A empatia como agente transformador das relações humanas
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Rodolfo Furlan Damiano,
da AME-São Paulo, nos fala sobre o tema
empatia e
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espiritualidade |
Uma das palavras mais usadas na atualidade é empatia.
Toda vez que escutamos uma história, vemos ou lemos
sobre algum acontecimento em que alguém desconsiderou ou
desrespeitou os sentimentos de alguém, sempre se levanta
a questão da falta de empatia. Mas o que é ser uma
pessoa empática? A capacidade de compreender os
sentimentos e de colocar no lugar do outro, sentindo
suas dores, alegrias, preocupações, ou quaisquer outros
sentimentos e respeitar este momento, sem julgamentos,
nos faz uma pessoa empática. Como diz o Evangelho, “Tratai
todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem”
(Lucas, 6:31),
temos aí uma mostra de quanto a caridade e a empatia
caminham lado a lado.
É possível colocar o conceito de empatia na formação
profissional para que auxilie a equipe de saúde ter um
olhar mais humanizado no tratamento? Conversamos com o
médico Rodolfo Furlan Damiano, da AME-São Paulo, sobre a
relação entre a empatia e a espiritualidade nos cuidados
de saúde e como inserir este conceito no cotidiano do
atendimento ao próximo.
A seguir, a entrevista que ele nos concedeu:
Como definir a empatia?
Assim como diversos outros conceitos abstratos, não há
uma única definição de empatia e muito menos um consenso
entre todas as partes. Entretanto, seja em nível
teórico-acadêmico seja em nível do conhecimento geral ou
senso comum, é fato que quando falamos sobre empatia nos
vêm em mente dois conceitos básicos. O primeiro se
refere a uma capacidade quase que inata, intrínseca,
afetiva-emocional de sentir a dor do outro, sofrer junto
com o outro; ou o oposto, sorrir junto com o outro e se
alegrar com o mesmo. Esse primeiro conceito vem sendo
chamado por alguns de simpatia, para diferenciá-lo de
empatia, que seria mais esse segundo conceito que irei
apresentar. Este segundo é um pouco mais racional,
referindo-se a capacidade humana de se colocar no lugar
do outro, conhecer seus medos, anseios, valores, e desta
forma ajudá-lo a enfrentar suas dificuldades. Estudos
mais modernos de neuroimagem têm encontrado resultados
semelhantes, com áreas cerebrais distintas sendo
ativadas para as diferentes respostas: afetiva-emocional
ou cognitiva-racional. Certo é que ambas são
importantes, mas merecem atenção e cuidado para se
avaliar suas consequências diretas e indiretas, assim
como a possibilidade de inserir no contexto acadêmico.
É possível inserir este conceito no ensino universitário
ao profissional de saúde em formação?
Não só é possível como essencial. Devemos ter
consciência de que esta já é uma área bastante abordada
na graduação e acredito ser por meio de dois pontos
principais, um teórico e outro prático. Do ponto de
vista teórico, estudando o conceito de empatia e
entendendo a diferença ele e outros conceitos (simpatia,
compaixão, antipatia), estudando o impacto que tem na
vida dos pacientes, compreendendo o impacto que tem em
nossas próprias relações interpessoais
(multiprofissionais, com os pares), assistindo
entrevistas de profissionais mais experientes e
sensíveis que se utilizam da empatia, entre outros. De
um ponto de vista prático, estimulando o estudante a
realizar entrevistas não clínicas, compreendendo quem é
o doente que sofre (da onde veio? quais suas
dificuldades? quais seus medos? quais seus objetivos?
qual seu sentido na vida?), estimulando-o a ver além da
doença. Mas existem dois pontos que eu considero
principais e são pouco debatidos, o primeiro é a
existência de espaços livres na formação, onde o
estudante tenha tempo para cuidar de si e de sua
saúde mental. Outro é o estímulo à prática das artes
(música, teatro, cinema, literatura) as quais são um
estímulo importante para a sensibilidade do ser humano.
Há como medir o grau de empatia?
Sem dúvida. Por meio de escalas auto preenchíveis, onde
o profissional de saúde responde a diversas questões
referentes ao seu grau de empatia (escalas como Jefferson
Scale of Empathy, Interpersonal Reactivity Index),
além de questionários onde o próprio paciente relata o
grau de empatia de seu médico ou profissional de saúde.
Entretanto, sendo um constructo abstrato, sua aferição
não é fácil e está sujeita a alguns vieses, como por
exemplo, que o próprio indivíduo que responda tenda a
achar que é mais empático do que realmente é. Por isso,
mais estudos são bem-vindos nessa área.
Sendo o médico empático, isto traz alguma influência no
tratamento/ resposta do paciente?
Muitas. Tanto na percepção subjetiva do paciente quanto
ao seu tratamento, o que sem dúvida leva a uma melhor
resposta, uma resposta mais rápida, e uma melhor
aderência medicamentosa; mas também no fato de que uma
maior empatia lhe permite captar melhor e mais
purificadamente as queixas do seu paciente, tornando-o
não apenas mais sensível mas um médico melhor
tecnicamente.
Existe relação entre empatia e espiritualidade?
Sim. Uma relação próxima e de mão dupla. A
espiritualidade, em um sentido mais amplo, pode ser
definida como a busca individual de transcendência,
sentido e propósito. Inúmeros estudos têm mostrado a
relação inversa entre sintomas depressivos, ansiosos,
ideação e comportamento suicida, ou mesmo físicos, como
mortalidade, tempo de internação, marcadores
inflamatórios, etc. e espiritualidade-religiosidade.
Indivíduos com maiores graus de empatia tendem a serem
mais receptivos tanto a compreender, expressar, como
também a utilizar as crenças de seus pacientes para o
benefício de sua saúde. Esse ajuste fino entre a
sensibilidade da espiritualidade com a razão da empatia
é uma arma poderosa na transformação das relações, tanto
clínicas quanto pessoais, e não só podem como devem ser
estimuladas entre todos nós.