Brasil
por Giovana Campos

Ano 14 - N° 681 - 2 de Agosto de 2020

 

Posvenção do suicídio: um assunto de todos


Quando abordamos a questão do suicídio, uma intervenção relativamente nova nos meios de saúde mental é a proposta da posvenção. Mas como compreender o que é isto e como aplicar? A posvenção é o trabalho feito com os sobreviventes do ato praticado pela pessoa amada, ou seja, as pessoas que ficam e foram, com isso, abruptamente impactadas. É importante salientar que aqui não se refere apenas aos familiares, mas às diversas pessoas envolvidas no contexto, como os amigos, os prestadores de socorro, médicos, enfermeiros, terapeutas e a comunidade toda que foi impactada pelo suicídio. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que entre 5 e 10 pessoas são impactadas diretamente pelo suicídio de alguém próximo1, e em ambientes escolares ou profissionais pode chegar até a 300 pessoas.

O impacto de ser sobrevivente tem sido mais extensamente tratado no contexto das famílias enlutadas por ter perdido alguém pelo suicídio. Os estudos sobre os processos de ser sobrevivente nos ajudam a compreender também o processo de sofrimento dos familiares, bem como confortar famílias que são surpreendidas por não terem percebido, compreendido ou valorizado em tempo a natureza do risco. Nos grupos de acolhimento aos sobreviventes também é importante a escuta para se identificar e elaborar sentimentos de raiva ou culpa, para de alguma forma amenizar a dor e o sofrimento de todos os envolvidos.

A médica nefrologista Ana Catarina Tavares Loureiro, coordenadora do Grupo de Prevenção ao Suicídio Yvonne Pereira, localizado
em Vitória (ES), traz mais informações sobre o tema da posvenção, na entrevista seguinte:

 

O que é a posvenção do suicídio e qual a sua importância?

Posvenção compreende as atividades realizadas com o objetivo de reduzir os danos causados pelo suicídio de uma pessoa em seus familiares, amigos, conhecidos etc. Importante ressaltar que esse termo é relativamente jovem na linguagem da suicidologia, pois foi criado na década de 1970 pelo suicidologista Edwin Shneidman.  As ações de posvenção unem prevenção e intervenção cujo objetivo é reduzir o sofrimento do enlutado.  De acordo com a psicóloga e professora Karina Fukumitso, “é a prevenção do suicídio das próximas gerações”2, uma vez que o enlutado pelo suicídio de alguém faz parte do grupo de risco de suicídios.

Quanto tempo dura o luto do sobrevivente nesses casos?

É um luto mais duradouro do que os outros, e depende de vários fatores, entre eles o tipo e a qualidade do vínculo com a pessoa falecida, e pode durar vários meses (em média, um ano) ou prolongar-se até o final da vida3.

Qual a postura mais correta ao encontrar uma pessoa nessa situação: deixar falar sobre o fato, mudar o rumo da conversa ou fazer mais perguntas?

Por favor, deixe-a falar sem interrupções ou julgamentos. Schneidman no texto supracitado, diz que a maioria dos enlutados está ansiosa por uma oportunidade de conversar, e o apoiador é a voz tranquila da razão.

Devemos evitar chavões do tipo: tudo vai passar, não chore, não fique triste etc.

A pessoa deve dar atenção plena ao enlutado; além de ouvir seu relato, procurar com discrição verificar se a pessoa está necessitando de suporte para cuidados básicos como ir ao médico, compra de mantimentos, ajuda com medicamentos, e não somente com a compra, pois no estado de sofrimento em que se encontra pode esquecer-se de tomar medicamentos de uso diário.

Não perguntar sobre a forma como o familiar se suicidou, se deixou carta etc. Esse tipo de intervenção não ajuda, atrapalha. Se a pessoa falar sobre isso espontaneamente, ouça.

Respeite as crenças do seu interlocutor, não tente convencê-la de nada, ofereça apoio no que for possível. Se a pessoa desejar, você pode orar com ela, providenciar aplicação de passes, água fluidificada e o culto do evangelho no lar. Caso contrário, ore por ela no recinto do seu lar ou na instituição religiosa que você frequenta.

A pessoa enlutada por suicídio lida com a dor da perda e o desafio para prosseguir na caminhada. De forma nenhuma isso é simples.

