A criação do sofrimento
A maioria de nós foge de forma desesperada do sofrimento
que lhes aparece na vida. Não me refiro ao sofrimento
físico, mas ao sofrimento psicológico.
O sofrimento físico é aquele que aparece em consequência
de um problema biológico, ou seja, de uma ferida, de uma
fratura ou até de uma doença. Este é de grande
importância, pois é uma sequência, após alteração
biológica, para nos alertar de um perigo, por exemplo a
gastrite e as dores abdominais.
O sofrimento psicológico são todos os outros que não se
enquadram no sofrimento físico, embora existam muitos
casos em que os sofrimentos psicológicos causam dores
físicas, tal como causam doenças, mas não vamos entrar
nesta correlação entre a parte psíquica e o corpo
físico.
O sofrimento psicológico é uma constante terrena,
causada pela própria humanidade e este está relacionado
com a necessidade de evolução e a sua forma de
acontecer.
Já todos ouvimos falar que criamos a nossa realidade,
isto dito pelas ciências psíquicas terrenas, como
espíritas, aprendemos que passamos por aquilo que
necessitamos de passar.
O que necessitamos de passar é o que ainda não
compreendemos, o que falhamos no passado. Como falhamos
em nosso passado, este se torna o nosso carma, para que
voltemos a passar por experiências semelhantes. O carma
ou Lei de Causa Efeito gera este sistema, o que fazemos
dita o nosso futuro, o que vai de encontro a criação da
realidade que as ciências psíquicas concluíram.
Por que temos tendência ao sofrimento?
O ser humano não tem uma tendência ao sofrimento, na
verdade, ele cria o sofrimento, ou seja, ele não
percorre em direção ao sofrimento, quando dizemos
tendência, parece-nos que se dirige a este, mas ele
envolve-se deste, criando-o de dentro para fora.
O sofrimento não foi criado na altura que o vivemos, mas
criado ao longo da vida terrena, mesmo que este ainda
não tenha acontecido, funciona um pouco como a morte do
corpo físico, esta é criada quando o bebé nasce, não
quando acontece, pois, com o nascimento acontece a
obrigação do desencarne, são as duas faces de uma mesma
moeda.
Temos o hábito de nos afirmarmos como espíritos
reencarnados, mas depois confundimo-nos com a personagem
terrena que vivencia a reencarnação. Esta personagem não
é mais do que, um conjunto de vontades e apegos, que
acolhemos das experiências ao longo da vida. Quando nós
desenvolvemos o nosso caracter, este é constituído de
certos e errados, de desejos e fugas, de opiniões e por
aí fora.
A maior prova disso é a reencarnação, pois para a
próxima serei uma personagem diferente no maior palco de
teatro humano, que é a vida terrena, como lhe chamava
Shakespeare.
De todos os apegos que temos, o mais estridente, é a
esta personagem, de tal forma que acreditamos que o
somos, logo, o desejo mais importante para nós é que a
vida corra como queremos, pois, esta personagem é
constituída por desejos, e este é a maior causa do
sofrimento humano.
É fácil de percebermos que num planeta, com sete mil
milhões de seres humanos, repletos de desejo que a sua
vida corra do seu jeito desejado, terá de existir caos e
sofrimento, pois este nasce da existência da
individualidade.
Nós somos seres muito limitados, qualquer pessoa tem
consciência disto, mas queremos que este movimento da
vida, caiba dentro do desejo de como queremos que esta
decorra.
A vida vai decorrendo, sem que nos pergunte como deve
acontecer, apresentando os seus obstáculos. Estes
obstáculos são naturais, muitos aparecem como
consequência de nosso passado, outros são apenas
obstáculos para nos fazerem mexer e crescer.
Nós adoramos controlar, por isso desejamos que tudo
aconteça como imaginamos, para que não fuja ao nosso
controle. Quando nos deparamos com os obstáculos,
revela-se este enorme desejo, mãe da indignação, que
nasce impulsivamente perante a situação. É fácil
perceber que daí vem o sofrimento, pois aconteceu
diferente do que queria.
O sofrimento é a consequência de medirmos forças com a
vida, de um lado o braço de ferro do desejo de como
sabemos e queremos controlar a nossa vida, do outro a
vida, que não gosta de usar coleira para ser conduzida.
Algumas vezes, acabamos por desencarnar sem nunca termos
permitido que a vida pudesse agir sem que nós
desejássemos diferente, ou seja, não é que nós não
permitamos a vida, pois este enorme movimento não
precisa de permissão, mas que a tenhamos vivido sem que
houvesse indignação de nossa parte, então acontece uma
reencarnação de muito sofrimento.
Por vezes, pessoas que sentem que tem tudo, vivem
angustiadas por dentro e não percebem por quê.
Quando refiro ao movimento da vida, refiro também aos
outros, ao desejo que temos que os outros sejam como
queremos e a forma como, inconscientemente, os obrigamos
a agir, conforme nossos parâmetros. Pode-nos parecer que
não andamos atrás de ninguém, a exigir que seja como
queremos, mas a sensação que sentimos de ofensa, de
raiva ou de zanga, de contrariedade que nasce na
indignação, tem origem nos parâmetros desejados por nós,
consciente ou inconsciente.
Esta forma de viver, para além de ser turbulenta para
nós, também o é para os outros.
Nós temos muita dificuldade em ser diferentes, porque
também somos assim para nós próprios, passamos a vida a
nos cobrar, a nos magoar, a ofender, porque criamos os
tais parâmetros de forma inconsciente, na nossa forma de
caracter, idealizamos a vida e depois andamos de “vara
curta” com nós próprios, maltratando-nos, gerando a
angustia sem culpa aparente.
Confiar que vivemos o que
temos de viver e vivenciá-lo pacificamente é a principal
forma de abandonarmos a criação do sofrimento, pois
desejar que a vida seja como queremos é colocarmos um
oceano em um aquário, a única coisa que podemos fazer é
tentar.
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