? Que será que este dinheiro quer fazer comigo?
A herança chegou logo após uma reunião de família das mais
tensas. João Cândido não tinha como pagar o imposto da casa onde
moravam. Deviam oito mil réis, ou seja, 7% do total mensal que
estavam prestes a receber apenas de juros. O escrevente da
Fazenda Modelo nem pensou duas vezes. Enfiou o cheque num
envelope e o mandou para o endereço de origem. João Cândido se
arrependeu amargamente de não ter internado o filho enquanto era
tempo. Já não dava mais. O garoto tinha 37 anos.
Dias depois, os cem contos voltaram às mãos de Chico Xavier,
acompanhados de uma carta das filhas de Figner. Não aceitariam o
dinheiro de volta, iriam cumprir as ordens do pai, apesar de
serem católicas. Afinal de contas, foi o último desejo dele.
Chico já sabia dizer "não". E insistiu na recusa. Nova
devolução. Nova carta. O toma-lá-dá-cá só terminou quando Chico
Xavier sugeriu às filhas de Figner que elas enviassem o dinheiro
direto para a Federação Espírita Brasileira. A quantia ajudaria
na instalação de novas oficinas para o livro espírita.
Em carta a Wantuil de Freitas, ele comunicou a doação e ainda se
deu ao trabalho de tranquilizar o presidente da FEB: Nada me
falta e não é sacrifício nenhum da minha parte, porque,
providencialmente, Jesus me aproximou do nosso amigo Manoel
Jorge Gaio, que tem me auxiliado a sustentar a luta. Se os
deveres aumentaram para mim, aumentou a sua proteção, porque o
Sr. Gaio me provê do que preciso. Sua senhora, D. Marietta Gaio,
chama-me 'filho", ajudando-me também com sua ternura e
abnegação. Chico pedia apenas um favor ao amigo: discrição.
Obedecia a uma orientação de Emmanuel: "Fazer com uma mão o bem,
de tal forma que a outra mão não veja".
Do livro As vidas de Chico Xavier, de Marcel Souto Maior.
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