O medo de nós mesmos
Quando falamos sobre Santo Agostinho, que participou
ativamente da falange do Espírito da Verdade na
monumental obra de trazer à Humanidade as revelações da
Doutrina dos Espíritos através do trabalho hercúleo de
Allan Kardec, podemos ter a impressão de que Agostinho
já veio pronto na reencarnação que o santificou segundo
os conceitos da religião que serviu.
Entretanto, se consultarmos os dados da sua vida terrena
no século I da Era Cristã, verificaremos que Agostinho
era um jovem como os outros da sua época. Participava
das aventuras normais àquela fase da humanidade. Foi
casado e teve um filho que se chamou Adeodato.
Como, então, conseguiu melhorar-se a ponto de ser
santificado? A resposta é dada por ele mesmo na questão
de número 919 de O Livro Dos Espíritos. Para que
o leitor não tenha o trabalho de folhear o livro para
recordá-la, resumimos: Agostinho passava em revista o
que fizera durante o seu dia e interrogava a si mesmo se
não faltara a nenhum dever, se ninguém tinha nada a se
lamentar dele. Foi dessa maneira que foi buscando o
autoconhecimento e reformando tudo aquilo que a sua
consciência recomendasse para sua melhora.
“Questionai, portanto, e perguntai-vos o que fizestes e
com qual objetivo agistes em tal circunstância; se
fizeste alguma coisa que censurais em outrem; se
fizestes uma ação que não ousaríeis confessar.
Perguntai-vos ainda isto: se aprouvesse a Deus chamar
neste momento, reentrando no mundo dos Espíritos, onde
nada é oculto, eu teria o que temer diante de alguém?
Examinai o que podeis ter feito contra Deus, contra
vosso próximo, e enfim, contra vós mesmos.”
E por que não agimos da mesma maneira se sabemos que
estamos na escola da Terra para evoluir?
Creio que Irmão José no livro Passo A Passo,
capítulo Sempre à procura, psicografia de
Baccelli, nos responde quando orienta o seguinte: “O
homem evita o confronto consigo mesmo. Evita porque se
desaprova. Não se aceita como é, mas não consegue mudar.
Mudar é penoso; a renovação exige sacrifício”.
Temos medo desse confronto conosco mesmo. Medo de nós
mesmos porque se formos corajosos e verdadeiros como foi
Santo Agostinho, o que iremos encontrar não é nada bom.
Além disso, não queremos mudar de vida, abrir mão dos
prazeres e vantagens imediatas da vida terrena. E isso
acontece porque, segundo Irmão José no mesmo capítulo
mencionado, estamos tão ligados ao corpo que nos
confundimos com ele. Perdemos a consciência de que somos
Espíritos que temporariamente nos valemos de um corpo
físico para frequentar a escola da Terra. Fugimos à
realidade de que esse uniforme material se desgasta dia
a dia caminhando para um fim inexorável que nos
devolverá ao nosso verdadeiro mundo, à nossa verdadeira
realidade. Quem duvidar dessa situação, basta olhar em
fotografias espaçadas de cinco anos uma da outra e
veremos a obra demolidora do tempo que nos encaminha
para o fim.
Examinemos os acontecimentos antigos e recentes do mundo
dos homens para constatar essa realidade. Os grandes
conquistadores que se julgavam dono do planeta viram
escoar pelas mãos o poder ilusório que detinham
temporariamente. As grandes fortunas que foram barradas
na alfândega do túmulo comprovam a mesma coisa. Os que
ocuparam cargo de poder e foram visitados pela morte
também são testemunhas dessa realidade da qual não se
pode fugir.
Não temos a devida dose de coragem de Santo Agostinho.
Nós nos satisfazemos embriagados pela recompensa
imediata do mundo, preferindo ignorar como ela é tão
rápida. A morte é uma realidade que só existe para os
demais mortais. Para aquele que se chafurda nas
recompensas do momento presente, jamais a indagação do
Santo encontrará guarida na consciência quando indaga
qual seria nossa situação se fôssemos chamados por Deus
para partir nesse momento. Tremendamente diferente de
Francisco de Assis que, cuidando de um pequeno jardim,
recebeu a pergunta de um companheiro de ordem religiosa
sobre que atitude ele teria se soubesse que iria morrer
naquele mesmo dia. Francisco, demonstrando o estado de
tranquilidade de sua consciência, respondeu apenas que
continuaria cuidando do seu jardim!
Agarramo-nos aos valores do mundo atual como a criança
segura firmemente com as mãos o brinquedo de sua
preferência para que ninguém mais usufrua do mesmo.
Agarramo-nos à vida preferindo não lembrar que a morte a
cada um de nós vigia ininterruptamente, apenas
aguardando o instante determinado por Deus para que
tenhamos que partir inapelavelmente.
Se temos medo de nós mesmos, a morte não enfrenta o
mesmo problema, convocando-nos a partir no
intransferível momento reservado a cada ser humano.
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