Em Vitória (ES) há um grupo voltado a esses estudos e suporte familiar. Como e onde funcionam as reuniões do grupo Yvonne Pereira?

São reuniões que visam oferecer apoio emocional à luz da Doutrina Espírita, em que as pessoas enlutadas têm oportunidade de compartilhar sua dor livremente, sem se preocuparem com julgamentos ou censuras. Inicialmente realizamos a leitura de um texto espírita de cunho confortador, prece e passes. Após o momento de compartilhamento, fazemos um curto relaxamento e prece de encerramento.

Nós temos cinco princípios que norteiam o desenvolvimento das reuniões:

1 - Sigilo: respeito à confidencialidade (Pensamentos, sentimentos e experiências compartilhadas deverão ser mantidos em sigilo dentro do grupo).

2 - Não Julgamento: pensamentos e sentimentos não são nem certos e nem errados.

3 - Aceitação: todos têm direito de compartilhar suas dores ou não.

4 - Singularidade: a dor é única de cada pessoa.

5 - Respeito: todos têm direito a igual tempo para se expressar se assim o desejar.

Antes das recomendações de afastamento social em virtude da pandemia, as reuniões aconteciam uma vez por mês com duração de 1h15. Atualmente estamos fazendo reuniões de estudo on-line às segundas-feiras, das 19h às 20h. Esse formato on-line ainda não é definitivo; estamos em avaliação.

É comum nos dias de hoje, nas reuniões mediúnicas, surgir relatos de suicidas? Como lidar com o conteúdo recebido?

A presença desses espíritos depende do perfil de reunião. A espiritualidade que coordena o trabalho respeita os objetivos propostos, as condições dos médiuns e a disponibilidade interna para o acolhimento.

Analisando o atendimento aos espíritos em sofrimento que desencarnaram por suicídio, na obra O Céu e o Inferno, observamos que em todos os casos é permitida a livre expressão do sofrimento do espírito comunicante, naturalmente sem admitir palavras grotescas, como é preconizado para reuniões mediúnicas sérias.

Diante de um espírito nessas condições, nossa postura deve ter em primeiríssimo lugar um genuíno desejo de aliviar a dor de alguém que sofre muito e às vezes está em grande desespero.

Nossos pensamentos, sentimentos e palavras devem ser norteados pelos princípios espíritas. Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 5, o espírito Bernardino diz: “Não digais, pois, quando virdes atingido um dos vossos irmãos: É a justiça de Deus, importa que siga o seu curso. Dizei antes: Vejamos que meios o Pai misericordioso me pôs ao alcance para suavizar o sofrimento do meu irmão.” E o benfeitor Emmanuel, no livro Escrínio de Luz, complementa: “Não condenes as vítimas da loucura e do sofrimento que se retiram do mundo pelas portas do suicídio. Ninguém lhes viu talvez a luta insana. E não sabes até que ponto sorveram o veneno da angústia na taça de fel!”

A empatia, a compaixão e a prece, são ferramentas importantes para reduzir o sofrimento.

Quais os grupos de suporte aos familiares enlutados que você indica?

Podemos citar alguns:

Em Vitória (ES) temos o Grupo Yvonne Pereira, que funciona na sede da Federação Espírita do Estado do Espírito Santo (FEEES), às primeiras segundas-feiras do mês. Informações pelo e-mail: faleconosco@ameees.org.br.

Em São Paulo existe o NAS – Núcleo de Assistência Social do Instituto Sedes Sapientiae. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail: nas@sedes.org.br.

A rede API (Apoio a Perdas Irreparáveis) existe em vários estados do Brasil. Pode-se obter mais informações no site: http://redeapi.org.br/.

Em Fortaleza (CE) temos o Instituto Bia Dote, que entre outras atividades dispõe de grupo de apoio a enlutados. Informações pelo site: https://institutobiadote.org.br/

 

Referências:

1 - World Health Organization and International Association for Suicide Prevention (IASP). Preventing suicide: how to start a survivor’s group. Geneva: WHO/IASP, 2008 (p.6).

2 - Karina Fukumitso  - Suicídio e luto: histórias de filhos sobreviventes-2013.

3 - Edwin Schneidman. Postvention: The care of the bereaved. Suicide and Life-Threatening Behavior, 11(4), 349-359).

 

Nota da Redação:

Para obter mais informações sobre o tema posvenção, clique aqui

 

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita