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por Wellington Balbo

 

Raciocinar a fé para que a fé não raciocine por nós


Quando Kardec codificou o Espiritismo, século 19, sua ideia passou bem longe de construir uma nova religião ou transformar seus livros numa espécie de bíblia com recheio de dogmas.

Nada disso.

Aliás, ao informar que o Espiritismo deveria seguir junto com o avanço da Ciência, Kardec colocou um motor na doutrina. O mundo acelerou, o Espiritismo vai junto, com sua base fundamental intacta, mas sem perder o caminho da contemporaneidade.

Muito provavelmente que, se o Espiritismo fosse codificado hoje, as entrevistas que Kardec fez com os Espíritos trariam outras perguntas e, inevitavelmente, teríamos outros desdobramentos em algumas análises de Kardec.

Hoje, por exemplo, século 21, e com todo conhecimento que já temos sobre alguns temas que foram tratados por Kardec lá no 19, podemos fazer algumas releituras de O Livro dos Espíritos.

Refiro-me aqui mais precisamente à questão 943 de O Livro dos Espíritos, que trata do desgosto pela vida.

A resposta dada pelos Espíritos passava, naturalmente, pelo conhecimento daquela época.

Atualmente já sabemos que o desgosto pela vida e a consumação do autoextermínio, não raro, tem como uma de suas causas importantes o transtorno mental.

Transtornos mentais podem ter variados fatores, incluído, ainda, o fator biológico que, por sua vez, pode ter sua gênese na contraparte espiritual.

A propósito, no artigo "Uma semente de loucura" inserido na Revista Espírita, junho de 1860, Kardec comenta que alguns casos de autoextermínio podem ter como causa o "desarranjo cerebral" e cogita uma predisposição natural para a "loucura", termo que se utilizava na época.

Perceba que estas ponderações de Kardec foram realizadas após as duas edições de O Livro dos Espíritos já terem sido publicadas.

O autoextermínio não é, portanto, apenas efeito da ociosidade, saciedade, falta de trabalho ou fé, como faz supor a resposta da questão 943. É uma decisão que envolve multifatores e um tema mais complexo do que supõe nossa vã filosofia e que merece, então, dada a sua gravidade, utilizar-se de todo conhecimento disponível, sendo debatido pelo triângulo:

1- Medicina

2- Psicologia

3- Espiritualidade

Não temos motivo para tratar a obra de Kardec e dos Espíritos como bíblia, de modo que devemos, então, fazer os devidos ajustes proporcionados pelo conhecimento científico já adquirido.

O pensamento de Kardec sempre foi de que a fé deve ser raciocinada.

Eis, pois, nosso compromisso:

Raciocinar a fé para que a fé não raciocine por nós.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita