Dois tempos, duas velocidades
Quando somos crianças, vivemos a velocidade do tempo
cronológico, beneficiando de uma inocência natural de
quem não é influenciado pelo tempo do pensamento,
tirando partido de cada oportunidade.
Ao crescermos, ainda na juventude, passamos a viver nas
condições impostas pelo funcionamento mental.
Para que possamos perceber a ideia destes dois
funcionamentos vamos dar um exemplo.
Imagine que faz uma viagem de carro, sai de sua casa em
direção a uma outra terra que fica a 100 Km. Durante a
viagem tem duas opções:
1 – Segue com atenção a paisagem, aproveitando a sua
viagem e mantendo-se no tempo cronológico.
2 – Fica com o seu pensamento na sua terra ou na terra
de destino, completamente absorvido por este movimento
mental, como tal, perdendo a oportunidade de apreciar a
viagem.
Podemos perceber que a segunda forma é um movimento
mental, dentro de nós, onde gastamos um determinado
tempo sem sair da “sala” do pensamento, criando a nossa
realidade.
Esta forma de viver é a forma que a humanidade tem
mantido, gerando toda confusão e sofrimento que tem
suportado.
Vamos dar um exemplo para mostrar que esta forma de
funcionamento se estende ao habitual em quase todas as
situações que passamos.
Imagine que foi operado e está em recuperação. É normal
que aconteçam dores pós-operatórias e durante as dores
nós sofremos, mas, após tomar a medicamentação, não
sentimos dores. Nós temos duas formas de lidar com esta
situação:
1 – Sinto as dores e sofro de forma natural, mas quando
tomo a medicamentação vivo o presente sem dores,
aproveitando esses momentos.
2 – Permito que o sofrimento do que estou a passar se
instale em mim e através do pensamento sofro. Quando
tenho dores sofro por ter dores, quando não as tenho,
sofro porque não queria passar por aquilo, como
resultado, sofro toda a recuperação, vivendo em meu
pensamento tal como no exemplo da viagem do carro.
Esta forma de funcionamento é muito mais enraizada do
que os dois exemplos já colocados.
Vamos a um terceiro exemplo. Quando tenho uma discussão
ou um problema que me aparece, tenho duas formas de
agir:
1 – Passo pelo problema, se tiver hipótese de resolver
resolvo logo, se não, espero que surja a hipótese sem o
carregar dentro de minha cabeça. A minha vida é muito
mais do que qualquer problema, aliás, só em problemas
que vão aparecendo são inúmeros, carregar todos eles,
seria um peso enorme e ensina-me o passado que eles são
passageiros como o tempo.
2 – Levo o problema comigo e fico a pensar nele o tempo
todo. Já sabem o resultado desta forma de viver. Quando
ganhamos este hábito, caminhamos para um carácter
obscuro que nos irá levar à angústia persistente, à
amargura com as pessoas, à agressividade e à depressão.
Infelizmente, nós usamos a memória para carregar tudo o
que é negativo. A culpa não é desta porque a memória é
uma gravação contínua independente da nossa vontade, com
uma capacidade impressionante. A culpa é da forma como
nós permitimos o funcionamento de nossa mente,
constantemente a remoer em nossa memória, naturalmente
magnetizada pelas imagens negativas.
O hábito de funcionamento mental é o que chamamos de
carácter, por isso as pessoas que permitem este tipo de
funcionamento tornam-se amargas e negativas em sua forma
de estar e com o passar do tempo apenas piorará.
O funcionamento do pensamento é automatizado, isto dito
por Carl Gustav Jung, pai da Psicologia Analítica. Isso
explica por que Jesus nos aconselha uma vigília
constante e, quando percebermos que este está errado,
então oramos para não agirmos incorretamente ou sob
tentação, como preferirem. Reparem que temos que superar
o pensamento através da vontade.
Maioria de nós acredita que todo o pensamento é um
resultado lógico de si próprio, logo, agem em
conformidade com este, sem questionar este movimento,
anulando a preocupação da ação. Para estes, só salta à
vista o pequeno conjunto de pensamentos que têm
enraizados em si como errados.
Esta forma de funcionamento, construtora de seu
carácter, anula por completo o seu Livre-Arbítrio.
Nós temos ideia que o pensamento é nossa criação lógica,
logo, é o nosso livre-arbítrio, mas, para além do
conselho de Jesus para termos um cuidado especial com
este, a psicologia já chegou à conclusão de que este é
gerido por um automatismo aleatório à vontade, detentor
de um magnetismo impressionante que nos cega e dirige,
alertado por Paulo de Tarso na sua famosa frase que nos
aconselha “desperta, ó tu que dormes de entre os
mortos…”
Aquele que por hábito segue o seu pensamento sem o
questionar, vive adormecido na cela de sua mente na
ilusão de que é dono de si próprio e do seu caminho.
|