Trajetória de um espírita mineiro
Nos dias atuais, exacerbam-se as atrocidades, que são
divulgadas nos meios de comunicação, com relatos de
guerras e terrorismo devido à intolerância religiosa.
Quando a fé de muitos tem esfriado, em virtude do
império do materialismo e de toda a sorte de ausência de
sentimento ético e humanitário; quando políticos e
empresários corruptos fazem de tudo para enriquecerem
ilicitamente, precisamos parar um pouco e pensar
naquelas pessoas simples de todos os recantos do
planeta, que nos dão exemplos de humildade e de amor ao
próximo. Mais ainda nos dias atuais, em que o Covid-19
se alastra mundo afora e afasta, fisicamente, as pessoas
umas das outras. Entretanto, é momento em que a
solidariedade e a criatividade tornam-se mais vivas em
todos os setores econômicos e sociais.
Embora todo esse alvoroço de “fim dos tempos”,
prevalecem no mundo bilhões de pessoas que deixam sua
marca indelével nas comunidades onde vivem. Poderíamos
citar inumeráveis exemplos delas, mas vamos nos ater ao
nome de Jair Ribeiro de Oliveira, hoje com 90 anos (um
pouco mais novo do que Divaldo Pereira Franco,
atualmente, com 92 anos de idade, mas perto de alcançar
93, em 5 de maio próximo, e ainda divulgando o
Espiritismo em memoráveis palestras gravadas em vídeo ou
ao vivo, pela internet).
Jair nasceu em 30 de outubro de 1929, no estado de Minas
Gerais. Seus pais eram espíritas e lhe deram quatro
irmãos. Todos eles seguiram a crença paterna. Casou-se
com Cidenir Mendonça de Oliveira, excelente médium
vidente e audiente, que desencarnou em 2003. O casal
criou, com muito amor e exemplar educação, três filhos:
Vinícius, Anália e Fabiano, que lhe souberam retribuir
esse amor, com os netos também muito amados.
Iniciação espírita
As atividades espíritas de Jair iniciaram-se no começo
da segunda metade do século XX, no Centro Espírita Amor
ao Próximo, situado na cidade de Leopoldina, MG, do qual
foi diretor no biênio 1955/56.
Depois disso, nunca mais
deixou de ser atuante no meio espírita. Ao mudar-se para
Viçosa, MG, em 1963, foi um dos diretores do
recém-fundado Centro Espírita Camilo Chaves, que ajudou
a organizar. Em 1970, quando Jair foi transferido,
novamente, então para Belo Horizonte, MG, atuou como
passista e expositor do Centro Espírita Oriente. Em
1974, junto com outros confrades e sua esposa, organizou
o Grupo Mediúnico Abel Gomes, que dirigiu por cerca de
dez anos.
Obras espíritas
Ainda em Belo Horizonte, de 1980 até os dias atuais,
Jair participou das seguintes obras espíritas: fundação
do Centro Espírita Paz e Amor, no qual permaneceu
atuante por cerca de dezessete anos; coordenador do
Departamento de Assistência Social da Aliança Municipal
Espírita (AME); fundação do Grupo Espírita da Luz
Divina, onde permaneceu por onze anos e editou o jornal
espírita intitulado O despertar, do qual foi seu
redator. Por fim, desde 27 de abril de 2003, presta seus
serviços como expositor e redator do jornal O
pirilampo, que fundou junto com a Fraternidade
Espírita Luz Acima. Essa casa, atualmente, fundiu-se com
o Grupo Espírita Luz Divina.
Nesses cerca de setenta anos de atuação espírita, Jair
escreveu cinco livros com temas espíritas. As obras
foram inspiradas na mediunidade de sua esposa Cidenir,
noutros médiuns e nos casos presenciados por ele,
durante as décadas de sua atuação nas diversas casas que
ajudou a fundar e dirigir. São obras editadas,
financiadas pelo autor, com seus recursos de bancário
aposentado, cujos lucros são doados às obras sociais.
Nelas são citados vários fatos do cotidiano, dos quais
procura sempre extrair um ensinamento elevado e aos
quais deu os seguintes títulos: Retalhos da vida, Revivendo
o cotidiano, Labaredas mentais, Crer ou
não crer? e Trajetória de luz.
Casos e histórias
Conhecido por seu dom de contador de casos, com rara
habilidade e simplicidade, além de poeta, Jair
narrou-nos, há anos, e depois nos enviou por escrito,
três histórias vivenciadas por ele em sua infância e
juventude no interior mineiro. A seguir, vamos citar
cada uma delas.
A primeira ocorreu quando ele estava na idade de doze
anos. Nessa época, era normal o hábito dos jovens de
matar passarinhos com uma atiradeira, também chamada de
estilingue. Contou-nos, Jair, que, certo dia, avistou um
passarinho pousado no galho de uma árvore. Então, pegou
seu estilingue, no qual, por diversas vezes, colocava
uma pedra e a lançava na direção da ave que,
estranhamente, não se mexia de onde estava. Até que, lá
pelas tantas tentativas, acertou o pássaro, que caiu
morto no chão. Da janela de sua casa, seu tio viu sua
proeza, chamou-o e disse-lhe o seguinte:
— Jair, até que enfim você conseguiu matar o passarinho,
não é mesmo?
Todo empolgado, nosso amigo respondeu-lhe:
—Viu como sou bom de pontaria, tio?
Ao que seu tio lhe retrucou sorrindo:
— Bom coisa nenhuma, você só acertou a pobre ave porque
ela estava doente e não conseguia mais voar. Mas vou lhe
dar um conselho, disse sério: não destrua a fauna de
nossa bela Natureza, presente de Deus que precisamos
preservar. Seja bom para com todos os seres da Terra e
você será muito feliz.
O sobrinho ficou envergonhado do que fizera e nunca mais
matou ave nem outro animal qualquer. Entretanto, Jair
tinha outro hábito não recomendável de dizer palavrões.
Passados alguns dias, o jovem estava caminhando
descalço, como era comum no interior. Num dado momento,
bateu com o dedão de um dos pés numa pedra e começou a
chorar e proferir calões. Seu tio, que passava pelo
local, viu a cena e apressou-se em socorrê-lo. Tratou o
dedão machucado do sobrinho e, após acalmá-lo, fez-lhe a
seguinte recomendação:
— Jair, palavrão não é sedativo e nem calmante.
Por que você não faz uma prece a Deus, ao invés de falar
palavras torpes? Não fica bem para um rapazinho bonito e
educado ficar gritando palavrões toda vez que se
machucar ou se zangar. O melhor remédio, nessas horas,
ainda é a oração.
Nunca mais Jair falou palavrões.
O último caso narrado por ele foi o de uma faquinha de
prata que ganhou num baile de fim de semana, quando já
estava com a idade de 17 anos. O cabo era de madrepérola
e a bainha era de couro marrom, que Jair orgulhosamente
ostentava no cinto da calça quando seu tio o avistou e
perguntou-lhe:
— Ué, Jair, você agora resolveu andar armado? Por que
motivo? Quer se defender ou atacar alguém?
O jovem respondeu-lhe, então, que sua intenção não era a
de violência e, sim, para chamar a atenção das moças e
ser respeitado pelos colegas.
Foi aí que ouviu o terceiro conselho que nunca mais
esqueceria:
— Jair, você é um bom rapaz, de família espírita. Não
lhe fica bem sair por aí com uma faca na cintura. Quando
estamos armados, não nos lembramos de Deus e, sim,
atraímos as más companhias e adversários encarnados ou
desencarnados. Se eu fosse você, mesmo sabendo que a
faquinha é bonita, eu me livrava dela o mais rápido
possível. Deixe-a com sua mãe, ela saberá fazer bom uso
da faca quando desejar descascar uma fruta ou cortar um
legume. Ou melhor, ajude-a a fazer bom uso desse
instrumento na cozinha de sua casa.
Nunca mais Jair se exibiu com faca na cintura.
Agora, idoso, ele relembra esses casos e conclui com o
poema de versos livres intitulado Eu e ele, que
cito abaixo:
O sábio escuta o conselho positivo,
A Natureza nos aconselha silenciosamente,
O respeito é parte do amor vivo,
O aviso constitui aprendizado veemente.
Ele e eu, conselheiro e aconselhado,
O primeiro, com sabedoria, indica solução,
O segundo mostra-se sensibilizado, se ajustado,
E mais, o consiliário agiu com o coração.
Caminhemos na ribalta da vida,
Todos na direção de uma claridade,
É a glória de Deus, é a evolução devida.
Somos irmãos do Cristo, nosso Mestre santificado,
Governador da Terra, homérica Potestade,
Respeitemos sua grandeza, é o rei crucificado.
O consiliário ou conselheiro de Jair chamava-se
Sebastião Ribeiro de Oliveira. Teve oito filhos: seis
meninos e duas meninas, uma das quais morreu com poucos
meses de vida. A todos buscou criar nos padrões
espíritas e em condições econômicas modestíssimas, mas
com muita dignidade. Embora tenha desencarnado aos 53
anos de idade e deixado sua esposa viúva com 40 anos,
foi sempre um modelo de bom pai e marido.
Pessoas como Seu Sebastião e esposa, Cely,
falecida aos 89 anos, cercada da gratidão e amor dos
filhos e netos; Jair e esposa, Cidenir, deixam um rasto
de luz por onde passam e jamais são esquecidas por todos
os que as conhecem. Mas isso não dá mídia...
Quando morreu o tio de Jair, Seu Sebastião, dos
seus sete filhos restantes, a filha mais velha estava
com dezesseis anos de idade. Os seis filhos seguintes
tinham treze, onze, nove, oito e três anos, que era a
idade dos gêmeos.
Seu Sebastião
foi meu pai, e Jair é meu primo, filho de tia Auta, que
teve cinco filhos, todos eles ainda vivos e espíritas
dedicados a obras sociais e de divulgação espírita.
Esses são verdadeiros espíritas, ou espíritas cristãos,
como os classifica Allan Kardec.
Não podíamos terminar sem citar o recente poema que Jair
nos enviou, que esperamos não ser o último, embora sua
aparente despedida:
A toda gente...
Presume-se tratar de despedida,
Partirei saudoso de tudo que ficar,
Seguirei o óbvio caminho da vida,
Todavia, desconheço onde vou estar.
Meus agradecimentos a toda gente,
Que honrou-me com carinho e atenção,
Não mereço tanto, mas sinto-me contente,
Coisa de Deus, vivo enorme emoção.
Fiz tudo o que pude,
Mas não realizei o que devia,
Trilhei senda adversa, vereda rude.
Sou filho de Deus e seu protegido,
Mas, como viandante lento, virtude vazia,
Contudo, estou feliz na Terra, sou querido.