A valorização dos saberes e troca de percepções com a
roda terapêutica comunitária
Em um trabalho ímpar de integração e valorização do
próximo, as rodas de
terapia comunitária integrativa, ou rodas de TCI, como
são comumente chamadas, têm o objetivo de criar um
espaço de fala para que as pessoas possam conversar
sobre seus problemas, angústias ou dúvidas criando redes
de solidariedade e apoio. Deste modo, surge um espaço de
promoção de encontros que valorizam histórias de vida
dos participantes e favorecem a ampliação da percepção
dos problemas e possibilidades de esclarecimento a
partir de seus olhares. Há alguns anos sendo
realizada pela Associação Médico-Espírita do Distrito
Federal (AME-DF), esta proposta terapêutica trouxe
benefícios e laços de companheirismo além de auxiliar
famílias, proporcionando bem-estar aos seus
participantes.
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A médica Maria da Penha Batista, membro da AME-DF e
coordenadora da roda de TCI, nos traz mais informações
sobre esse trabalho.
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Como a roda de terapia comunitária pode ser uma
ferramenta de promoção de saúde? |
A Roda de TCI foi formatada pelo dr. Adalberto Barreto,
médico psiquiatra cearense, exatamente com este
objetivo: promover saúde em uma comunidade carente, no
Ceará. Ele percebeu que havia muitos saberes na
comunidade, para além do saber acadêmico. E também que
muitas das enfermidades eram decorrentes de questões
emocionais não resolvidas: raivas que davam gastrite,
medos que levavam a colites, angústias que levavam a
problemas cardíacos etc. São energias bloqueadas em um
órgão que, ao serem expressas pela linguagem, e
principalmente em um grupo de escuta, se atenuam e se
curam. Aliás, este é o lema da roda de terapia
comunitária: quando a boca cala, os órgãos falam; quando
a boca fala, os órgãos saram.
Como surgiu a ideia de inserir este trabalho na AME-DF?
O trabalho de autoconhecimento sempre foi uma busca
minha e de mais duas amigas. Eu já conhecia e admirava o
trabalho do Dr. Barreto, pois estive em seminários
realizados com essa temática. Quando surgiu a
oportunidade da formação, algumas amigas e eu fomos
fazer e nos encantamos. E como nós três somos
pertencentes à AME, a ideia de um trabalho de
benemerência pautado na Roda de TCI foi sendo
mentalizada. Fazíamos um trabalho em um centro espírita
pequeno, em uma cidade de Goiás, muito próxima à
Brasília. Começamos por lá, com poucos participantes e
foi maravilhoso.
Existem regras do que pode ou não fazer em uma roda de
terapia?
Sim! Estas propostas foram muito bem desenhadas para
que alcançasse seu objetivo. Há regras que seguimos em
todas as rodas. A roda dura 1h30 e se compõe de três
etapas distintas: a primeira é o acolhimento –
boas-vindas/regras da roda/comemorações do mês/dinâmica
de aquecimento; a segunda é a escolha do tema, ou ponto
central. Nessa etapa é que os temas são trazidos pelos
participantes, problematizados e escolhido um único
assunto para discussão e aprofundamento. Após isso,
chega o terceiro e mais rico momento: a partilha das
experiências de todos que tiveram a experiência de algo
semelhante e o superaram. Surgem várias alternativas que
poderão ajudar a pessoa que trouxe um problema/tema. Ela
própria faz a escolha de qual alternativa poderá
utilizar. É o resgate gradativo da autoestima. A
transformação das participantes ao longo do tempo é
fantástica. Por fim temos o encerramento, que é um
ritual de agregação onde fazemos uma roda, nos abraçamos
e colocamos o que estamos levando da dinâmica realizada
naquele momento.
Então, as emoções bloqueadas ou não expressas podem
gerar problemas de saúde?
Sim. Nós somos feitos de energia. Emoção é energia em
movimento. Quando esse movimento flui sem resistência,
torna todo nosso corpo mais harmônico, nossos órgãos
funcionais. Toda enfermidade se inicia nesse campo
energético. Passa para o funcional, até chegar ao corpo
físico. Energias estancadas em algum local bloqueiam
esse fluxo. A linguagem é um grande instrumento de
libertação desses bloqueios quando ela encontra ouvidos
de ouvir. A roda terapêutica é um espaço de escuta. Traz
também embutida uma das grandes necessidades de todos
nós – a de pertencimento. As participantes sentem-se
pertencentes àquele grupo, que cria vínculos que geram
confiança, que ampliam relações. E boas relações são a
causa mais importante como determinante de uma vida mais
feliz.
É possível inserir a espiritualidade na roda terapêutica
sem que haja problemas perante as diferentes
religiosidades que podem existir?
Sem nenhum problema, e nós fazemos isso. Sempre
iniciamos com uma prece e durante ou após a roda, a
depender do tema, podemos trazer passagens bíblicas para
ilustrar. Apesar de fazermos esse trabalho dentro de um
centro espírita, a maioria dos participantes não é
espírita. Temos muitos evangélicos e alguns católicos.
Se alguém se sente protegido pelo seu anjo da guarda,
pelo Espírito Santo ou pelo seu mentor espiritual, não
faz mesmo diferença para nós. Como dizia o médium Chico
Xavier, a religião certa é a que faz do ser humano um
ser melhor. E a característica da roda é muito mais do
que tolerar a diferença, é a celebração da diversidade.
Quais os requisitos para bem se conduzir uma roda
terapêutica?
É necessário fazer a formação, que consiste de um curso
de um ano e meio, em módulos em que aprendemos mais
sobre nós para podermos ampliar a nossa escuta sobre o
outro. Ainda neste curso, participamos de várias rodas
para nos familiarizarmos com a ferramenta e precisamos
praticar 48 rodas para concluir o curso. A grande
dificuldade para todos nós é disciplinar a todos e
também saber interromper quando alguém se alonga nas
falas. Temos que dar voz a quem quiser falar.
Exercitamos isso a cada roda, até hoje. A preferência é
que haja três facilitadores; assim cada um se
responsabiliza por uma etapa.
E para os participantes? Há número limite?
Nenhum requisito nem restrição para participar, apenas
seguir as regras da roda. Volta quem quer e quando
quiser. Quanto ao limite de participantes, depende do
espaço onde a fazemos. Da nossa atualmente participam de
25 a 35 pessoas. O importante é que todos possam
olhar-se e se ouvir naquele espaço.
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