O mito do bom selvagem e O
Livro dos Espíritos
O mito do bom selvagem tem sua origem na obra do
filósofo franco-suíço Jean-Jacques Rousseau e consiste
na tese de que o ser humano era puro e inocente em seu
estado natural, sendo a sociedade responsável por
incutir nele valores e hábitos que o conduziriam ao
conflito e aos problemas que, na visão de Rousseau,
marcavam a sociedade.
Dessa forma, adotando-se esse ponto de vista, a maioria
dos problemas sociais que envolvem crimes, tais como
furtos, assassinatos e abusos, não seria resultado da má
índole individual de seus responsáveis. Eles seriam, na
verdade, o produto nefasto de uma sociedade desigual e
injusta, que, ao submeter o indivíduo a uma existência
miserável, o encaminha para agir diferente daquilo que é
socialmente desejável.
Desse modo, a solução dos problemas sociais passava
pela necessidade de se rever as instituições modernas da
sociedade. “O homem nasce bom, mas a sociedade o
corrompe”, defende o filósofo iluminista.
O pensamento apresentado por Kardec na pergunta 780-b de
O Livro dos Espíritos (“os povos mais esclarecidos,
frequentemente, são os mais pervertidos”), possivelmente
retrata poderosa influência dessa mentalidade, ainda
forte em meados do século XIX.
Estudos recentes em diferentes áreas do conhecimento
humano têm mostrado que as coisas não são assim como se
pensava. Indiscutivelmente, as forças sociais exercem
poderosa influência nas ações humanas, estando as
desigualdades sociais e, em decorrência delas, a pobreza
e a miséria humanas, relacionadas como causas geratrizes
da criminalidade. Todavia, muitos outros fatores, tais
como os biológicos e psíquicos são relacionados pela
criminologia moderna.
Esses estudos têm mostrado que, ao contrário do que
acreditavam os defensores do mito do bom selvagem, a
civilização, a erudição e o esclarecimento, em resumo, o
desenvolvimento intelectual, são fatores que contribuem
na redução da violência e da criminalidade. Povos mais
esclarecidos são menos violentos e, menos
frequentemente, infringem as leis.
Steven Pinker, psicólogo de Harvard, mostra, baseado em
pesquisas sociológicas muito bem delineadas, na obra O
novo Iluminismo, que a educação de um povo está
diretamente relacionada a melhor saúde, maior
expectativa de vida, mais riqueza, mais democracia,
menos violência e criminalidade. As pessoas que vivem
nos países mais esclarecidos e desenvolvidos
tecnologicamente, em média, são menos racistas, menos
sexistas, menos xenofóbicas, menos homofóbicas e menos
autoritárias. São também mais propensas a fazer trabalho
voluntário e a participar de associações cívicas.
Por todas essas razões o crescimento da educação é
emblemático do progresso humano. E Kardec afirmou isso,
nos itens 780 e 780-a de O Livro dos Espíritos: o
progresso moral é decorrente do progresso intelectual,
pois faz o homem compreender o bem e o mal,
capacitando-o a fazer melhores escolhas.
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