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por Ricardo Orestes Forni

 

A dor que é morta


Que você já leu o ensinamento de que a fé sem obras é morta, não há dúvida, mas a afirmativa do título acima – a dor que é morta - tenho minhas dúvidas de que já tenha lido.

Por exemplo, quando em um sinaleiro da cidade nós vemos crianças esmolando para sustentar vícios dos pais, sentimos profundamente. Pelo menos creio que sim. Entretanto, quando o sinal nos autoriza prosseguirmos com o carro, aquela visão e o consequente sentimento de tristeza se esvaem.

Quando assistimos em qualquer canal de televisão à notícia de um pai que molestou sexualmente a própria filha por anos seguidos dentro da própria casa, um sentimento de revolta contra o agressor e de piedade para com a vítima são inevitáveis. Mas, quando o canal de televisão que anunciava a tragédia é desligado, tanto a revolta como a piedade desaparecem.

Essa epidemia, talvez até mesmo uma pandemia, do coronavírus, ceifando vidas aqui e acolá, gera um sentimento de fraternidade mundial, que serve para desviar o foco de atritos entre superpotências que põem em risco a paz do planeta, mas faz nascer no coração do homem uma tristeza por existências que são ceifadas pela doença. Porém, assim que a moléstia for controlada, passará a existir tempo e espaço para que os atritos bélicos se reagudizem em vários pontos ocupados pelo ser humano, passando a impressão de que a humanidade não tem mais um inimigo comum.

Ou seja, nosso amor pelo semelhante ainda é tão frágil que parece escapar assim que uma situação de sofrimento se perde no passado, mesmo que num passado muito precoce.

Irmão José no livro Com Cinco Pães E Dois Peixes, psicografia de Baccelli, Editora DIDIER, tem uma página que vem se encaixar e muito bem nessa realidade.

Diz ela: Muitos se comovem diante da dor, mas nada fazem para amenizá-la.

Muitos lamentam a situação de penúria em que vive determinada pessoa, mas nada fazem para auxiliá-la.

Muitos se indignam com a injustiça que presenciam, mas nada fazem para combatê-la.

Muitos se entristecem com a infância desvalida nas ruas, mas nada fazem para socorrê-la.

Muitos clamam contra a crescente onda de violência, mas nada fazem para erradicá-la.

O mundo em ruínas não está precisando de quem chore sobre os seus escombros, mas, sim, de quem transpire na sua reconstrução.

Chico se comovia com a dor das pessoas que o procuravam, chorava com o desespero das mães que achavam que tinham perdido seus filhos, mas se doava totalmente nas longas horas de trabalho mediúnico trazendo notícias consoladoras aos corações mergulhados em dores atrozes.

O mesmo podemos dizer de Irmã Dulce que não ficou a observar os necessitados esquecidos pelas ruas, mas, esmolando em todos os lugares por ela percorridos, conseguiu levar o socorro a tantos deles.

Madre Teresa de Calcutá está inserida nesse mesmo procedimento de amor aos seus semelhantes. Quantas peregrinações e lutas pelo planeta!

Que se inclua exemplarmente a Divaldo Franco com a sua gigantesca obra da Mansão do Caminho, sem mencionarmos sua tarefa mediúnica de grandeza ímpar e também as suas sacrificiais viagens a muitos países levando a mensagem consoladora do Espiritismo.

Muitos outros vultos teriam para ser citados, mas deixamos a cargo da lembrança de cada leitor essa menção.

O que podemos concluir do nosso comportamento de passar pela dor sem nada fazer, mesmo que seja muito pouco o que possamos doar para amenizá-la, é que toda dor que venhamos a sentir e que nada produz para suavizar o sofrimento daqueles que nos cruzam o caminho, a exemplo da fé sem obras, essa dor transitória, passageira, fugaz, essa dor que não nos mobiliza em direção ao sofredor, também é morta em si mesmo.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita