Brasil
por Jorge Leite de Oliveira

Ano 14 - N° 667 - 26 de Abril de 2020

Trajetória de um espírita mineiro


Nos dias atuais, exacerbam-se as atrocidades, que são divulgadas nos meios de comunicação, com relatos de guerras e terrorismo devido à intolerância religiosa. Quando a fé de muitos tem esfriado, em virtude do império do materialismo e de toda a sorte de ausência de sentimento ético e humanitário; quando políticos e empresários corruptos fazem de tudo para enriquecerem ilicitamente, precisamos parar um pouco e pensar naquelas pessoas simples de todos os recantos do planeta, que nos dão exemplos de humildade e de amor ao próximo. Mais ainda nos dias atuais, em que o Covid-19 se alastra mundo afora e afasta, fisicamente, as pessoas umas das outras. Entretanto, é momento em que a solidariedade e a criatividade tornam-se mais vivas em todos os setores econômicos e sociais.

Embora todo esse alvoroço de “fim dos tempos”, prevalecem no mundo bilhões de pessoas que deixam sua marca indelével nas comunidades onde vivem. Poderíamos citar inumeráveis exemplos delas, mas vamos nos ater ao nome de Jair Ribeiro de Oliveira, hoje com 90 anos (um pouco mais novo do que Divaldo Pereira Franco, atualmente, com 92 anos de idade, mas perto de alcançar 93, em 5 de maio próximo, e ainda divulgando o Espiritismo em memoráveis palestras gravadas em vídeo ou ao vivo, pela internet).

Jair nasceu em 30 de outubro de 1929, no estado de Minas Gerais. Seus pais eram espíritas e lhe deram quatro irmãos. Todos eles seguiram a crença paterna. Casou-se com Cidenir Mendonça de Oliveira, excelente médium vidente e audiente, que desencarnou em 2003. O casal criou, com muito amor e exemplar educação, três filhos: Vinícius, Anália e Fabiano, que lhe souberam retribuir esse amor, com os netos também muito amados.

Iniciação espírita

As atividades espíritas de Jair iniciaram-se no começo da segunda metade do século XX, no Centro Espírita Amor ao Próximo, situado na cidade de Leopoldina, MG, do qual foi diretor no biênio 1955/56.

Depois disso, nunca mais deixou de ser atuante no meio espírita. Ao mudar-se para Viçosa, MG, em 1963, foi um dos diretores do recém-fundado Centro Espírita Camilo Chaves, que ajudou a organizar. Em 1970, quando Jair foi transferido, novamente, então para Belo Horizonte, MG, atuou como passista e expositor do Centro Espírita Oriente. Em 1974, junto com outros confrades e sua esposa, organizou o Grupo Mediúnico Abel Gomes, que dirigiu por cerca de dez anos.

Obras espíritas

Ainda em Belo Horizonte, de 1980 até os dias atuais, Jair participou das seguintes obras espíritas: fundação do Centro Espírita Paz e Amor, no qual permaneceu atuante por cerca de dezessete anos; coordenador do Departamento de Assistência Social da Aliança Municipal Espírita (AME); fundação do Grupo Espírita da Luz Divina, onde permaneceu por onze anos e editou o jornal espírita intitulado O despertar, do qual foi seu redator. Por fim, desde 27 de abril de 2003, presta seus serviços como expositor e redator do jornal O pirilampo, que fundou junto com a Fraternidade Espírita Luz Acima. Essa casa, atualmente, fundiu-se com o Grupo Espírita Luz Divina.

Nesses cerca de setenta anos de atuação espírita, Jair escreveu cinco livros com temas espíritas. As obras foram inspiradas na mediunidade de sua esposa Cidenir, noutros médiuns e nos casos presenciados por ele, durante as décadas de sua atuação nas diversas casas que ajudou a fundar e dirigir. São obras editadas, financiadas pelo autor, com seus recursos de bancário aposentado, cujos lucros são doados às obras sociais. Nelas são citados vários fatos do cotidiano, dos quais procura sempre extrair um ensinamento elevado e aos quais deu os seguintes títulos: Retalhos da vidaRevivendo o cotidianoLabaredas mentaisCrer ou não crer? e Trajetória de luz.

Casos e histórias

Conhecido por seu dom de contador de casos, com rara habilidade e simplicidade, além de poeta, Jair narrou-nos, há anos, e depois nos enviou por escrito, três histórias vivenciadas por ele em sua infância e juventude no interior mineiro. A seguir, vamos citar cada uma delas.

A primeira ocorreu quando ele estava na idade de doze anos. Nessa época, era normal o hábito dos jovens de matar passarinhos com uma atiradeira, também chamada de estilingue. Contou-nos, Jair, que, certo dia, avistou um passarinho pousado no galho de uma árvore. Então, pegou seu estilingue, no qual, por diversas vezes, colocava uma pedra e a lançava na direção da ave que, estranhamente, não se mexia de onde estava. Até que, lá pelas tantas tentativas, acertou o pássaro, que caiu morto no chão. Da janela de sua casa, seu tio viu sua proeza, chamou-o e disse-lhe o seguinte:

— Jair, até que enfim você conseguiu matar o passarinho, não é mesmo?

Todo empolgado, nosso amigo respondeu-lhe:

—Viu como sou bom de pontaria, tio?

Ao que seu tio lhe retrucou sorrindo:

— Bom coisa nenhuma, você só acertou a pobre ave porque ela estava doente e não conseguia mais voar. Mas vou lhe dar um conselho, disse sério: não destrua a fauna de nossa bela Natureza, presente de Deus que precisamos preservar. Seja bom para com todos os seres da Terra e você será muito feliz.

O sobrinho ficou envergonhado do que fizera e nunca mais matou ave nem outro animal qualquer. Entretanto, Jair tinha outro hábito não recomendável de dizer palavrões. Passados alguns dias, o jovem estava caminhando descalço, como era comum no interior. Num dado momento, bateu com o dedão de um dos pés numa pedra e começou a chorar e proferir calões. Seu tio, que passava pelo local, viu a cena e apressou-se em socorrê-lo. Tratou o dedão machucado do sobrinho e, após acalmá-lo, fez-lhe a seguinte recomendação:

— Jair, palavrão não é sedativo e nem calmante.  Por que você não faz uma prece a Deus, ao invés de falar palavras torpes? Não fica bem para um rapazinho bonito e educado ficar gritando palavrões toda vez que se machucar ou se zangar. O melhor remédio, nessas horas, ainda é a oração.

Nunca mais Jair falou palavrões.

O último caso narrado por ele foi o de uma faquinha de prata que ganhou num baile de fim de semana, quando já estava com a idade de 17 anos. O cabo era de madrepérola e a bainha era de couro marrom, que Jair orgulhosamente ostentava no cinto da calça quando seu tio o avistou e perguntou-lhe:

— Ué, Jair, você agora resolveu andar armado? Por que motivo? Quer se defender ou atacar alguém?

O jovem respondeu-lhe, então, que sua intenção não era a de violência e, sim, para chamar a atenção das moças e ser respeitado pelos colegas.

Foi aí que ouviu o terceiro conselho que nunca mais esqueceria:

— Jair, você é um bom rapaz, de família espírita. Não lhe fica bem sair por aí com uma faca na cintura. Quando estamos armados, não nos lembramos de Deus e, sim, atraímos as más companhias e adversários encarnados ou desencarnados. Se eu fosse você, mesmo sabendo que a faquinha é bonita, eu me livrava dela o mais rápido possível. Deixe-a com sua mãe, ela saberá fazer bom uso da faca quando desejar descascar uma fruta ou cortar um legume. Ou melhor, ajude-a a fazer bom uso desse instrumento na cozinha de sua casa.

Nunca mais Jair se exibiu com faca na cintura.

Agora, idoso, ele relembra esses casos e conclui com o poema de versos livres intitulado Eu e ele, que cito abaixo:

 

O sábio escuta o conselho positivo,

A Natureza nos aconselha silenciosamente,

O respeito é parte do amor vivo,

O aviso constitui aprendizado veemente.

 

Ele e eu, conselheiro e aconselhado,

O primeiro, com sabedoria, indica solução,

O segundo mostra-se sensibilizado, se ajustado,

E mais, o consiliário agiu com o coração.

 

Caminhemos na ribalta da vida,

Todos na direção de uma claridade,

É a glória de Deus, é a evolução devida.

 

Somos irmãos do Cristo, nosso Mestre santificado,

Governador da Terra, homérica Potestade,

Respeitemos sua grandeza, é o rei crucificado.

 

consiliário ou conselheiro de Jair chamava-se Sebastião Ribeiro de Oliveira. Teve oito filhos: seis meninos e duas meninas, uma das quais morreu com poucos meses de vida. A todos buscou criar nos padrões espíritas e em condições econômicas modestíssimas, mas com muita dignidade. Embora tenha desencarnado aos 53 anos de idade e deixado sua esposa viúva com 40 anos, foi sempre um modelo de bom pai e marido.

Pessoas como Seu Sebastião e esposa, Cely, falecida aos 89 anos, cercada da gratidão e amor dos filhos e netos; Jair e esposa, Cidenir, deixam um rasto de luz por onde passam e jamais são esquecidas por todos os que as conhecem. Mas isso não dá mídia...

Quando morreu o tio de Jair, Seu Sebastião, dos seus sete filhos restantes, a filha mais velha estava com dezesseis anos de idade. Os seis filhos seguintes tinham treze, onze, nove, oito e três anos, que era a idade dos gêmeos.

Seu Sebastião foi meu pai, e Jair é meu primo, filho de tia Auta, que teve cinco filhos, todos eles ainda vivos e espíritas dedicados a obras sociais e de divulgação espírita. Esses são verdadeiros espíritas, ou espíritas cristãos, como os classifica Allan Kardec.

Não podíamos terminar sem citar o recente poema que Jair nos enviou, que esperamos não ser o último, embora sua aparente despedida:

 

A toda gente...

 

Presume-se tratar de despedida,

Partirei saudoso de tudo que ficar,

Seguirei o óbvio caminho da vida,

Todavia, desconheço onde vou estar.

 

Meus agradecimentos a toda gente,

Que honrou-me com carinho e atenção,

Não mereço tanto, mas sinto-me contente,

Coisa de Deus, vivo enorme emoção.

 

Fiz tudo o que pude,

Mas não realizei o que devia,

Trilhei senda adversa, vereda rude.

 

Sou filho de Deus e seu protegido,

Mas, como viandante lento, virtude vazia,

Contudo, estou feliz na Terra, sou querido.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita