Entrevista

por Marinei Ferreira Rezende

José Virgílio Góes: uma vida dedicada à doutrina espírita

José Virgílio Góes (foto) é natural de Florianópolis (SC), onde nasceu no dia 13 de julho de 1931. Ali iniciou, em 1940, sua jornada nas lides espíritas, primeiro como evangelizando e depois como evangelizador, na Escola Dominical de Moral Cristã Neio Lúcio, do Centro Espírita Dr. Bezerra de Menezes. Oficial do Exército Brasileiro, residiu, em função do cargo, em diferentes localidades e estados. Foi presidente da Federação Espírita do Estado do Amazonas e exerceu na Federação Espírita do Paraná inúmeras funções e cargos de direção, tendo sido também secretário da Comissão Regional Sul do Conselho Federativo Nacional. Atualmente é Conselheiro efetivo da Federação Espírita do Paraná e Assessor pró-unificação da presidência da entidade. Ele concedeu-nos, gentilmente, a entrevista seguinte.

Houve algum fato ou circunstância especial que tenha levado seus pais ao Espiritismo?

Sim. Meu pai, Virgílio João Góes, diagnosticado como portador de loucura (assédio espiritual, assim entendemos), foi levado a uma Casa Espírita e lá lhe disseram que só ficaria curado se construísse um Centro Espírita. Ele não contou tempo e no mesmo ano, 1940, juntamente com mais três de seus amigos (vizinhos), resolveu fundar um Centro Espírita, embora na época a prática espírita fosse terminantemente proibida. Precisa-se dizer que a partir da fundação do Centro a loucura o abandonou? Eis aí, pois, o fato marcante do início do nosso aprendizado espiritista. Nome do Centro: Centro Espírita “Dr. Dr. Bezerra de Menezes”, localizado no Morro do Chapecó, Bairro Agronômica, em Florianópolis (SC), o qual está ativo até hoje.

Como é sentir-se com a idade que tem e trabalhando no Movimento Espírita? E sobre Unificação, você acha que está mais fácil hoje do que quando você começou a coordenar essa atividade, anos atrás?

A questão da idade só me tem dificultado – ainda hoje – quando, em alguns momentos no Movimento Espírita, nos deparamos com aqueles dirigentes que ainda não entenderam o valor da fraternidade, da solidariedade, da tolerância e, até mesmo, da humildade – entre tantos outros valores necessários para o bom desempenho do trabalhador espírita, quando à frente de uma tarefa de direção no sistema federativo e no movimento espírita, como um todo. Infelizmente, para algumas pessoas, a idade e até mesmo a experiência pouco significam.

Quanto ao trabalho de Unificação, este continua, ainda hoje, sendo considerado assim como um processo de “padronização”, de “uniformização”, por culpa dos que estamos na direção de atividades pertinentes à Unificação e não termos tido a preocupação e o cuidado de procurar conhecer melhor as Diretrizes norteadoras, documentos provenientes do Conselho Federativo Nacional, todos atualizados, tratando do assunto Unificação do Sistema Federativo e do Movimento Espírita.

Convém lembrar que outras iniciativas foram postas em prática ao longo do tempo, desde a primeira passagem de Bezerra de Menezes pela presidência da FEB em 1889), quando, ao se deparar com uma mensagem de Allan Kardec,  recebida pelo médium Frederico Junior, no ano anterior (1888), a qual chamava a atenção para a necessidade da união dos espíritas e para o estudo doutrinário – além de outras recomendações –, preocupou-se, oportunizando  à FEB a elaboração de um documento denominado “Bases de Organização Espírita” (publicado no Reformador de novembro de 1904), cuja principal preocupação foi a de criar, em todos os Estados da União, um órgão unificador que, comunicando-se com os demais órgãos estaduais e com a FEB, mantivesse a harmonia do Movimento Espírita, visando garantir sua unidade e, em consequência,  a expansão segura do Espiritismo, o que só se conseguiu – aqui no Brasil – com o advento do Pacto Áureo, em 1949.

Sobre o Pacto Áureo, o atual presidente da FEB, Sr. Jorge Godinho Barreto Nery, ao ser entrevistado por esta mesma revista “O Consolador”, assim se manifestou: “O Pacto Áureo é a expressão mais lúcida de entendimento e concórdia entre os espíritas”. “Pacto Áureo”, como todos sabemos, é o título dado por Lins de Vasconcellos à reunião que o originou, momento em que o assunto Unificação do Movimento Espírita foi amplamente analisado, examinado, debatido.

Algum tempo depois, para consolidação daquelas ideias, Chico Xavier foi procurado para que se obtivesse do Plano Espiritual orientação mais segura de como nós, os encarnados, deveríamos agir. A resposta veio - até de um “nível mais alto” – tal como fora pretendido, e quem se apresentou foi Bezerra de Menezes, trazendo a solução aguardada, através de recomendações, recebidas com o título de Unificação, o que permitiu melhor desenvolver-se o trabalho de ação federativa e uma melhor conscientização relativamente à ação e postura, necessárias à solução do grave problema que vinha então ocorrendo. Isso permitiu que fossem ratificadas a autonomia e a liberdade das Instituições Espíritas, permitindo-lhes total autoridade sobre suas programações e atividades, ficando então entendido que o trabalho de União e de Unificação do Sistema Federativo do Movimento Espírita visa oferecer, sem exigir compensações; ajudar, sem criar condicionamentos; e unir, sem tolher iniciativas, preservando os direitos e valores de que desfrutam.

O movimento de Unificação espírita deveria buscar quais parâmetros?

“Jesus não nos chamou para exercer a função de palmatórias na instituição universal do Evangelho, e, sim, foi categórico ao afirmar: Os meus discípulos serão conhecidos por muito se amarem”, lembrou-nos, em certa ocasião, Chico Xavier. Cremos que aí encontramos a resposta a esta pergunta.

Das lições que o Evangelho nos apresenta, a que mais lhe chama a atenção?

A síntese da Lei do Amor: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (João, cap. 13). Relativamente à Unificação no Movimento Espírita, lembremos também: “Eu sou o Bom Pastor: O Bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar outras, e elas ouvirão a minha vós, e haverá um rebanho e um Pastor. (João, 10:11-16).

Quanto aos vultos do Espiritismo, quem você tem como exemplo?

Vamos ficar devendo – com a devida vênia – nossa resposta, uma vez que são tantos e impossível seria nominá-los, além da falha de memória que poderia ocorrer, deixando de fora um ou outro de igual ou maior importância.

De suas lembranças, cite um ou mais fatos marcantes na história do movimento espírita da sua cidade.

São inúmeros, mas gostaríamos de citar três deles:

As Conferências Espíritas, realizadas anualmente, inclusive em várias cidades do interior do nosso Estado; neste ano de 2020 tivemos a 22ª Conferência Estadual Espírita.

A construção do Recanto Lins de Vasconcellos, Centro de Eventos do Movimento Espírita do Paraná que dispõe de dois auditórios, salas de reuniões, restaurante, apartamentos e outros alojamentos para hospedagem.

Com a devida vênia, permitam-nos incluir também, na condição de um dos fatos marcantes da história do Movimento Espírita do Paraná, do qual nos orgulhamos de ter participado, pessoalmente, a instalação da União Regional Espírita Metropolitana de Londrina (16ª. Região Federativa), cuja inspirada iniciativa deve-se à liderança do confrade Astolfo Olegário de Oliveira Filho.

Diga-nos como é sentir-se quase centenário.

Alguns dos meus oito bisnetos me apelidaram de “idolescente” (não sei o porquê)... Procuro manter a cabeça no devido lugar, não deixando que ela envelheça (mesmo quando o resto do corpo não queira compartilhar). Preciso se faz considerar o desgaste físico como natural, não exigindo dele mais do que é capaz, respeitando, assim, o que a Natureza impõe. Enquanto a “data de validade” estiver em vigor, continuaremos no trabalho voluntário, sob a bondosa solidariedade dos que nos cercam – carinhosamente – sem deixar de agradecer sempre a todos e, em primeiro lugar, ao Senhor da Vida, a graça de poder continuar trabalhando – embora em pequenas tarefas – até hoje.

Suas palavras finais.

Ainda com relação à Unificação no Movimento Espírita, adicionamos como atividades ou metas que consideramos fundamentais: aproximar os espíritas para que melhor se conheçam e mais se confraternizem; tornar estável, homogêneo e eficaz o Movimento Espírita; trocar experiências e conhecimentos em todos os aspectos do Movimento Espírita; aperfeiçoar progressivamente todos os setores das atividades espíritas; tornar o Movimento Espírita uma força social cada vez mais útil e mais eficiente para a evolução humana, no sentido espiritual, solidário, fraterno e com espírito de cidadania; concorrer eficientemente para o desaparecimento do personalismo individual ou de grupo no meio espírita, facilitando o desenvolvimento da humildade e da renúncia tão necessárias para a estabilidade dos trabalhos coletivos e para a vivência da felicidade constante; fortalecer o Movimento Espírita, de forma consciente e permanente, para que possa superar os naturais obstáculos à difusão da Doutrina Espírita; demonstrar às Instituições Espíritas os benefícios da integração e participação solidária no Movimento Espírita, ao compartilhar das experiências, atividades e realizações das demais Instituições Espíritas; enfatizar que a unificação colabora com o desenvolvimento das demais Instituições, direta ou indiretamente, tanto quanto contribui para uma definição do Movimento Espírita perante as religiões, a opinião pública e os poderes constituídos; ressaltar sempre que a direção coletiva - como preceitua Allan Kardec - deve ter autoridade estritamente moral e não disciplinar; cada parte componente do todo continua livre, vivendo os ideais de seus estatutos e de suas programações, dirigindo-se por si mesmas; a direção coletiva estuda, conclui, sugere, aconselha, propõe, mas não impõe e nem absorve. A adesão deve ser sempre voluntária e consciente, devendo todos concorrer para a direção coletiva, direta ou indiretamente. A ação federativa far-se-á sempre no sentido da aproximação fraterna das Instituições Espíritas, objetivando a troca de experiências e, acima de tudo, a União e a Fraternidade.

“Solidários, seremos união. Separados uns dos outros, seremos pontos de vista. Juntos, alcançaremos a realização de nossos propósitos. Distanciados entre nós, continuaremos à procura do trabalho com que já nos encontramos honrados pela Divina Providência.” (Mensagem de União, nov./dez. 1980)

“Dez homens sinceramente ligados por um pensamento comum são mais fortes do que cem que não se entendem.” (Allan Kardec)

Por final, a nossa mais verdadeira gratidão pela presente oportunidade, aliada aos votos de progresso e de muita paz a todos. 

 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita